O ADEUS DE FERNANDA
Meu nome é Fernanda
e eu contarei para vocês como foi o dia em que eu resolvi tirar a minha vida.
Em principio não
era uma decisão que eu queria tomar. Porém, eu vivi sob a sombra de uma
lamentável realidade. Desde muito pequena eu fui abusada pelo meu próprio pai.
Procurei ajuda no colo de quem eu pensava que me acolheria e protegeria – a
pessoa mais indicada, inclusive.
No entanto, ela
preferiu ficar do lado daquele que roubou minha infância e que fez com que,
muitas vezes, eu me sentisse culpada por todos os anos de abuso que eu sofri.
Minha própria mãe não
acreditou em mim. Eu pensava “como minha própria mãe pode não acreditar no que
eu digo?” Ela não acreditava e eu não vi alternativa, a não ser sair de casa.
Levei comigo uma mala cheia de magoas e sentimentos ruins. Mas eu precisava
sumir daquele lugar.
Fui acolhida por
minha avó, que deu a proteção que me foi negligenciada, desde que eu era muito
pequena, pelo meu seio familiar imediato.
Às noites eu
acordava e sentia aquelas mãos nojentas tocando meu corpo. Eu era só uma
criança. Eu sentia medo, culpa, solidão e tristeza.
Aliás, a tristeza
passou a ser minha principal companheira daquele momento em diante.
Nessa época eu
percebi que estava com depressão.
Procurei uma razão plausível
para a tristeza e meus amigos diziam que eu tinha um motivo razoável para me
sentir triste. Mas não era só isso.
Às vezes a tristeza
vinha do nada, sem nenhuma lembrança ou alguma correspondência com o que eu
havia passado naqueles anos de terror. Eu apenas me sentia triste e procurava
meus amigos para conversar e tentar entender se aquele sentimento era comum, ou
se eu estava realmente precisando de ajuda.
Esse é o ponto mais
difícil da depressão. As pessoas não gostam de falar sobre isso. É difícil, distante
e vergonhoso.
Nessa hora a gente
percebe que, quando Nietsche disse: “quando a gente olha demais para o abismo,
o abismo olha de volta pra gente”.
Então, comecei a
pensar em suicídio. Incessantemente. Todos os dias. Era o único pensamento que
me trazia um pouco de tranquilidade. Por um fim à minha vida era só o que eu
queria fazer e a mera cogitação já me deixava em paz.
Mas eu pensei que não
era o melhor a fazer e, do meu jeito, fui resistindo. Calada, sem falar com
ninguém, mantive-me em pé e segui a vida, como uma adolescente qualquer (ou
quase).
Eu descobri a
internet. Seus benefícios e malefícios. Tentei usa-la da melhor forma possível,
para distração, um passatempo. Criei um fã clube e fiz novos amigos a partir
daí.
Mas aquele
sentimento voltava com os dias e, dessa vez era nítido demais. Não era só
tristeza. Eu me lembrava dos anos de abuso a que fui submetida e a melancolia
vinha agora acompanhada por um pânico violento que me paralisava, toda vez que
eu pensava naquele homem, tirando de mim toda a vida que eu tinha pela frente.
Minha depressão
estava voltando com força e eu resolvi procurar, mais uma vez, a ajuda de
pessoas com as quais eu pensei que poderia contar. Minha melhor amiga deu as
costas para mim da forma mais desprezível possível. Disse a ela “Amiga,
socorro. Acho que minha depressão esta voltando”. A resposta dela foi: “Fernanda,
para de fazer drama”.
No fim, toda minha
dor e toda a ajuda que eu sempre pedi, resumiu-se apenas em “drama”.
“Eu não posso mais.
Não consigo mais. Não vejo mais sentido.” Disse a mim mesma.
Naquele mesmo dia
eu expus meus anos de terror, abuso e agressão. Expus minha tristeza e minha depressão
e a dificuldade que era lidar com esses dois fatores (abuso e doença). Disse
aos meus “amigos” que não aguentava mais lidar com aquele sentimento e que a
solidão tinha tomado conta de mim. Encerrei com um singelo “adeus”.
Foi minha ultima
palavra. Minha ultima postagem. Parti no mesmo dia. Deixei esse mundo de
indiferença e desprezo, que comigo foi tão indiferente e me tratou com tanto
desprezo.
Porém, naquele
mesmo dia, onde eu estava – não sei explicar como - conseguia ver a reação dos
meus amigos: alguns não acreditavam. Outros clamavam por eu dizer que era
mentira. Outros diziam que eu precisava de Deus.
Deus? Pobres
coitados.
Deus não tem nada a
ver com depressão. Onde eu estou agora, do meu lado, está a alma de uma freira
que, igualmente, não aguentou suportar as dores que a doença lhe impunha.
Deus não tem nada
com isso.
Andando por aqui eu
vejo que muitas pessoas, de diversas crenças, e condições sociais sucumbiram à
depressão. Muitas delas partiram como eu. Sozinhas e acusadas de “drama”.
Não era possível
viver desse jeito. Eu parti, pois qualquer solidão não é pior do que aquela que
vem após um pedido de ajuda ser negado. No meu caso a ajuda foi negada minha
vida inteira. Não havia mais sentido e esperança para mim.
Sigo solitária, uma
alma perdida e abandonada, porém, em outro plano.
Adeus, para sempre.
“Esse
texto foi baseado na historia de uma menina que recentemente relatou no twitter
os abusos que vinham sendo cometidos pelo pai ao longo de sua infância. “Fernanda”
(como a chamei aqui), procurou ajuda da família e dos amigos. “Fernanda”
sentiu-se sozinha, com medo, com frio e abandonada. Foi desprezada por aqueles
que tiveram a oportunidade de fazer alguma coisa por ela. Não espere que as “Fernandas”
que você conhece cheguem a esse extremo. Ajude sua “Fernanda”. Ouça, apoie,
acompanhe. Entenda que a depressão – muito embora algumas vezes tenha algum
gatilho – não precisa de nenhum motivo para aparecer no meio do dia enquanto
você se gabava por ter acordado bem e disposto. Mostre que por pior que a vida
seja, ela pode ficar suportável com apoio e que nenhum mal é grande o
suficiente que não pode ser suportado, após muito trabalho e carinho. Ajudem.
Ouçam. Apoiem. Amanhã pode ser tarde demais para isso e o arrependimento é o
pior sentimento que um ser humano pode sentir. A “Fernanda” do texto
efetivamente cometeu suicídio. As postagens existem e lê-las foi uma das piores
sensações que eu já experimentei na minha vida. Senti a tristeza de “Fernanda”
e, de posse dessa dor, resolvi escrever esse texto. Que sua alma alcance o
descanso que você sempre procurou por aqui “Fernanda”.