quinta-feira, 14 de abril de 2016


ELA NÃO VAI MAIS VOLTAR

 

 

 

 

Hoje seria nosso aniversário de casamento. Digo que seria, pois há cinco anos não tenho mais notícias dela. Partiu sem deixar qualquer indicio de que voltaria ou de que teria ido de vez. As coisas ainda estão no lugar, as roupas, os livros, os óculos que ela odiava usar.

Eu ainda conseguia sentir o cheiro do seu perfume como no dia em que nos conhecemos. Sentia falta dela.

Não consigo dormir direito desde aquele dia e nem os remédios tem ajudado. Acordo no meio da noite pensando no motivo que a fez ir embora de casa sem aviso, sem dar algum motivo.

Estaria disposto a aceitar qualquer justificativa, plausível ou não. Seria mais fácil e consequentemente eu teria um pouco de paz na minha vida. Mas não. Ela deixou comigo apenas a ausência e a lembrança. Um buraco que fica maior a cada dia, alimentando-se da incerteza e da esperança de voltar a vê-la.

Ainda me lembro do fatídico dia em que ela disse que faria uma viagem a contragosto. Mal nos falamos aquele dia. Ela estava apreensiva, parecia não querer sair de casa. Aparentava cansaço, insatisfação.

Aquele comportamento já durava algumas semanas e eu não entendia por qual razão. Eu sei muito bem que não fui o marido que ela sempre mereceu. Tive minhas falhas, mas eu merecia ao menos uma explicação ou, ainda, um “estou indo embora, pois não estou feliz com você”.

Durante o primeiro ano eu procurei me conformar das maneiras que encontrava, ainda sem aceitar que tudo tinha acabado de forma inexplicável. Tentei seguir de cabeça erguida, viver minha vida e entender que, se ela partiu é porque não me queria mais.

Mas ela era o amor da minha vida, a mulher que trouxe de volta a fé no amor, que eu havia perdido há muito tempo. Da mesma forma que nos conhecemos por acaso, tudo acabou sem muita explicação.

Apenas acabou. Ela se foi e eu tive que aprender a lidar com a falta daquilo que mais me fazia feliz. Sua presença me acalmava e, por pior que eu estivesse, seu sorriso me confortava.

Só que ela não estava mais ali e eu não sabia o motivo.

Eu precisava saber. Precisava ouvir da boca dela que eu fui um lixo a vida toda ou que ela simplesmente tinha se cansado de mim, ou, ainda, tivesse se apaixonado por outra pessoa. Eu saberia lidar com esse sentimento e teria seguido em frente há muito tempo.

Respostas que eu não tenho.

No segundo ano, em nome de todo o amor que eu jamais deixei de sentir por ela, abandonei tudo e passei a procura-la pelos lugares onde eu sei que ela era ou foi feliz. Caminhos que sempre fizeram com que seus olhos brilhassem ao menos por um momento.

Desde então essa tem sido a minha rotina, procura-la incessantemente para dizer mais uma vez “você foi e ainda é o grande amor da minha vida e caso não queira voltar, siga sua seu caminho sabendo apenas que ninguém nesse mundo te amará como eu amo.”

Eu estava decidido e para tanto abandonei a vida pacata que levava e me lancei no mundo atrás dela. Vendi minhas posses e caí no mundo. Nada mais importava, apenas poder ver, ainda que só mais uma vez, seu sorriso, poder ouvir sua voz e seus olhos fitando os meus. Só mais uma vez. Era só o que eu precisava. Uma única vez. Nada mais.

Visitei países, lugares, cidades. Conversei com pessoas, procurei autoridades. Em vão. Em um dado momento os recursos foram acabando e eu tive que me virar dormindo em albergues e muitas vezes até no relento. Eu não me importava com nada daquilo, desde que pudesse encontrá-la.

Ninguém sabia dela. Nenhuma noticia. Nada.

Em uma das vezes, dormindo em uma calçada qualquer não consegui conter as lagrimas. Fazia frio. Ameaçava chover e tudo o que eu tinha era uma velha e suja marquise para me abrigar e um trapo gigante que usava como cobertor. Era uma situação difícil e eu sabia que a tendência seria piorar, pois minha jornada parecia longe de acabar. Porém, eu não sabia onde ela estava, o que estaria fazendo, se estaria na mesma situação, com frio, fome, triste, sozinha.

  No terceiro para o quarto ano, ainda procurando, desisti de mim. Entreguei-me a um estado calamitoso. Não mais tomava banho, não fazia mais a barba. Tudo o que eu conseguia era pensar nela e em mais nada. Ficava dias sem comer e até esquecia de me alimentar, lembrando muitas vezes quando acordava depois de desmaiar de fome.

Cheguei a tal ponto que indagava as mesmas pessoas várias vezes, tomado pelo desespero e pela aflição de não ter noticias dela há tanto tempo. Certa vez uma pessoa fez o seguinte questionamento: “por qual razão você insiste tanto em uma mulher que te abandonou? Que não tem notícias? Não percebe que caso fosse de sua vontade ela estaria ao seu lado?”

Eu respondi: “Você sabe o que é encontrar aquele amor que traz a tranquilidade que nenhum outro conseguiu trazer? O amor simples, maduro e sem cobranças? Amor por si só, sem esperar nada em troca? Não sabe. Então jamais saberá a dimensão do meu sofrimento”.

Passados todos esses anos eu continuo a procurar, mas aquele fio de esperança parece cada vez menos firme. Mas ainda existe. No fundo eu sei que de alguma forma nós acabaremos por nos encontrar em algum lugar e eu então poderei dizer o quanto esses anos foram difíceis sem ela.

- Papai, a mamãe não vai mais voltar – interrompeu a voz doce de uma jovem que, com um olhar triste e ao mesmo tempo reconfortante, olhava-me de volta. Colocou a mão sobre meu ombro e prosseguiu:

- A mamãe faleceu em um acidente de avião, naquela viagem a trabalho, que ela vivia dizendo que não queria ir. Todos sofremos papai. Mas o senhor ao saber da notícia entrou em profundo desespero e pulou da sacada... quase perdemos o senhor também no mesmo dia.

E me mostrando todos os jornais da época, a lista de vitimas e a foto dela eu pude me convencer que toda minha busca havia sido em vão.

- Então – disse eu – você é... minha filha? Então... ela não vai mais voltar? Mas e todas essas lembranças? E todo esse tempo que eu procurei?

Nesse momento uma voz forte e grave cortou o silencio que minhas questões causaram dizendo:

- Eu explico – percebi nesse momento um senhor alto, de jaleco branco sentando-se ao lado de mim no que parecia um banco em um jardim que até então eu não tinha reparado – O senhor sofreu uma grave lesão cerebral ao cair da sacada. Com a queda sua cabeça acabou se chocando com a sacada debaixo, ocasionando perda de massa encefálica. Em consequência disso a parte do cérebro responsável pela memoria foi afetada irreversivelmente e, por essa razão o senhor não se lembra de nada sobre o acidente. Porém, a gravidade foi tamanha que algumas outras situações foram “apagadas”, como a existência de sua filha por exemplo. Nada do que o senhor relatou existiu de verdade. Os lugares, as pessoas, a dificuldade, a marquise, o cobertor, a chuva. Tudo isso não passa de uma invenção da sua mente. O senhor está aqui há cinco anos sendo cuidado por nossa equipe e como o senhor pode perceber estamos em um hospital psiquiátrico especializado em casos como esse onde podemos dar uma maior assistência e conforto aos pacientes. Por mais que não tenha consciência eu posso dizer que estamos cuidando muito bem do senhor.

Parei por um instante e olhei aquela jovem que estava do meu lado:

- Você é a cara da sua mãe. No fim das contas eu sabia que iria encontra-la, ainda que vivendo apenas em um olhar.

- Ela te amava demais papai, vivia dizendo isso para todos – disse a filha – Foi um marido maravilhoso e um pai exemplar enquanto teve condições.

De certa forma eu me senti reconfortado naquele momento. Porém, por pouco tempo, pois tudo o que eu havia vivido até então não passava de uma mentira, de algo inútil, uma busca sem resultados e nem poderia ter! Ela não vai mais voltar!

- Acalme-se papai, ainda há mais a dizer. O Dr. Precisa contar algo importante – disse minha filha tentando acalmar meu descontrole ao perceber que eu jamais veria o amor da minha vida.

- Sim, eu preciso contar algo difícil e preciso que o senhor esteja preparado – disse-me o médico – A lesão cerebral permite que o senhor tenha pequenos momentos de sanidade que duram em média uma semana, às vezes até menos. Isso quer dizer que daqui uma semana o senhor esquecerá toda essa conversa e voltará a pensar que está procurando por sua falecida esposa. Não se lembrará mais da sua filha, muito embora ela venha lhe fazer visitas constantes. O que posso garantir é que o senhor está muito bem cuidado aqui e eu pessoalmente tratarei para que assim continue.

- Então minha filha eu não lembrarei mais de você daqui a alguns dias? Perdão por todo esse sofrimento que eu venho causando mesmo depois da morte da sua mãe. – eu disse

- Papai eu estarei sempre ao seu lado! Por mais que o senhor não me reconheça eu estarei aqui, não sairei do seu lado! O senhor jamais estará sozinho! Terá a mim pelo resto da vida e enquanto eu tiver forças estarei aqui, segurando sua mão quando tivermos, mais uma vez, que te dar essa triste noticia. – disse minha filha, segurando minha cabeça contra seu peito.

Por mais que toda aquela situação tenha me destruído por dentro, por mais que as lagrimas da minha filha estivessem cortando meu coração, por mais que eu soubesse que não me lembraria do rosto dela e que daqui alguns dias seria mais um maluco internado naquele lugar, falando coisas desconexas e sem o menor cabimento, no fundo eu estava feliz.

Sim, feliz!

Pois eu sabia que daqui a uma semana, mais uma vez, ela estaria viva na minha cabeça e a esperança por encontrar o grande amor da minha vida estaria de volta no meu coração. Na minha mente devastada estaria a ideia de que eu me lancei ao mundo para encontrar meu único amor.

Esse sentimento venceu a morte, a loucura, a tristeza, a dor. E mesmo que fosse uma mentira, ao menos na minha cabeça ela continuaria viva e nosso amor jamais se apagaria.

domingo, 10 de abril de 2016


AMOR E PERFEIÇÃO

 

 

As semanas que antecederam a escrita desse texto não foram fáceis e há uma forte probabilidade de a que entra também não ser.

Em função disso venho mergulhando em pensamentos e discussões subconscientes que me obrigam a refletir sobre vários setores da minha vida.

Já disse isso em situações anteriores e repito nesse momento: sou uma pessoa extremamente musical e acredito cegamente que, quando Nietzsche disse: “a vida sem música seria um erro” ele estava coberto da mais irrefutável razão.

Eu disse isso basicamente para ilustrar como vem sendo meus momentos de “bad” e reflexão. Peter Gabriel disse em sua Musica “In Your eyes” que: “quando eu quero fugir eu pego meu carro e saio dirigindo”. Obviamente eu parafraseei, mas apenas para que vocês consigam visualizar essa situação.

Tenho dirigido muito. Sem rumo. Apenas para ouvir musica e pensar um pouco na vida. Um dia desses, eu estava em alguma altura da Avenida dos Bandeirantes quando de repente Renato Russo grita nos autofalantes do carro:

“Tentando pintar essas flores como o nome de amor-perfeito e não-te-esqueças-de-mim”

Definitivamente eu não sou a pessoa mais adequada para dissertar sobre o amor. Definitivamente.

Durante muito tempo eu neguei veementemente a existência desse sentimento chamado “amor”. Tive meus motivos, os quais obviamente não vem ao caso.

Mas, se eu já repelia a existência do amor, o que se diria sobre o “amor perfeito”? Não é possível atribuir perfeição a algo inexistente, concordam?

Porém, na volta daquela viagem psicodélica pelas avenidas de São Paulo eu refleti muito sobre esse assunto.

Em primeiro lugar não posso, evidentemente, negar a existência do amor, pois eu cheguei à conclusão que ele de fato existe. Mas o amor perfeito ainda me deixava um pouco receoso.

Pensei em diversas situações que podem despertar um sentimento inexplicavelmente bom em quem as experimentam, apesar de bobas e de certa forma pueris, mas que não podem significar outra coisa que não seja isso que todos chamam de amor.

Exemplifico: Aquela ansiedade por pegar o celular de cinco em cinco minutos para saber se chegou aquela mensagem; o coração acelerado ao, após enviar aquela mensagem “cheguei” vir a resposta “estou descendo” ou “já estou te esperando”.

Pegar o celular de madrugada e ficar revendo as fotos do “sorriso” e do “olhar” e sorrir de volta como se a pessoa estivesse cara a cara conosco. Perceber características que a pessoa achava que não tinha, descobri-las e se apaixonar mais ainda após conhecer esse lado que até então estava escondido. Sentir aquele arrepio toda vez que ouve a voz da pessoa.

Não consigo encontrar outra palavra para definir tudo isso que não seja amor. Mas ainda não posso chamar isso de “amor perfeito”.

Amor e perfeição são coisas - em um primeiro momento - diferentes, mas que podem vir a se completar. Ou se repelir.

Muitos confundem “amor eterno” com “amor perfeito”. Um engano muito comum, se pararmos para pensar.

Pois o amor não demanda um longo período de existência. Podemos amar intensamente em um curto espaço de tempo e nem por isso esse amor deixa a desejar em relação a essa “eternidade” de sentimento. Pode ser mais intenso e mais avassalador? Sim, pode. Mas nem por isso é perfeito.

“Amor perfeito” não é aquele onde “não se espera nada em troca”. Podemos amar sem esperar retribuição ou esperar algo de volta. Não se pode limitar ou restringir as maneiras de amar. Amor é amor e só. Não existe uma fórmula para o amor. Ele apenas acontece! Mas podemos fazer com que esses momentos sejam perfeitos e essa é a diferença dos amores que constroem e daqueles que levam um pedaço de nós quando vão embora.

A perfeição, por sua vez, está ligada a todo esse sentimento na medida em que, perfeito é ter a capacidade de amar. Não um tipo de amor específico, mas ter o poder de avistar a pessoa vir em sua direção e quase ter uma parada cardiorrespiratória, sentir as mãos suando e o estomago revirando.

Poder sentir isso é o que nos torna perfeitos meus amigos. A capacidade de amar faz com que sejamos perfeitos. Perfeição é dedicar todas suas forças àquele amor, àquela pessoa e conseguir sentir um prazer inenarrável. Sentir-se bem com o sorriso do outro.

Perfeição é, mesmo em meio ao silencio, lembrar daquela pessoa, onde quer que esteja, o que quer que esteja fazendo, mesmo que ausente há tempos. É demonstrar que mesmo longe, estará sempre “ali” na distancia de uma mensagem de texto. Lembrar dos momentos bons e sorrir por ter a capacidade de amar.

Perfeição é deixar que o amor nos faça sorrir mesmo quando o coração está em pedaços, apenas para que a pessoa continue sorrindo.

Eu arriscaria dizer, finalmente, que se for possível existir um “amor perfeito”, podemos defini-lo como aquele que consegue fazer com que nos sintamos pessoas melhores em função desse sentimento. Que muda nossa vida para sempre e que devolve a juventude que o tempo leva embora diariamente, independente de algum sentimento em troca.

A grande dadiva do universo está nisso: amar aquele amor que traz a perfeição que muda nossa forma de enxergar o mundo em volta e que carrega com ela as cores que ficaram perdidas pelo caminho.

Isso é amar. Isso é ser perfeito.

quarta-feira, 6 de abril de 2016


CONFRARIA DOS ILUMINADOS

 

 

 

Vidas começam e terminam todos os dias. Umas mais brevemente do que outras, mas o ciclo sempre chega ao fim. As circunstancias em que uma pessoa deixa de existir ainda estão além da compreensão do mais cético dos seres humanos.  

O que vocês estão prestes a ler é o relato sórdido de uma morte sem culpados. Ao menos aparentes. Pois toda morte que não seja natural, é ocasionada por alguém.

Conheçam o jovem Fernando, 19 anos, que acabou de ingressar na faculdade de direito carregando consigo o sonho de se tornar Juiz. Prodígio, desde sempre procurou adquirir o máximo de conhecimento que a mente humana fosse capaz de absorver.

Tinha poucos amigos e, já na primeira semana de aula conheceu o oposto de sua personalidade quando Pedro, atrasado, entrou na sala de aula.

Pouco compromissado com regras, Pedro era totalmente diferente de Fernando. Desregrado, pouco estudava e vivia às custas dos colegas para entender o suficiente e ir bem nas provas, quase sempre surpresas para ele mesmo que nunca tinha em mãos o calendário passado pelos professores.

- Tem alguém sentado aqui? – perguntou Pedro a Fernando, já com a aula em andamento.

- Não. – disse o monossilábico Fernando que só queria prestar atenção naquela “maravilhosa” aula de teoria geral do estado que acabara de começar.

A aula por si só já era maçante. O professor, por sua vez, deixava tudo mais difícil. Era daqueles homens de meia idade que parecia ter estacionado nos anos 20: gravata borboleta e suspensório eram seu uniforme e as aulas, carregadas de teoria, se arrastavam até que soasse o sinal do intervalo.

E saiam correndo como se fugissem de um abatedouro, rumo à lanchonete. Naquele momento havia começado uma amizade que durou a vida toda.

Pedro aproximou-se de Fernando e, com um jeito despojado que chamou a atenção disse:

- Porra “véio”, aula chata do Caralho! O professor parece o boneco assassino.

Fernando sorriu. Apesar de não estar acostumado com aquele tipo de linguajar sentia-se a vontade pela primeira vez naquele universo onde acabara de pisar. Tudo era novo e sabia que precisava de amigos, não era possível sobreviver sozinho naquela selva. Foi então que percebeu que entre os livros que Pedro carregava estava um exemplar d´O Iluminado de Stephen King. Fernando era simplesmente apaixonado por contos e estórias de suspense, tendo no mestre King sua referencia mais forte.

- "Tudo bem mamãe, eu sei o que é canibalismo, eu já vi isso na tv."  - disse Fernando com um sorriso entreaberto.

- Vai se foder moleque! Você conhece essa porra também???? Mano! Jamais imaginei que ia achar um fã dessas merdas por aqui! – respondeu Pedro extasiado por ter encontrado um amigo que compartilhasse com ele o amor pelo suspense e pelo terror.

Naquele momento nascia a “Confraria dos Iluminados”, um grupo de alunos daquela faculdade de direito que se reuniam todos os sábados para discutir as obras de Stephen King. Cada um era responsável por um conto, livro ou estória. Liam e discutiam arduamente até perderem a hora de ir para casa.

Fernando incumbiu-se da “Janela Secreta”, um dos contos mais psicologicamente perturbadores que já foi feito. Era seu preferido.

Depois revezavam até que todos tivessem lido tudo o que já foi produzido pelo mestre King.

E assim passaram os anos, tendo os jovens garotos aquela válvula de escape que os fez sobreviver aos árduos dias de acadêmicos naquela faculdade.

Após a graduação, muito embora cada um tivesse seguido sua carreira, sempre arranjavam um tempo para a reunião da Confraria que sempre rediscutia a obra de Stephen King.

O tempo foi passando e Fernando, após muito sacrifício, dedicação e estudo árduo, foi aprovado no concurso para Juiz de Direito do Estado de São Paulo, sendo enviado para uma cidade do interior, onde, no seu primeiro dia a frente de uma Vara Criminal, conheceu a Promotora de Justiça Cintia, que atuava naquele Fórum.

Naquele exato momento soube que estava apaixonado, mas não deixou que ela percebesse, afinal de contas acabara de ingressar na carreira e ainda tinham o fator complicador de trabalhar no mesmo ambiente.

Não lhe parecia a coisa mais correta a fazer.

Porém, o destino sacana como sempre, fez com que Fernando substituísse o juiz da Vara onde Cintia atuava e, entre uma audiência e outra, começaram a conversar aquela conversa que se arrasta da sala de audiência para o corredor do fórum, do corredor para o café, do café para o cinema e do cinema para o altar.

Pois, após dois anos trabalhando na mesma comarca, após dois anos de conversa entre as audiências, após dois anos de corredor e café, após dois anos de cinema e encontros, Fernando e Cintia se casaram.

 Apesar da vida corrida e do matrimônio, Fernando ainda mantinha comparecimento assíduo à Confraria, muito embora Pedro tivesse seguido caminhos que nenhum deles conhecia e não sabiam ao certo onde o teriam levado. Entre os membros atuais, além de Fernando, estavam Fabio, Jefferson e Luiz, Juízes de Direito, Roberto e Marcelo, Defensores Públicos e Vinicius, Procurador do Estado. Com três pontos em comum: O amor pelas obras de Stephen King, a formação em direito e o fato de serem alunos da mesma faculdade.

Ao abrirem a reunião, como sempre faziam, Fabio pediu a palavra dizendo que teriam naquele dia o ingresso de um novo membro, delegado de policia que tinha chegado recentemente à região.

Fernando percebeu que sentado em uma mesa que eles chamavam de “Torre Negra” – onde a luz que iluminava o restante da sala não alcançava – estava um homem, com o rosto coberto pela escuridão. Cigarro aceso e roupas pouco asseadas.

 Ao acenderem a luz Fernando pode perceber algo que jamais imaginaria: tratava-se de Pedro que tinha sido aprovado recentemente no concurso para delegado de Polícia e lá estava novamente em companhia dos amigos.

Deixaram a análise das “escrituras sagradas” de lado um momento, pois todos queriam saber as novidades e como havia sido a vida de Pedro até então. E assim foi feito. Ao final do encontro Pedro diz a Fernando:

- Cara to muito feliz em te ver. Ver que você está bem e que alcançou seu grande sonho. Conheceu uma mulher bacana e está casado hoje! Eu te invejo, pois jamais consegui fixar raízes em lugar algum e talvez agora como delegado eu consiga. Eu quero que você me desculpe por não ter conseguido vir ao seu casamento. Realmente eu queria, mas estava em fase de exames orais na polícia e não tive como. Mas me conta sobre a Cintia? Como ela é?

- Ela é maravilhosa. Eu não poderia escolher uma mulher mais perfeita para estar ao meu lado. Estamos “grávidos”. Nossa filha Letícia nasce no próximo mês. Estou feliz como nunca estive na vida: tenho a carreira perfeita, a família perfeita e agora meu melhor amigo por perto! – disse Fernando emocionado ao encontrar Pedro.

E o mais “novo” membro da Confraria acabou por fixar raízes mesmo naquela região o que deu às reuniões o ar agradável de outrora.

Dois anos se passaram. Letícia estava crescendo e tudo corria na sagrada normalidade que havia se instalado na vida de Fernando, até que um dia, o agente de segurança interrompe uma audiência presidida por ele dizendo:

- Excelência, desculpe interromper, mas precisamos conversar com o senhor. É extremamente importante e urgente.

Pedindo licença aos advogados e partes que estavam na audiência Fernando saiu da sala e viu os demais Juízes e Promotores na porta da sala onde Cintia trabalhava. Correu até lá e deparou-se com Jefferson e Luiz (que também eram juízes naquela comarca) já o esperando e levando para a sala de um deles.

- Fernando não sabemos como dizer isso mas... – Fabio engolindo seco é interrompido por Jefferson:

- Não há uma forma fácil de dizer isso. O carro da Cintia foi encontrado em um matagal todo sujo de sangue. Ela não estava dentro. Não se sabe o paradeiro dela até o momento e a polícia acha que isso aconteceu em questão de algumas horas, antes mesmo dela conseguir chegar ao fórum.

Passava das três da tarde e, efetivamente, Fernando não tivera noticias de Cintia até então. Foram correndo para o local e lá encontraram Pedro que acompanhava as investigações e veio até eles dizendo ao marido:

- Cara, antes mesmo de você chegar até lá eu preciso que você me diga uma coisa: você tem condições? O que você está prestes a ver talvez seja uma cena que jamais saia da sua cabeça. – disse Pedro.

Fernando, por sua vez, ainda atordoado, tirou o amigo delegado da frente e dirigiu-se até o carro. O que viu naquele local foi algo que permaneceu encrustado na memória de todos durante muitos anos. Sangue para todos os lados. Os bancos haviam mudado de cor após serem banhados por aquela cascata vermelha. Um cheiro horrendo de morte emanava daquele veículo que já estava abandonado havia algumas horas, debaixo daquele sol. Tamanha era a quantidade de sangue que ainda era possível sentir a umidade que tomou conta dos bancos.

A polícia, ainda sem saber muito sobre o paradeiro da vitima, coletou o sangue para comparar as amostras de DNA e poder excluir a hipótese do sangue ser mesmo de Cintia.

Não se sabia muito sobre o crime. Apenas que o carro foi abandonado encharcado de sangue. Sem corpo. Sem provas. Sem suspeito.

Fernando tentava, nos dias que se passaram, acalmar Leticia que a todo momento chamava pela mãe.

Na mesma semana, no entanto, foi possível constatar que o sangue coletado no carro, realmente, se tratava do sangue de Cíntia. Era pouquíssimo provável que ela estivesse viva naquela altura dos acontecimentos.

Nenhum pedido de resgate foi feito. Nenhum corpo (ou parte dele) foi encontrado na região. Nenhum sinal de latrocínio, pois nada foi roubado do local. A polícia tinha apenas: um carro, muito sangue e uma vitima desaparecida.

Com o passar dos dias Fernando, com a ajuda dos amigos, começou a trabalhar a perda de Cintia e introduzir o luto na pequena Leticia que ainda clamava por noticias da mãe.

Passados dois anos sem noticias de Cintia, Fernando não viu alternativa que não pedir a declaração judicial do óbito e tentar seguir a vida, da maneira que fosse possível.

Letícia estava crescendo e se conformando aos poucos. A figura da mãe começou a ser uma leve lembrança, como a bruma que emerge de um lago numa manhã fria.

A Confraria não mais se reuniu. Fernando tornou-se uma pessoa amargurada, estúpida, arbitrária e arrogante no trato. Estava irreconhecível e aos poucos perdia os amigos que ainda ficaram ao seu lado.

Eram só ele e Letícia e dessa forma a vida foi seguindo.

Assim, ainda sob a sombra de Cintia que não mais habitou aquela casa, foi criando a filha, da maneira que conseguia. A vida passa e com ela a tristeza vai se esvaindo lentamente como os fios de cabelo que caem ao chão, anunciando o avanço da idade.

A dor ainda existe, mas não causa o impacto de antigamente, afinal de contas os que aqui ficam devem seguir adiante. Apesar de ser clichê é a única coisa em que se apegar nesse momento.

E assim se passaram dez, quinze, vinte, trinta, trinta e cinco anos sem que a Confraria se reunisse e sem que se tocasse no nome de Cintia. Fernando tinha se afastado de tudo e de todos e parecia querer carregar consigo aquela dor que, em alguns momentos, parecia pertencer só a ele.

Até sua aparência havia mudado, parecia um andarilho com um severo problema nas costas. Andava curvado e arrastando seu corpo asqueroso pelas dependências do fórum, causando toda sorte de sentimentos, desde pena até repugnância.

Estava em vias de se aposentar e, passados quase quarenta anos do desaparecimento de Cintia, sequer havia noticias sobre o corpo. Realmente o mistério tomou conta daquela desgraça que tomou conta daquela pequena cidade e na vida de todos.

Aquele dia Fernando estava particularmente perturbado. Encerrou rapidamente as audiências e parecia estar com alguns envelopes nas mãos já tremulas pela idade. Deixou cair um ao sair da sala e nele estava escrito:

“Como disse o mestre: ‘a história pode esperar um ou dois anos’. Nesse momento, aproprio-me desse conceito e utilizo o pobre recurso da paráfrase para afirmar que: ‘a história espera até mais tempo’. Convido todos vocês, caros irmãos, para a ultima reunião de nossa Confraria a acontecer na minha casa, nesse sábado, no horário de costume. É de suma importância que todos estejam presentes, pois vocês serão testemunhas da obra que tomou vida, da ficção em movimento, do rubro que tinge a alma daqueles que aqui ficaram.”

E no sábado, no horário de costume, todos os membros da antiga confraria estavam lá. Já combalidos pela idade tentaram não entrar em detalhes sobre a vida sem Cintia durante todos esses anos.

Mas Pedro era Pedro, o inoportuno, o impertinente, a “semente do mal” que, por não saber ficar de boca fechada e, também, por carregar consigo o peso de não ter conseguido solucionar o crime que destruiu a vida do amigo, foi falando:

- Fernando eu sei que todo mundo aqui tá com o cu na mão pra falar, mas eu tenho que te dizer algumas coisas. Eu sinto muito, até hoje, por não ter descoberto o desgraçado que levou sua mulher embora e destruiu a vida de todo mundo, da sua filha. Serio cara, eu não consigo dormir direito desde aquele dia! Eu espero ao menos que você possa perdoar esse seu amigo por ser tão inútil quando você mais precisou. Minha carreira deixou de fazer sentido a partir daquele momento.

Fernando, ao perceber o incômodo que tomou conta de todos resolveu romper o silencio a respeito de Cintia, que durava décadas:

- Meus amigos. Não! Mais que isso, meus irmãos. Vocês estiveram ao meu lado em um dos piores momentos pelos quais passei. Porém, enganam-se aquele que pensa que foi naquele momento, quando eu vi o carro dela todo banhado em sangue que minha vida acabou. Não meus irmãos. Por mais que eu tenha total consciência do que se tornou minha vida e a vida da minha filha, que hoje sequer manda noticias para o pai, naquele momento eu precisava seguir e pensava comigo mesmo: “garanto que com o tempo qualquer vestígio dela desaparecerá e a morte dela será um mistério até mesmo para mim” . Somos pessoas inteligentes e ao ouvirem isso vocês já descobriram do que se trata. Vamos até o quintal.

E partiram, atônitos, ate o quintal onde o mato já havia tomado conta de todo o espaço. No momento que Fernando disse aquelas palavras, todos, sem exceção, já sabiam do que se tratava. Caminhou, com bastante dificuldade, até uma mangueira que ficava no meio daquilo que um dia já foi o jardim e disse:

- Pedro, meu amigo amado, a resposta para sua busca está enterrada no pé dessa mangueira. Pois uma semana antes eu descobri que Leticia não era, de fato, minha filha. Isso mesmo. Cintia vinha se relacionando com um colega que, infelizmente transferiu-se para outra comarca, fora do meu alcance. Em uma discussão ela disse que desde sempre eles se relacionavam e que, pelo fato dele ser casado não teria como assumir o relacionamento. Então ela precisava mais de mim do que dele, pois o álibi estaria formado. Porém, ao saber que o maldito estaria se relacionando com outra mulher, ela surtou e tentou agredi-lo de todas as formas. A mulher veio até minha casa e escancarou a relação que era tão notória e eu tão cego. Ao indaga-la ela sequer negou. Disse que tudo era verdade, que eu não era homem sequer para lhe satisfazer e, arrematou os impropérios com uma cusparada no meu rosto. Tomado pelo ódio e pela vergonha eu peguei uma faca que estava ao meu alcance e a degolei aqui mesmo, levando o corpo para o carro e depois enterrando debaixo da velha mangueira. Depois o único trabalho que tive foi levar o carro, ainda de madrugada e abandona-lo no matagal. Tomei o cuidado de limpar as impressões digitais e não deixar rastros sobre o crime. Apesar dela ter sido a mulher dos meus sonhos eu sinto uma alegria inenarrável pela vida miserável dela ter acabado por minhas mãos. Agora, no entanto, vocês já sabem da verdade.

Anos após aquele crime aterrador, a verdade é descoberta em um momento onde nada pode ser feito. Fernando não pode mais ser punido pelo que fez e, talvez, a punição que lhe seja mais eficaz tenha sido o afastamento da filha que não suportou o monstro que se tornou o pai após aquele fatídico dia.

E acabou sua estória como o personagem do conto que mais gostava, já escrito pelo mestre King. Pois, Fernando, a exemplo do protagonista disse a si mesmo:

com o tempo qualquer vestígio dela desaparecerá e a morte dela será um mistério até mesmo para mim”

Vidas começam e acabam, umas antes outras nem tanto. Mas o que se tira desse relato é que nem sempre a morte é a responsável por acabar com a própria vida. A decepção de Fernando levou embora o ultimo fio de humanidade que já habitou seu coração. Um cadáver vivo, um homem sem alma, um saco de fezes.

Seus últimos dias foram dedicados a olhar a mangueira, sem descanso. Fizesse chuva, sol, frio, lá estava ele parado olhando para ela. E assim partiu, deixando para trás uma tragédia que ele mesmo criou e que levou dele a capacidade de enxergar o mundo fora de sua cabeça doentia.

segunda-feira, 4 de abril de 2016


QUERO APENAS QUE OS DIAS PASSEM

 

 

 

Se um dia alguém me perguntar qual o meu signo eu ousaria ser diferente dos demais e responderia: sou de Hamlet, com ascendente em Macbeth e lua em Othello.

Sou um Shakespereano inveterado. Desde muito pequeno dava aos meus infortúnios certa dose de tragédia que faria o grande mestre orgulhoso. Hamlet foi meu livro de cabeceira durante muito tempo e ainda me desperta as melhores ideias quando abro o notebook para escrever algo novo.

Perto de completar 36 anos, ponho-me a pensar constantemente no que fiz da minha vida até aqui.

A conclusão a que cheguei foi que estou encerrando um ciclo, que ousei chamar de segunda adolescência.

Eu explico: a primeira adolescência termina aos 18 anos, quando “lançamo-nos no mar de infortúnios” – entenderam a referencia descarada né - da vida adulta tentando deixar para trás os sentimentos pueris que até então eram permitidos. Faculdade, trabalho, casamento, filhos, viagens, carreira consolidada, status. Tudo isso começa quando acaba a primeira adolescência e, dada correria que empreendemos, não temos muito tempo nem condições de pensar muito na vida.

Apenas vivemos.

Durante esse período nos permitimos errar. Pois para muitos a vida começa ali, naquela transição entre o jovem e o adulto. Ledo engano, no entanto.

Quando passamos dos 30 – e no meu caso foi assim – começa uma nova fase de reflexão.

Hoje eu perco muito tempo pensando no que fiz da minha vida até então. Vivo coberto por um eterno antagonismo que me consome a cada novo dia: “mas eu SÓ tenho 35 anos” e “mas eu JÁ tenho 35 anos”. Se pararmos para pensar somos jovens, “pero no mucho”. Muita coisa se passou ou passamos por muita coisa ou, ainda, a vida passou e nós ficamos olhando.

Vai me dizer que você nunca se pegou pensando nesses dilemas?

Eu por exemplo carrego o pesado fardo de não ter nenhuma estória interessante sobre minha vida, nenhum grande feito, nada notável que me faria ser o centro das atenções numa roda de amigos. Não me considero uma pessoa interessante. Ainda que muita gente esteja me xingando agora eu precisava dizer isso.

Pelo contrário! Nessas reuniões sou mero expectador, calado e pensando: “poxa, poderia ser eu ali”. Mas não era eu ali e isso me frustra.

Não coleciono grandes viagens nem feitos memoráveis, pelo contrário. Apenas relatos de uma vida que foi pautada pelo metódico e milimétrico jogo do planejamento. Sou um cara estranho nesse sentido, pois qualquer acontecimento que me desvie da rota traçada anteriormente já é capaz de me levar ao desespero.

Por exemplo, quando eu estava na faculdade planejei minha vida perfeita: formado, casado, juiz. De tudo, só consegui a graduação em direito, ao resto tive que me adaptar.

E isso tudo fez com que eu sofresse, pois planejei tanto e tudo saiu do controle. Sempre achei que ter o controle da minha vida era a melhor e mais segura forma de se viver. Eu sempre tive pavor do eventual, do “deixa a vida me levar”. Juro que sempre tentei entender onde as pessoas encontravam felicidade nisso, em navegar no mar da incerteza.

Eu, ao contrário, como dizia aquela famosa musica, sempre “torci pelo melhor esperando o pior”. E isso a base de muito planejamento, sem saber que, por trás estava uma alta dose de “eventualidade”. Mas eu não conseguia enxergar e, quando sentia esses sinais repelia logo de uma vez, pois tinha pavor disso.

Ainda hoje sou assim, mas estou me desapegando.

A vida é mais curta do que imaginamos meus amigos e de uma hora para outra deixamos de existir nesse plano. O que fica? Nada.

Mas o que Shakespeare tem a ver com todo esse papo furado Leandro?

Vamos lá!

Em uma das inúmeras noites em claro que dominaram minha vida, “sapeando” bobagens na internet me deparei com uma frase que não conhecia e que é atribuída a ele:

“Não quero pensar, não quero fazer planos, não quero criar expectativas. Quero apenas que os dias passem”  

Planejei uma carreira promissora como Juiz. Planejei amores, planejei ter uma família enorme, com filhos por toda casa. Planejei ser a referencia para as pessoas e, de tudo isso, pouco consegui.

Aliás, só ficou o amargo vazio que a sensação de ter falhado deixa conosco. De tudo, acredito que a ausência de paternidade me doa mais. Sempre quis ser pai, aquele paizão babaca que os filhos fazem de gato e sapato. Que é amigo dos amigos dos filhos.

Mas ainda não aconteceu.

Deixei de viver o sonho perfeito e passei a enxergar o que é viável. Só isso fez com que eu não enlouquecesse de vez e acabasse desistindo de tudo.

Pois quem planeja muito perde o sentido da vida na medida em que nenhum plano se concretiza.

Por essa razão hoje:

1 – Não quero pensar: abstraio todas as ideias, tiro-as de minha cabeça para não enlouquecer;

2 – Não quero fazer planos: meu coração não tem mais espaço nem força para aguentar as decepções que minhas expectativas frustradas causaram esse tempo todo;

3 – Não quero criar expectativas: pois isso significaria uma regressão nesse processo de cura que desenvolvi para mim mesmo e que, honestamente ainda não sei se funcionará. Mas eu preciso tentar.

O que mais quero nesse momento é que os dias passem e que os momentos bons venham cada vez mais na minha vida e que por aqui fiquem, mas sem cobrança, sem pressão.

Apenas vivendo.

Após chegar a essas conclusões eu parei mais um instante para pensar e descobri o que talvez seja o maior dos meus feitos nessa vida: ensinei minhas sobrinhas a cantarem “Yellow Submarine” dos Beatles.

Quando via aquelas mãozinhas tão pequenas batendo no ritmo da musica eu me dei conta de que a vida vale a pena. Minha vida valeu a pena e eu, naquele breve instante, senti uma realização que nunca havia sentido antes.

Com lagrimas nos olhos exclamei: “minha vida está completa! Já posso morrer agora!”.

Mesmo sabendo o quanto ainda posso realizar nessa vida e todo o potencial que tenho para fazer alguém feliz – e tantos outros não tão felizes assim – eu vou deixar que os dias passem e que o futuro me diga se eu estava certo ou não.