quinta-feira, 31 de março de 2016


BARCELONA

 

 

 

Essa poderia ser mais uma estória com o selo de qualidade “Almodovar” ou “Woody Allen”, mas não tenho tanta pretensão assim.

Mas importante que fique registrado: poderia.

Estou prestes a contar como a vida de uma pessoa pode sofrer uma reviravolta impressionante em questão de dias. Como um furacão que tira o trem de sua rota e o coloca em outra direção.

A vida de Luciano estava uma bagunça só, tanto profissional, quanto pessoal e amorosa. Lutava constantemente com o sentimento de desesperança e a falta de animo para as tarefas mais corriqueiras. Queria mudar. Precisava mudar.

Havia passado por relacionamentos que sugaram dele o que tinha de melhor, tornando-o irreconhecível e de certa forma “estranho”. Estava cansado das mesmas cabeçadas que vinha dando ano após ano sem mudar o enfoque de seus objetivos. Mas era hora de virar esse jogo.

Estava sozinho há alguns meses, após mais uma de suas desilusões e entregas mal sucedidas que sempre deixavam alguma marca indesejada no seu coração. Estava farto daquilo.

Era publicitário e tinha uma pequena agencia em sociedade com outros três amigos, de longa data. Porém, as ideias estavam fugindo cada dia mais e ele via que não pertencia àquele lugar. Sentia-se abarrotado e sem espaço para novos pensamentos, precisando urgente de uma reciclagem de ideias.

Em uma terça feira qualquer, pegou seu carro como sempre fazia e foi em direção ao trabalho, perdido em seus inúmeros pensamentos que sempre vinham acompanhados de uma trilha sonora quase sempre não muito convencional. Olhava as pessoas na rua e pensava: “quantas delas anseiam por uma mudança assim como eu? Quantas estão cheias dessa vida que levam?”. Após quase atropelar um motoqueiro – e ser espancado por ele - teve a grande ideia de sua vida: “iniciaria um ano sabático e viajaria para algum lugar aleatório atrás do melhor momento de sua vida”.

Obviamente não sabia qual seria esse momento ou o que faria, ou mesmo para onde iria, mas estava disposto a abraçar o desconhecido e as possibilidades que com ele viriam.

Ansioso, chegou à agencia e comunicou a decisão aos sócios. Por cerca de uma hora e meia teve de conter os ânimos dos amigos que queriam de todas as formas dissuadi-lo dessa ideia (ameaçando-o fisicamente inclusive). Mas ele se manteve firme e assumiu todos os riscos de uma empreitada dessa magnitude.

Eram amigos de infância e a ideia de Luciano não abalaria tal relação. Tanto é que tiveram a brilhante ideia de ajuda-lo a escolher o destino da viagem: pegaram um velho “mapa mundi” que guardavam da época de escola e, vendando os olhos de Luciano, fizeram com que ele espetasse aleatoriamente algum lugar naquele vasto mundo.

Nessas horas o destino costuma agir de formas inimagináveis. Ao retirar a venda Luciano assustou-se em saber que deveria se preparar para conhecer Barcelona.

- Mas como assim? Eu nem falo espanhol!!! – pensou consigo mesmo. Porém, logo em seguida refletiu e rebateu: “Se eu estou atrás do grande momento da minha vida que seja em grande estilo e com a cara e a coragem!”  

E, com a ajuda dos amigos partiu rumo a Barcelona levando meia dúzia de sonhos e expectativas e um portunhol sofrível.

Luciano era um ser humano peculiar. Não levava as coisas muito a sério e adorava colecionar camisetas com frases engraçadas. Era um eterno adolescente. Obviamente aquilo não lhe atribuía muita credibilidade, mas ele não se importava muito com isso. Preferia levar a vida de forma leve e bem humorada, mesmo sem saber que as frases eram ridículas demais e eram capazes de despertar a vergonha alheia em qualquer um que o visse usando aquelas camisetas.

E, com a frase: “Picolé Trevoso” estampada em uma camiseta  - ele não tinha a noção exata do ridículo - embarcou em São Paulo com destino a Barcelona sem saber uma palavra em espanhol.  

Enrolando um “portunhol” asqueroso conseguiu chegar até o hotel onde, ainda no hall, com a mochila nas costas e aquela camiseta ridícula percebeu que sua vida estava por mudar. Ainda na fila do “check in”, notou a presença de alguém, rodeada de pessoas, parecendo bem conhecida por aqueles lados.

Era linda. Alta. Olhos claros, loira e obviamente jamais olharia pra um cara que mais parecia ter chegado de um acampamento de sete dias e sete noites em Machu Picchu, com a barba por fazer e, com uma camiseta horrorosa daquelas, tudo ficava ainda mais impossível.

Mas ele não conseguia parar de olhar para ela. Ela estava cercada de pessoas, falando com todos, requisitada e, naquele mesmo momento, Luciano ouviu uma voz que dizia ao som de Capital Inicial: “você é tão articulada, quando fala não pede atenção”. Sabe aquelas cenas de filme em que a moça parece ter um ventilador no rosto, os cabelos ao vento e o sujeito com a maior cara de apaixonado? Então me ajudem e construam essa cena por favor!

De repente, acordou daquele transe momentâneo. Era sua vez de fazer o “check in” e arranhando aquele portunhol sofrível perguntou ao gerente do hotel quem era aquela moça que tanto chamava sua atenção. Tratava-se de uma jornalista esportiva, brasileira, que estava em Barcelona para cobrir “El clasico” que aconteceria naquele final de semana no Camp Nou, estádio do Barcelona.

Luciano adorava futebol, mas conhecia pouco dos campeonatos europeus, muito embora já tivesse reservado seu ingresso para aquele jogo que era o mais esperado daquele período em todo o mundo. Estaria lá e ela também, mas tinha a total convicção que não a encontraria no dia do jogo.

Naquele momento ela virou e deu de cara com ele. Olhou direto para a camiseta e sorriu. Encabulado, Luciano sorriu de volta, mas a moça seguiu seu caminho sem muito alarde e ele foi para o quarto tentar descansar um pouco da viagem. Em vão.

Ela não saia da cabeça dele. Aquele sorriso penetrou direto em sua alma e ele parecia não acreditar que era pra ele que ela havia sorrido. Em meio a toda essa emoção adormeceu e, no dia seguinte iniciou os preparativos para o jogo.

O portunhol falhava, mas ele se virava da maneira que conseguia e assim foi até chegar ao estádio onde a torcida já estava se aglomerando. Mas uma coisa não falhava: o péssimo gosto por camisetas. Escolheu uma para o jogo que era tão vergonhosa quanto incompreensível. Tinha apenas a inscrição “Mah oehhhhhhh”, fazendo uma referencia ao famoso bordão utilizado por Silvio Santos em seu programa de domingo. Evidentemente havia falhado na missão de ser uma pessoa normal.

Ninguém na Espanha saberia o que significava aquilo e ele assim se lançou em direção à entrada do estádio. Ainda perdido ouviu uma voz que dizia: “mah oehhhhhhh foi de matar hein”.

Por mais obvia que seja essa parte do conto é necessário digredir um pouco amigos com o objetivo de imprimir certa dramaticidade ao relato:

Primeiro: quem reconheceria a camiseta? Segundo: quem falaria português naquele lugar?

Adivinharam? Sim. Ela se lembrou dele e por coincidência o encontrou na entrada do jogo.

- Eu jamais imaginaria que encontraria você por aqui. Aliás, desculpe a falta de educação, eu nem seu sei nome. – disse Luciano sorrindo encabuladamente.

- Meu nome é Paloma e você só está perdoado porque eu gostei da sua camiseta. – disse ela sorrindo e fazendo todo aquele gelo que tomava conta do encontro inesperado derreter em um instante.

- Bom, eu me chamo Luciano e confesso que minha mãe sempre me disse que minhas camisetas serviriam para alguma coisa algum dia. Mentira ela nunca falou isso. – Disse ele já arrancando alguns sorrisos dela. Luciano tinha um problema sério (mais um): quando estava nervoso sempre fazia alguma piadinha. Quase nunca dava certo. Mas quando dava amigo...

Lembram quando eu disse que o destino costuma agir das maneiras mais improváveis? Então. Dessa vez ele conseguiu colocar os dois lado a lado no estádio, onde assistiram ao jogo juntos.

Conversaram muito durante todo o tempo e Paloma disse que voltaria ao Brasil no dia seguinte. Luciano, por sua vez, voltaria uma semana depois e quando aqui chegasse planejaria qual seria seu próximo destino. Mas, de qualquer forma, sabia que seu ano sabático havia começado da melhor maneira possível.

Ele ainda não havia percebido a empatia que desenvolvera com Paloma e só desejava que o tempo não passasse jamais, pois a companhia era, além de agradável, um balsamo naquela terra tão distante e que mal tinha conhecimento além de algumas pesquisas feitas antes da viagem. O jogo acabou e Paloma teria uma longa jornada cobrindo os bastidores e, portanto se despediram (contra sua vontade obviamente). Trocaram telefones, mas Luciano tinha a impressão de que jamais veria a moça, seja na Espanha, em Marte, Beverly Hills ou no Brasil, quando voltasse.

Porém, era tarde demais. Estava apaixonado e dificilmente se esqueceria daquela voz “articulada falando sem pedir atenção”.

Durante o tempo que ficou na Espanha não conseguiu pensar em outra coisa que não fosse o sorriso de Paloma. Sequer se lembrava do resultado do jogo, ou do trajeto hotel/estádio. Só conseguia pensar em Paloma, em seu olhar, sua voz.

No fim de sua jornada embarcou de volta ao Brasil com a certeza de que poderia abreviar seu ano sabático, pois encontrara em Paloma o momento de sua vida, apesar de sentir que dificilmente se falariam novamente.

Já em terras tupiniquins, pensou em ligar para Paloma, mas faltou coragem. Tudo foi tão perfeito que ele ainda sentia como se estivesse dentro de um sonho e que esse era o plano do universo: que apenas ficassem nesse encontro e nada mais.

Fazia um mês que tinha voltado para casa e a coragem para procura-la ainda não tinha aparecido. Já tinha decidido voltar ao trabalho, focar em seus projetos e tentar encarar a realidade como a única coisa a se fazer. Assim estava seguindo, mas com o coração ainda em Barcelona, ainda em Paloma.

Em toda a sua vida jamais havia se deparado com uma paixão tão avassaladora e incontrolável a ponto de paralisar seus sentidos e retirar toda a coragem de procurar a causadora de todo aquele frisson que tomou conta dele.

Paloma era linda, inteligente, culta, completa e diferente de todas as pessoas com as quais Luciano havia se deparado ao longo de sua vida. Ela poderia ser a mudança de vida que ele sempre esperou, mas ele era covarde demais para se lançar atrás dela. Poderia assusta-la, poderia dar a entender algo que deixasse a moça constrangida. Poderia parecer ansioso e inconveniente. Poderia parecer um maníaco, enfim... a cabeça daquele homem era negativamente fértil.

Era um completo covarde. Sabia disso, mas estava paralisado.

Até que um dia, notou que uma mensagem chegou ao celular:

“Por onde anda o maluco mais adorável que já pisou em Barcelona? Senti falta das suas travessuras”

Sim, ela sentiu falta dele. Se ela soubesse o quanto de sono ele perdeu pensando nela... A partir dali conversavam como se não houvesse amanhã. Sobre todos os assuntos possíveis e imagináveis. A conversa fluía. Riam juntos. Luciano, pela primeira vez na vida, sentia-se bem por estar perto de alguém, mas ainda tinha medo de demonstrar que estava apaixonado.

Mas estava. Perdidamente. Incontrolavelmente. Irremediavelmente.

Queria vê-la, ouvir sua voz, sentir seu perfume, olhar no fundo dos seus olhos. Nesse momento a coragem voltou e ele propôs que se encontrassem para um café. Ambos tinham o mesmo prazer pelo café. Nada melhor do que começar por um café não é verdade?

E se encontraram numa tarde de sábado, em São Paulo. Luciano ainda não conseguia acreditar que ela estaria ali, novamente, diante dele.

Paloma era tão madura e Luciano tão “moleque”. Eram como se fossem “Eduardo e Monica” da vida real e como diz a musica: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?” O destino se incumbiu de aproxima-los, tão diferentes, tão perfeitos. O resto o coração faria sozinho.

Completavam-se na medida em que não eram parecidos. Ela dizia que ele tinha o bom humor que lhe cativava e ele encontrava nela a maturidade que tanto havia procurado em uma companheira. Paloma dava a Luciano a tranquilidade que nenhuma outra mulher havia dado em sua vida. Aquele lance da “sorte de um amor tranquilo” (que Luciano achava tão piegas) estava finalmente acontecendo com ele.

Tudo começou em Barcelona, tudo começou com futebol, tudo começou com uma mudança. A mudança que Luciano sempre procurou para si mesmo encontrou em Paloma que, com apenas um sorriso, fez reviver um coração tão machucado pelos percalços que a vida lhe impôs ao longo de todos esses anos.

Com um olhar ela foi capaz de acender a chama da vida havia se apagado há muito em sua alma. Ao permitir que Luciano seguisse ao seu lado, Paloma despertou o melhor dele e fez com que procurasse ser melhor ainda a cada dia.

Nitzsche disse certa vez que: “A vida sem musica seria um erro.” Pois Paloma devolveu a Luciano a musicalidade que havia se perdido de sua vida. E em grande estilo, pois não existe canção mais perfeita para descrever esse conto do que essa:

“Forever - Kiss

Eu tenho que dizer o que estou sentindo por dentro
Eu poderia mentir para mim mesmo, mas é verdade
Não há como negar quando olho em seus olhos
Garota, eu estou perdendo a cabeça por você

Eu vivi tanto tempo acreditando que todo amor é cego
Mas tudo em você
Está me dizendo que desta vez é

Pra sempre, desta vez eu sei
E não há nenhuma dúvida em minha mente
Pra sempre, até que minha vida termine
Garota, eu vou te amar pra sempre

Eu ouço o eco da promessa que eu fiz
"Quando você é forte, pode seguir sozinho"
Mas estas palavras soam distante quando olho pra você
Não, eu não quero seguir sozinho.

Nunca pensei que colocaria meu coração na linha
Mas tudo sobre você
Está me dizendo que agora é

Pra sempre, desta vez eu sei
E não há nenhuma dúvida em minha mente
Pra sempre, até que minha vida termine
Garota, eu vou te amar pra sempre

Sim!

Eu vejo meu futuro quando olho em seus olhos
O seu amor fez meu coração viver
Porque eu vivi minha vida acreditando que todo amor é cego
Mas tudo em você, está me dizendo desta vez

É pra sempre, desta vez eu sei
E não há nenhuma dúvida em minha mente
Pra sempre, até que minha vida termine
Garota, eu vou te amar pra sempre

Oh!

Pra sempre, desta vez eu sei
E não há nenhuma dúvida em minha mente
Pra sempre, até que minha vida termine
Garota, eu vou te amar pra sempre

Luciano tinha a mais absoluta convicção que Paloma era a mulher de sua vida.

quarta-feira, 30 de março de 2016


INSONIA

 

 

 

Passava das quatro da manhã do quinto dia e ele tentava uma tática diferente. Fazia muito calor, quente como o inferno, mas ele precisava tentar.

O desespero o obrigou a ligar o ar condicionado no máximo e cobrir-se com um edredom. Já tinha tentado de tudo: remédios, leitura, televisão... Em vão. O sono não aparecia.

Suas postagens em redes sociais - que oscilavam das 00:00 às 5:30 da manhã - denunciavam a ansiedade por não conseguir dormir. Já era o quinto dia seguido.

Por mais cansativo que tivesse sido o dia ele simplesmente não conseguia dormir. Já havia esgotado todo o limite do cartão de crédito em compras na madrugada, quase sempre coisas inúteis para ele.

Pela manhã os olhos pareciam duas pedras em chamas, demonstrando que a noite não tinha sido fácil.

Mas dessa vez em especial ele havia se superado. Nem ele entendia o motivo de ter se coberto da cabeça aos pés como se estivesse se escondendo de alguém, alguma coisa, algum pensamento.

Porém, sabia que aquela noite seria igual e já esperava pela total ausência de sono.

E não estava errado.

Lá estava ele novamente olhando para o celular em busca do sono perdido.

Durante esse percurso solitário e suntuoso, toda sorte de pensamentos tomava conta de sua mente. Algumas mágoas passadas vinham visita-lo com uma constância assustadora. Sentia-se mal por pessoas que magoou e pelos sorrisos que tirou ao longo de toda sua vida.

O que chamava a atenção era o fato de que esse sentimento estava exacerbado naquele momento sem qualquer explicação. Sentia-se frágil e acuado e a falta de sono parecia ser o castigo para aquele sentimento como se fosse uma forma de expiação de pecados e erros passados.

A cabeça doía. O corpo parecia tomado por uma corrente elétrica que o impedia de se mexer e fechar os olhos. Diante de si parecia enxergar através de uma imensa tela tudo o que havia lhe machucado e tudo que havia feito - ainda que inconscientemente - para machucar os outros durante toda uma vida.

Sentia medo.

Era a primeira vez que conseguia imergir naquele sentimento que roubava seu sono todas as noites e que, até então parecia ser inconsciente. Obviamente não sabia lidar com aquilo tudo e a forma que encontrou foi esconder-se debaixo daquele edredom atrás de uma proteção invisível ou uma fuga momentânea de sua própria mente.

Como nos últimos dias, fazia muito calor, mas ele não queria sair debaixo de sua “capa de indestrutibilidade” e suava como se estivesse debaixo de um sol de 45 graus. Porém, era o melhor que ele conseguia fazer para escapar daqueles demônios que criou durante a vida toda e que, noite após noite, vinham cobrar seus tributos.

Um pensamento em particular chamava sua atenção. Não era culpa. Não era mágoa. Assemelhava-se mais ao arrependimento do que a qualquer outro sentimento.

Em meio a todo aquele caos, lembrou-se dos relacionamentos que estragou por não se achar bom o suficiente para as pessoas que estavam ao seu lado.

Era inseguro. Demais. Não conseguia enxergar que tinha qualidades que chamavam a atenção das pessoas e que poderia sim ser alguém por quem se apaixonar.

Não se achava na altura de quem estava com ele e isso, obviamente, fazia com que as pessoas se afastassem.

Nesse turbilhão de emoções, inevitável não vir à memória a imagem de Patrícia. Amou-a como se fosse o ultimo fio de esperança que restava na sua vida tão maltratada.

Ela também o amava, muito embora ele não se considerasse merecedor de tal sentimento. Não conseguia conceber como alguém como ela poderia se apaixonar por ele a ponto de cogitar dividir uma vida a dois. Mas ele não manifestava essa insegurança tão abertamente, pois sabia que, em seu intimo, aquilo representaria o fim do relacionamento que mais lhe fazia bem em toda sua vida.

 Só que ele não contava com seus “demônios de estimação” que toda noite o procuravam para dizer que mais cedo ou mais tarde ela encontraria alguém melhor e, na sua cabeça, o refrão de “Better Man” do Pearl Jam insistia em dizer que:

“She lies and says she's in love with him, can't find a better man”

Aquele mantra ficou gravado em seu cérebro e toda vez que ela dizia “eu te amo” sua mente respondia “ela não consegue achar alguém melhor” e algum demônio na sua cabeça reverberava um sonoro “Ainda não. Mas vai achar”. Então aquela tríade de ideias que em sua concepção se completavam transformava aquele apaixonado rapaz em um Dom Casmurro contemporâneo, repaginado, imaginando que mais cedo ou mais tarde estaria sozinho, perdendo sua amada para alguém que fosse melhor do que ele. O que, na sua concepção não era algo muito difícil de ocorrer.

Foi o que aconteceu. Patrícia não suportou a neurose que passou de silenciosa a evidente em questão de dias. Não, ela não tinha encontrado alguém melhor. Apenas não era obrigada a suportar aquela atitude de alguém que não enxergava o que estava evidente em seus olhos: ela o amava incondicionalmente.

Após esse episódio, cortou todo e qualquer contado com ela, inclusive em redes sociais. Não suportaria vê-la com outra pessoa e a dor seria maior quando se desse conta que havia perdido Patrícia por culpa exclusiva dele. Era doloroso e constante demais esse sentimento e ele não sabia lidar com isso.

Afastou-se como fazia sempre. Era “pós doutorado” na arte de fugir de problemas que ele mesmo criava.  

Passado todo esse tempo, tinha plena consciência dessas suas manifestações de insensatez e covardia e, naquele momento, esse era o filme que passava diante dos seus olhos e era essa a causa de sua insônia de cinco dias.

Sentia saudade dela e sabia que havia perdido a mulher da sua vida por conta de uma ideia esquizofrênica e inexistente. Era preciso se conformar com isso. Seguir adiante e aceitar que o passado não poderia ser alterado. Não adiantava alimentar uma culpa que não poderia ser desfeita. Patrícia deveria estar feliz com alguém que realmente teria a capacidade de fazê-la sorrir sem se preocupar com mais nada. Que se entregasse por inteiro a ela sem que um perigo inexistente atrapalhasse isso.

Milagrosamente adormeceu em meio a esse pensamento.

No dia seguinte sentia-se leve. Era como se tivesse andado por 80 km com um prego no sapato, espetando o pé e, de repente, estivesse livre dele e pudesse andar normalmente. Estava aliviado por entender que o erro que cometera com a mulher da sua vida não poderia se repetir e que ele precisava superar tudo aquilo. O primeiro passo para a mudança é descobrir o erro e aceitar que falhamos. Corrigir as deficiências e seguir em frente.

Enxergava o mundo de outra forma, mesmo que ainda tivesse um pé naquele passado, pois jamais esqueceria Patrícia. Seu sorriso ainda estava vivido em seus pensamentos e toda vez que ele lembrava do olhar que ela fazia ao dizer que o amava, sorria. Era a melhor lembrança que poderia ter de alguém que tanto amou (e de fato ainda amava).

Após o almoço foi até a cafeteria que ficava no térreo do prédio onde trabalhava. Estava sozinho, acompanhado apenas pela pequena bruma formada pelo calor do café que havia pedido. Por um instante pensou consigo mesmo:

“Se eu tivesse a chance eu seria o ‘cara melhor’ que eu pensava que ela encontraria”.  

- “Se eu tivesse a chance” - disse em voz alta sabendo que essa hipótese não era plausível. Há anos não se falavam, nem por redes sociais.

Inesperadamente sentiu a vibração do celular no bolso e, para sua surpresa tinha acabado de receber uma mensagem de Patrícia.

-“Oi...” – dizia ela. Apenas isso. Nada mais.

Apesar de pouco ele sabia que isso poderia significar a chance que sempre quis, mas nunca achou que teria. No fundo sentia que poderia e deveria ser diferente e que, por mais que os demônios ainda permanecessem atormentando suas ideias teria totais condições de ser mais forte e ditar sua vontade sobre eles.

Não passavam de suposições que, apesar de fortes, não serviam para dar aquela forma de “certeza” que toda mudança exige.

Apenas uma coisa ele tinha como certa: conseguiria dormir naquela noite. Finalmente.

sexta-feira, 25 de março de 2016


A VERDADEIRA SOLIDÃO

 

 

 

“como eu posso me sentir abandonado mesmo quando o mundo me rodeia? – Misunderstood – Dream Theater

 

Há alguns anos venho querendo escrever esse texto, mas alguns fatores serviram de elementos intimidadores e impediram que eu, ao menos, começasse as primeiras linhas.

Porém, com meus 36 anos batendo à porta nada mais salutar que eu compartilhe mais uma das minhas ideias com as pessoas que perdem alguns preciosos minutos para ler o que escrevo.

Como todos estão cansados de saber, a temática desse blog alterna entre alguns contos sobre o cotidiano, uma pitada de suspense e, como carro chefe, a depressão.

Vocês também já sabem que eu convivo com esse  - como prefiro chamar atualmente – “acidente de percurso” há mais de vinte anos e esse blog me ensinou a superar os inúmeros momentos de crise, compartilhando publicamente o que, na maioria das vezes eu não tinha coragem de falar para aqueles que convivem comigo.

Mas, muitos de vocês podem se perguntar: “por qual razão uma pessoa não compartilharia suas tristezas e angustias com aqueles que convivem com ele?”

Eu poderia listar uma série de motivos aqui, mas direcionarei as ideias a apenas alguns.

Em primeiro lugar é importante reforçar a ideia de que a depressão é uma doença como qualquer outra com sintomas e especificidades próprios e não uma escolha de quem a tem ou, ainda, uma simples questão de “frescura” ou falta de “Deus” no coração. Veja, eu sou católico praticante e não acredito que a falta de Deus possa me elevar a este patamar. Portanto, devemos abandonar esses mitos, se é que eles ainda existem.

O deprimido leva uma vida de provações e privações, vendo-se muitas vezes sozinho diante de sua doença, o que é um sentimento muito comum. Eu diria que, ao lado da eterna culpa por coisas que fogem do nosso controle, o sentimento de solidão é o sintoma mais presente.

Particularmente falando sobre mim (sim, isso é sobre mim também, não acham?) posso dizer que desenvolvi alguns sintomas diferenciados que me fazem enxergar de forma aguçada a vida ao meu redor.

Em uma conversa com uma antiga terapeuta, questionei se é comum reconhecermos outro deprimido apenas pelo olhar, pois isso me atormentava demais e eu não conseguia conviver com essa situação. Inclusive eu já escrevi sobre essa minha capacidade (que se tornou um certo tipo de maldição).

Ela não soube me responder. Sigo sem resposta, apenas com esse sentimento e a tristeza por reconhecer outro deprimido no meu dia a dia.

Mas eu consigo tirar algumas lições boas de todos esses anos. Posso me considerar um “deprimido premium” na escala de depressão, dados os anos e as experiências que a doença me impôs. Outras lições são mais duras e levam um pouco mais da nossa saúde e sanidade com elas, mas é preciso que seja assim.

Como disse, a beira de completar 36 anos eu percebo que a jornada da pessoa que tem depressão é, muitas vezes, solitária.

Eu perdi pessoas que gostava por conta das crises que tive. Quando digo crise não é nada muito chocante, apenas momentos de imersão e melancolia profundos que duram de um dia até uma semana, melhorando gradativamente.

Procurei ajuda, muitas vezes. Fui tratado como alguém que não quisesse ser ajudado, o que dificultou muito o quadro da crise, fazendo com que o que era apenas um momento de desabafo virasse um inferno total, duplicando o período de “trevas”.

Há uma dificuldade imensa em se entender o que acontece num momento desses. As pessoas acham que todos os deprimidos tem tendências suicidas. Nem sempre. Nem todos.

Eu já tive os meus, já tentei. Mas hoje sei que errei profundamente e, como um “deprimido premium” convivo com a tristeza como quem convive com aquele vizinho chato e indesejado que sempre vem visitar mas que, uma hora volta pra casa.

Temos que aceitar por ser um vizinho, por educação, mas temos que conviver silenciosamente pelo mesmo motivo.

Hoje, eu tenho minhas crises. Sim. Mas quase ninguém sabe quando as tenho. Perdi pessoas demais nesses 36 anos de vida e não tenho mais tempo, disposição ou coração para seguir perdendo pra esse mal que de certa forma é só meu.

Portanto assumi essa verdadeira solidão, lutando incessantemente com essa desgraça que me acompanhará até o fim dos meus dias.

Não posso mais exigir que as pessoas entendam ou esperem tudo isso “passar”.

Talvez essa seja a saída que tanto procurei ao exigir de muitos que entendessem essa minha fragilidade. Mesmo eu explicando que consigo levar uma vida perto do normal, não era o suficiente.

É difícil de entender o que não podemos ver, tocar, mensurar. Não posso culpar as pessoas por agirem assim, posso apenas entender, na medida do possível.

Posso também cuidar de mim e isso tenho feito. Vivo, trabalho, ocupo minha mente.

As crises sempre existirão e enquanto eu estiver por aqui combaterei o “bom combate”, não deixando que elas façam o que a depressão quer: expor toda minha fragilidade para aqueles que eu tanto amo.

A depressão é ciumenta meus amigos. Ela não permite que você socialize, que tenha amigos, namore, tenha uma família unida, trabalhe.

Ela quer você só pra ela para que possa te destruir a cada dia mais.

Mas comigo ela não tem essa “vida boa”. Não mesmo!

Quem manda aqui sou eu e não essa doença maldita e, ainda que eu siga como aquela musica “The Show Must Go On” do Queen, jamais me entregarei.

Para finalizar vou contar uma pequena estória dobre o Rá, o Deus do Sol na mitologia egípcia. Rá era o criador dos deuses e da ordem divina que tinha uma missão peculiar, além das demais: era responsável por combater todas as noites “Apep”, uma serpente devoradora de mundos e que tentava incessantemente espalhar o caos de forma avassaladora.

Porém, encontrava em Rá um inimigo poderoso que impedia seu intento. Noite após noite lá estava Apep sendo enxotada por Rá. Nenhum dos dois desistia.

Essa parábola nada mais é do que o cotidiano de uma pessoa com depressão que deve impedir o caos na sua vida de forma constante.

O papel mais difícil é aceitar essa missão solitária como Rá aceitou.

Pois eu aceitei a minha e assim sigo vivendo e combatendo o “bom combate” e enxotando o caos quando ele aparece por aqui.