domingo, 29 de julho de 2012

"AS CARTAS DE DANIELLE"





Marcelo era um escritor brasileiro em viagem a Paris. Resolvera conhecer a cidade luz, um sonho que sempre tivera e por lá estava calmamente a apreciar cada detalhe que a cidade poderia lhe oferecer.

Uma certa noite, após o jantar, resolver ir até um cyber café, um local alternativo de Paris, quando reparou uma moça sentada, lendo um de seus livros, traduzidos para o francês. De cabelos curtos, óculos, parecia estar compenetrada na leitura e não havia percebido a entrada do autor do livro que ela estava lendo.

Marcelo não quis incomodar e sentou-se em uma mesa, abrindo seu laptop, visando escrever mais uma de suas histórias. Deixou um pouco de lado a imagem daquela moça, que chamara muito sua atenção, mas não conseguia desviar o olhar.

De repente ele percebeu que a moça caminhava em sua direção com o livro, quando ele deduziu que ela, por óbvio o havia conhecido.

Dirigindo-se a ele, ela diz:

“Excusez-moi monsieur, vous êtes Marcelo? l'écrivain?”

Marcelo, sem entender, arrasta as únicas palavras que sabia dizer em francês:

Excusez-moi, je ne parle pas très bien le français’

Percebendo que seu sotaque era horrível, a moça então diz, em inglês, língua que ele entendia bem : Desculpe, você é o Marcelo ? O escritor?

Deixando escapar o sorriso ele diz : Sim, sou eu ! – tomando o livro das mãos da menina, ele diz : a quem devo dedicar ?

A menina então, corada, responde :

-       Danielle Nouvingnon !

Marcelo não pode deixar de admirar o nome da moça. Era lindo, musical, mas algo nos olhos daquela mulher mostrava que, por trás daquela face corada, algo muito maior se escondia, incompreendido e assustado, gritando pela liberdade.

Ele pudera reparar desde quando entrou pela porta que seus olhos diziam mais que suas palavras, mas ele não sabia exatamente o que.

Após conversar por algum tempo, aquela moça que estava sentada, quieta, lendo uma de suas histórias, despertara um interesse muito grande em Marcelo. Ao longo da conversa, ele pode perceber que ela, Danielle, era uma moça com uma vida aparentemente controlada, a família a amava e respeitava, era casada com uma pessoa muito importante no meio parisiense, tinha filhos.

Mas seus olhos diziam algo mais profundo, algo mais secreto, algo mais íntimo, algo guardado a sete chaves.

Depois de passar momentos muito agradáveis com Danielle, Marcelo despediu-se, mas antes, prometeram que se corresponderiam à moda antiga: trocado cartas! Claro que os olhos da moça se encheram, afinal de contas estava ela prestes a manter contato com o escritor que admirava por demais e sentia nele que poderia, de fato, ter alguém com quem contar e para quem contar seus mais profundos segredos, até então escondidos e sufocados.

Marcelo, por sua vez, ficara encantado por Danielle. Enxergava nela o que de mais lindo poderia existir em Paris, tudo aquilo que dava charme à cidade, algo para se guardar como lembrança para sempre e se usar como modo de descrever os melhores momentos de uma viagem inesquecível, algo que para sempre estaria gravado na memória e que seria lembrado e contado. Via naquela acanhada moça uma pessoa que valeria a pena ter do lado pelo resto da vida, uma companheira de longas conversas, aquela amizade descompromissada... ele, de fato sentia falta disso. Danielle era assim, aparecera de repente e fizera toda a diferença.

No dia seguinte Marcelo voltou ao Brasil, mas com Danielle ainda na cabeça. Decidiu então mandar a primeira carta, explicando a satisfação em conhecê-la. Pensou em algo muito simples, nada muito rebuscado ou longo, apenas para que começassem a se comunicar:

Querida Danielle, como primeira correspondência eu gostaria apenas de dizer que foi um enorme prazer conhece-la e, mais ainda, poder descobrir sua amizade. Mas o melhor de tudo isso foi poder saber que eu ainda vou descobrir o que seus olhos realmente querem dizer a seu respeito! Com carinho, Marcelo”

Apesar de saber que seria um abuso dirigir-se a ela daquela maneira, Marcelo estava ávido por saber o que Danielle sentia realmente, o que ela escondia e por qual razão ela o olhava daquele jeito que ele não sabia explicar.

Pois, naquele mesmo dia, postou a carta e, por algumas semanas esperou ansiosamente a resposta. Quando já estava pensando que sua curiosidade o havia traído, eis que chega a tão esperada resposta:

Querido Marcelo, gostaria muito de te dizer o que realmente meus olhos traidores puderam denunciar, mas tenho um medo lancinante de que não nos falemos mais, caso eu revele. Não sei o que você pensaria de mim, qual imagem faria a meu respeito e, por essa razão, prefiro castigar meus olhos reveladores a entregar minhas aflições. Com carinho, D.N.”

A curta resposta de Danielle só serviu para deixar Marcelo mais intrigado a ponto de, naquele mesmo momento responder a carta de Danielle da forma mais curta e direta possível:

O que pode ser tão grave que me afastaria de uma pessoa que está do outro lado do mundo? Ou será que você está fazendo uma imagem errada a meu respeito?”

Dessa forma, curta e direta, Marcelo tencionava descobrir o que a menina escondia por trás daquele sorriso meio acanhado. Não que isso pudesse, de fato, mudar a relação dos dois, até porque a amizade já estava consolidada naquela altura do campeonato, mas ele queria saber mais, queria poder ajudar caso fosse algo sufocante demais para se aguentar sozinho.

Teve de conter a curiosidade e a aflição, já que, passados quase dois meses não obtivera a resposta. Já imaginara mil coisas, que teria se excedido na curiosidade e a moça havia se sentido meio que embaraçada com tais perguntas. Quando se dispusera a escrever-lhe nova carta, eis que o carteiro deixava a correspondência que ele tanto esperava. Um pouco mais longa, Danielle explicava um pouco de suas aflições:

“Querido Marcelo: de fato meus olhos me traíram aquele dia e deixaram escapar uma Danielle que nem todo mundo, ou melhor, que ninguém conhece... por detrás dessa pessoa bem esclarecida, com um casamento estável, com um marido importante no meio parisiense existe uma mulher que constantemente entra em conflito consigo mesma! Que consegue gostar de uma pessoa que nunca terá e que sente culpa por sentir. Culpa por sentir que está traindo o homem que lhe dera toda a segurança, que fora seu companheiro a vida toda, que lhe dera uma família, um lar, que estivera ao seu lado nos melhores e piores momentos da sua vida, que era amoroso, carinhoso. Não consegue olhar para ele sem sentir culpa e, ao mesmo tempo, sente queimar dentro de si uma chama que só cresce, só faz aumentar por esse amor impossível. Essa meu amigo, é a Danielle que estes olhos traidores revelaram. A Danielle ingrata que merece mais se esconder a revelar o que realmente a aflige. Agora, caso isso seja um empecilho para você, se entender que eu seja uma pessoa ruim, que não mereça a sua amizade, eu entenderei se você não quiser mais falar comigo. Sinto-me a pior das pessoas agindo dessa forma, mas você precisava saber que eu estou em constante conflito comigo mesma e sinto-me mal por conta disso. Não consigo dormir direito, comer direito, mal consigo trabalhar por conta desse sentimento. A culpa me consome meu amigo e essa culpa vem lado a lado com a certeza desse desejo impossível de se realizar. Você deve pensar que eu sou uma maluca apaixonada de histórias impossíveis. Entenderei qualquer atitude sua, muito embora sentiria imensamente sua falta. Com carinho, D.N.”

Ainda meio atônito, Marcelo esperou um momento antes de pensar o que achava de tudo aquilo. Depois de ler uma três vezes aquela missiva, pensou consigo mesmo: As pessoas estão acostumadas a enxergar sempre o que está por fora, a vida da pessoa e o “quão agradecida” ela deve ser por tudo o que tem e o que conquistou, sem se preocupar com o que ela pensa ou sente na verdade. Estamos acostumados com o que é bonito para os olhos, com o que é prudente, com o que é estável. Não queremos, ou menor, não nos interessamos com as aflições do mundo. Apenas com o que é moral e ético, não com o que é bom, prazeroso ou que nos leva à felicidade. A felicidade alheia não importa muito, só o que os olhos enxergam. No fundo Danielle também pensava assim, só não havia aceitado isso ainda. Ao esconder isso tanto tempo, por medo do que algumas pessoas poderiam pensar ou o que ela mesma pensava disso, ela vinha amargando a mais remota solidão e sendo sufocada a cada dia mais. Ela própria aceitava essa posição de “pária”, de culpada, sendo que isso nada tinha a ver com culpa ou vergonha. Apenas um sentimento que qualquer um pode sentir, passível de acontecer com qualquer casamento, por melhor que seja. O mundo muda constantemente e assim também são as pessoas. O cansaço aparece para todos. A relação humana é difícil mesmo e todo dia fazemos um exercício de superação e de pesagem de prós e contras, talvez fosse isso que faltasse a Danielle. A “tal balança da verdade”.

Após escrever-lhe todas essas palavras, Marcelo arrematou a carta dizendo:

É assim que penso a respeito, agora não sei dizer de onde você tirou a idéia de que eu poderia me afastar de você por conta disso? Pelo contrário! Quero saber mais sobre essa pessoa tão especial que te fez sentir desse jeito! Nem preciso te dizer que esse será um segredo nosso, que guardarei como se minha vida dependesse disso. Com carinho, M.”

E assim Marcelo encerrou sua carta, mas se enganara em um aspecto: pensara que, com essas palavras, que de fato era muito sinceras, Danielle se empolgaria e responderia mais rápido suas cartas, que teria finalmente conquistado sua confiança. Mas a sua aflição aumentou quando, após quase cinco meses não obteve resposta.

Decidira, então, não procura-la mais. Pensara que havia perdido de vez aquela menina doce que encontrara na mais charmosa das cidades. Preparava-se para aceitar essa idéia.

E mais uma vez, seguiu sua vida! Levantou-se, tomou seu banho matinal, seu café da manhã e saiu em direção à editora onde publicava seus livros, quando, ao checar a caixa de correio percebeu que havia uma carta de Danielle, que acabara de ser entregue. Ali, tudo estava explicado, o preto no branco, a aflição e as noites mal dormidas, a falta de apetite e a culpa que sentia.

Tudo fazia sentido! E Marcelo, sentado na guia, tamanha a surpresa, leu em voz alta essas palavras:

Querido Marcelo: você não sabe a alegria que sinto e perceber que você realmente se mostrou um amigo fiel, o mais fiel de todos. De fato é difícil demais lidar com toda essa situação sozinha. Eu mesma achei que estava ficando louca e me julguei, como ainda me julgo, por tudo o que sinto. Eu realmente me acho a pior das pessoas, inobstante tudo o que você tenha me dito. Na verdade, saber que posso contar com você é o maior presente que eu poderia receber. Portanto, a minha falta de sono, minha falta de apetite, minha falta de concentração são por sua causa Marcelo. Sempre te observei à distância e sempre nutri um carinho muito grande por você, muito embora você mal soubesse da minha existência. Mas esse carinho transformou-se em um desejo muito forte, quase incontrolável que eu guardei comigo por muito tempo. Mas eu não acho justo que o objeto desse desejo fique sem saber o que está acontecendo. Em contrapartida eu sei que esse é um desejo impossível de se concretizar. Sei que você tem sua vida e eu não quero interferir em nada. Mas a cada livro seu, a cada história nova eu percebia o quanto queria ter você a meu lado. Mas infelizmente, além de não poder realizar esse desejo, ainda deixei que meus olhos me traíssem naquele cyber café aquele dia. De fato eu tenho uma vida maravilhosa, estável, mas não consigo parar de pensar em você e na falta que você faria caso eu perdesse você de vista. Esse é meu maior medo. Não quero ser mais um problema para você. Você não merece. Deve estar pensando que eu sou uma maluca apaixonada nesse momento e, eu posso ter colocado tudo o que construímos a perder, mas você precisava saber disso. Há tempos venho lhe acompanhado a distância nutrindo uma admiração que só aumentou com o tempo. Com carinho, D.N.”

Marcelo, apesar de meio atônito, não poderia dizer que estava surpreso. Afinal de contas já perceber a ternura no olhar daquela moça, mas achava que tudo não passava de uma admiração pelos livros que publicara, pelas palavras que escrevera. Mas não poderia imaginar que a admiração superasse tudo isso!

E gostava de Danielle. Mas queria poder gostar mais! Queria que menos fossem os impedimentos, menos fossem os problemas para retribuir toda essa admiração e carinho expressos por ela ao longo dessa carta. Queria ter uma vida mais fácil, com menos problemas para fazer dela uma mulher feliz, dar-lhe o carinho que merecesse.

Mas a vida prega peças na gente às vezes. As coisas aparecem como um furacão na nossa vida quando estamos apenas com um guarda chuva no meio de uma estrada e, dependendo da atitude que a gente toma (ou corre ou enfrenta a tormenta), a gente põe tudo a perder.

Danielle era uma mulher fascinante, apaixonante. Mas fatalmente se perderia como a brisa de um dia ensolarado caso desse errado. Queria Marcelo ser o mais correto com Danielle e mantê-la do seu lado pelo resto da sua vida, muito embora ela talvez não entendesse esse seu ponto de vista.

Marcelo sentia vontade de falar com ela todos os dias, contar de sua vida, de seus amores (muito embora soubesse que isso não seria possível) e ouvir sobre os seus. Era aquele tipo de pessoa pela qual enfrentaria exércitos para, apenas, poder ver o sorriso. E seu sorriso ela valioso demais para se perder em meio a um eventual relacionamento mal resolvido. As marcas seriam indeléveis nos corações dos dois. E o amor por Danielle era maior que isso tudo. Isso mesmo, nessa altura do campeonato percebera que amava Danielle. Talvez não do jeito que ele quisesse ou merecesse, mas um amor forte o suficiente para fazer valer a pena cada momento ao seu lado, ainda que como um amigo, confidente. Talvez encontrara, ali, o amor verdadeiro. Aquele que não mede esforços para colher um sorriso apenas, uma tarde de conversa, um “bom dia”. Seria essa a essência do amor que todos dizem?

Não sabia.

Mas tinha certeza que esse amor, ainda que fraternal, era o mais puro que sentia em anos! Um amor descompromissado e que nada tem a cobrar.

Mas com esse amor, recém descoberto, vinha o pesar. O pesar de saber que, assim como Danielle não seria correspondida em seu amor, ele também poderia não ser nesse seu amor fraterno.

E ali, sozinho, por um tempo refletiu e escreveu essas palavras a ela. Omitiu apenas o pesar de não ser correspondido, mas manifestou o pesas por não poder correspondê-la, não da maneira que gostaria ou que ela mereceria.

O final dessa história? Ah, meu caro leitor, deixo a cargo de você o que pensar. Muitos gostariam que Marcelo fosse correndo até Danielle, talvez até o próprio Marcelo assim quisesse. Outros concordariam com ele e prefeririam manter uma pessoa perto pelo resto da vida (o que poderia ser um grande exercício de egoísmo, dependendo do ângulo pelo qual se enxerga tudo isso).

Mas a grande lição que eu (Leandro) tirei dessa história (puramente fictícia) é que o verdadeiro amor não é previamente fabricado com uma fórmula preestabelecida. Pelo contrário, ele vem bruto, como um bloco de argila e a gente vai moldando até que ele fique do jeito que a gente quer com os “ingredientes” que a gente quer. Ele chega sem avisar, cai no colo da gente e dele a gente não consegue fugir.

Cabe a nós fazermos dele uma coisa inesquecível ou algo que nos arrependamos piamente, cada dia de nossa vida.

Não irei escrever aqui a resposta de Danielle ou como ficou o relacionamento de Marcelo com a sua mais célebre leitora, mas apenas fiquem com essas últimas palavras e façam a vocês essa pergunta: será que eu já me deparei com esse amor verdadeiro alguma vez?

6 comentários:

  1. O final dessa história ainda parece distante.
    É uma linda e comovente história de amor, que parece ter virado de cabeça pra baixo a vida de duas pessoas tão diferentes e tão semelhantes.
    Que o amor, seja de qual tipo for, prevaleça e que ambos possam crescer com a experiência.
    Parabéns pelo texto!
    E.O.

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    1. Querido(a) E.O.
      Obrigado pelas palavras e por ser assiduo(a) seguidor(a) do blog. Esse é um espaço nosso! Realmente o final da história parece bem distante, mas eu deixo para cada um dar seu próprio final para ela! Dê você também o seu, caro(a) amigo(a)!

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  2. Mexeu comigo... já estive nesse terreno. E como dói, só Deus sabe o quanto!

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    1. Caro(a) amigo(a).
      Todos nós já estivemos nesse terreno,s ei como dói tb. Não só para quem está na posição de Danielle, mas também na posição oposta pois não é fácil dizer não a uma promissora história de amor. Às vezes a razão faz com que percamos o que de melhor pode acontecer, às vezes não. Mas se a gente soubesse de antemão, que graça teria a vida né? Grande abraço e uma pena não ter deixado o nome.

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  3. Gostei muito, me identifiquei!!!

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    1. Caro(a) Amigo(a).
      Fico feliz que tenha gostado do texto! Isso me anima cada vez mais a seguir tecendo palavras!
      Abraços

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