quinta-feira, 14 de abril de 2016


ELA NÃO VAI MAIS VOLTAR

 

 

 

 

Hoje seria nosso aniversário de casamento. Digo que seria, pois há cinco anos não tenho mais notícias dela. Partiu sem deixar qualquer indicio de que voltaria ou de que teria ido de vez. As coisas ainda estão no lugar, as roupas, os livros, os óculos que ela odiava usar.

Eu ainda conseguia sentir o cheiro do seu perfume como no dia em que nos conhecemos. Sentia falta dela.

Não consigo dormir direito desde aquele dia e nem os remédios tem ajudado. Acordo no meio da noite pensando no motivo que a fez ir embora de casa sem aviso, sem dar algum motivo.

Estaria disposto a aceitar qualquer justificativa, plausível ou não. Seria mais fácil e consequentemente eu teria um pouco de paz na minha vida. Mas não. Ela deixou comigo apenas a ausência e a lembrança. Um buraco que fica maior a cada dia, alimentando-se da incerteza e da esperança de voltar a vê-la.

Ainda me lembro do fatídico dia em que ela disse que faria uma viagem a contragosto. Mal nos falamos aquele dia. Ela estava apreensiva, parecia não querer sair de casa. Aparentava cansaço, insatisfação.

Aquele comportamento já durava algumas semanas e eu não entendia por qual razão. Eu sei muito bem que não fui o marido que ela sempre mereceu. Tive minhas falhas, mas eu merecia ao menos uma explicação ou, ainda, um “estou indo embora, pois não estou feliz com você”.

Durante o primeiro ano eu procurei me conformar das maneiras que encontrava, ainda sem aceitar que tudo tinha acabado de forma inexplicável. Tentei seguir de cabeça erguida, viver minha vida e entender que, se ela partiu é porque não me queria mais.

Mas ela era o amor da minha vida, a mulher que trouxe de volta a fé no amor, que eu havia perdido há muito tempo. Da mesma forma que nos conhecemos por acaso, tudo acabou sem muita explicação.

Apenas acabou. Ela se foi e eu tive que aprender a lidar com a falta daquilo que mais me fazia feliz. Sua presença me acalmava e, por pior que eu estivesse, seu sorriso me confortava.

Só que ela não estava mais ali e eu não sabia o motivo.

Eu precisava saber. Precisava ouvir da boca dela que eu fui um lixo a vida toda ou que ela simplesmente tinha se cansado de mim, ou, ainda, tivesse se apaixonado por outra pessoa. Eu saberia lidar com esse sentimento e teria seguido em frente há muito tempo.

Respostas que eu não tenho.

No segundo ano, em nome de todo o amor que eu jamais deixei de sentir por ela, abandonei tudo e passei a procura-la pelos lugares onde eu sei que ela era ou foi feliz. Caminhos que sempre fizeram com que seus olhos brilhassem ao menos por um momento.

Desde então essa tem sido a minha rotina, procura-la incessantemente para dizer mais uma vez “você foi e ainda é o grande amor da minha vida e caso não queira voltar, siga sua seu caminho sabendo apenas que ninguém nesse mundo te amará como eu amo.”

Eu estava decidido e para tanto abandonei a vida pacata que levava e me lancei no mundo atrás dela. Vendi minhas posses e caí no mundo. Nada mais importava, apenas poder ver, ainda que só mais uma vez, seu sorriso, poder ouvir sua voz e seus olhos fitando os meus. Só mais uma vez. Era só o que eu precisava. Uma única vez. Nada mais.

Visitei países, lugares, cidades. Conversei com pessoas, procurei autoridades. Em vão. Em um dado momento os recursos foram acabando e eu tive que me virar dormindo em albergues e muitas vezes até no relento. Eu não me importava com nada daquilo, desde que pudesse encontrá-la.

Ninguém sabia dela. Nenhuma noticia. Nada.

Em uma das vezes, dormindo em uma calçada qualquer não consegui conter as lagrimas. Fazia frio. Ameaçava chover e tudo o que eu tinha era uma velha e suja marquise para me abrigar e um trapo gigante que usava como cobertor. Era uma situação difícil e eu sabia que a tendência seria piorar, pois minha jornada parecia longe de acabar. Porém, eu não sabia onde ela estava, o que estaria fazendo, se estaria na mesma situação, com frio, fome, triste, sozinha.

  No terceiro para o quarto ano, ainda procurando, desisti de mim. Entreguei-me a um estado calamitoso. Não mais tomava banho, não fazia mais a barba. Tudo o que eu conseguia era pensar nela e em mais nada. Ficava dias sem comer e até esquecia de me alimentar, lembrando muitas vezes quando acordava depois de desmaiar de fome.

Cheguei a tal ponto que indagava as mesmas pessoas várias vezes, tomado pelo desespero e pela aflição de não ter noticias dela há tanto tempo. Certa vez uma pessoa fez o seguinte questionamento: “por qual razão você insiste tanto em uma mulher que te abandonou? Que não tem notícias? Não percebe que caso fosse de sua vontade ela estaria ao seu lado?”

Eu respondi: “Você sabe o que é encontrar aquele amor que traz a tranquilidade que nenhum outro conseguiu trazer? O amor simples, maduro e sem cobranças? Amor por si só, sem esperar nada em troca? Não sabe. Então jamais saberá a dimensão do meu sofrimento”.

Passados todos esses anos eu continuo a procurar, mas aquele fio de esperança parece cada vez menos firme. Mas ainda existe. No fundo eu sei que de alguma forma nós acabaremos por nos encontrar em algum lugar e eu então poderei dizer o quanto esses anos foram difíceis sem ela.

- Papai, a mamãe não vai mais voltar – interrompeu a voz doce de uma jovem que, com um olhar triste e ao mesmo tempo reconfortante, olhava-me de volta. Colocou a mão sobre meu ombro e prosseguiu:

- A mamãe faleceu em um acidente de avião, naquela viagem a trabalho, que ela vivia dizendo que não queria ir. Todos sofremos papai. Mas o senhor ao saber da notícia entrou em profundo desespero e pulou da sacada... quase perdemos o senhor também no mesmo dia.

E me mostrando todos os jornais da época, a lista de vitimas e a foto dela eu pude me convencer que toda minha busca havia sido em vão.

- Então – disse eu – você é... minha filha? Então... ela não vai mais voltar? Mas e todas essas lembranças? E todo esse tempo que eu procurei?

Nesse momento uma voz forte e grave cortou o silencio que minhas questões causaram dizendo:

- Eu explico – percebi nesse momento um senhor alto, de jaleco branco sentando-se ao lado de mim no que parecia um banco em um jardim que até então eu não tinha reparado – O senhor sofreu uma grave lesão cerebral ao cair da sacada. Com a queda sua cabeça acabou se chocando com a sacada debaixo, ocasionando perda de massa encefálica. Em consequência disso a parte do cérebro responsável pela memoria foi afetada irreversivelmente e, por essa razão o senhor não se lembra de nada sobre o acidente. Porém, a gravidade foi tamanha que algumas outras situações foram “apagadas”, como a existência de sua filha por exemplo. Nada do que o senhor relatou existiu de verdade. Os lugares, as pessoas, a dificuldade, a marquise, o cobertor, a chuva. Tudo isso não passa de uma invenção da sua mente. O senhor está aqui há cinco anos sendo cuidado por nossa equipe e como o senhor pode perceber estamos em um hospital psiquiátrico especializado em casos como esse onde podemos dar uma maior assistência e conforto aos pacientes. Por mais que não tenha consciência eu posso dizer que estamos cuidando muito bem do senhor.

Parei por um instante e olhei aquela jovem que estava do meu lado:

- Você é a cara da sua mãe. No fim das contas eu sabia que iria encontra-la, ainda que vivendo apenas em um olhar.

- Ela te amava demais papai, vivia dizendo isso para todos – disse a filha – Foi um marido maravilhoso e um pai exemplar enquanto teve condições.

De certa forma eu me senti reconfortado naquele momento. Porém, por pouco tempo, pois tudo o que eu havia vivido até então não passava de uma mentira, de algo inútil, uma busca sem resultados e nem poderia ter! Ela não vai mais voltar!

- Acalme-se papai, ainda há mais a dizer. O Dr. Precisa contar algo importante – disse minha filha tentando acalmar meu descontrole ao perceber que eu jamais veria o amor da minha vida.

- Sim, eu preciso contar algo difícil e preciso que o senhor esteja preparado – disse-me o médico – A lesão cerebral permite que o senhor tenha pequenos momentos de sanidade que duram em média uma semana, às vezes até menos. Isso quer dizer que daqui uma semana o senhor esquecerá toda essa conversa e voltará a pensar que está procurando por sua falecida esposa. Não se lembrará mais da sua filha, muito embora ela venha lhe fazer visitas constantes. O que posso garantir é que o senhor está muito bem cuidado aqui e eu pessoalmente tratarei para que assim continue.

- Então minha filha eu não lembrarei mais de você daqui a alguns dias? Perdão por todo esse sofrimento que eu venho causando mesmo depois da morte da sua mãe. – eu disse

- Papai eu estarei sempre ao seu lado! Por mais que o senhor não me reconheça eu estarei aqui, não sairei do seu lado! O senhor jamais estará sozinho! Terá a mim pelo resto da vida e enquanto eu tiver forças estarei aqui, segurando sua mão quando tivermos, mais uma vez, que te dar essa triste noticia. – disse minha filha, segurando minha cabeça contra seu peito.

Por mais que toda aquela situação tenha me destruído por dentro, por mais que as lagrimas da minha filha estivessem cortando meu coração, por mais que eu soubesse que não me lembraria do rosto dela e que daqui alguns dias seria mais um maluco internado naquele lugar, falando coisas desconexas e sem o menor cabimento, no fundo eu estava feliz.

Sim, feliz!

Pois eu sabia que daqui a uma semana, mais uma vez, ela estaria viva na minha cabeça e a esperança por encontrar o grande amor da minha vida estaria de volta no meu coração. Na minha mente devastada estaria a ideia de que eu me lancei ao mundo para encontrar meu único amor.

Esse sentimento venceu a morte, a loucura, a tristeza, a dor. E mesmo que fosse uma mentira, ao menos na minha cabeça ela continuaria viva e nosso amor jamais se apagaria.

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