QUEIME DEPOIS DE LER
Eu
sei que esse texto poderia ser comparado a um pseudo enredo de Black Mirror,
mas não tenho essa pretensão. Longe disso, eu diria.
Porém,
às vezes eu gostaria de ter o poder de deixar um bilhete diário para todas as
pessoas que convivem comigo. Sabe? Como se fixasse na geladeira um recado logo
pela manhã, um lembrete, um aviso.
Se
eu pudesse fazer isso, chamaria meu bilhete de “Queime depois de ler” e seria
mais ou menos assim:
“Olá!
Não se assuste. Como eu sei que provavelmente eu te magoarei hoje, preciso
pontuas algumas coisas. Hoje não é um bom dia pra mim. Não quero sair da cama.
Não quero me levantar, não quero encarar o dia.
Não
quero ver o sol. Só me deixe aqui por hoje.
Hoje
eu só quero aproveitar a solidão e encarar minhas fraquezas e medos. Só quero
desfrutar essa dor que me domina. Nem posso dar atenção a ela, apesar de saber
que não devo.
Nada
mais, nada menos.
Só
quero o silêncio e pouca luz.
Sabe,
talvez você não tenha se dado conta mas as coisas, muitas vezes, são difíceis pra
mim. Muito difíceis.
Foram
dias e dias que eu fiquei sentado por horas na cama reunindo um pouco de força
para levantar e enfrentar o dia. É um esforço quase insuportável.
Então
hoje, tudo que eu quero é chorar, sozinho, trancado no meu quarto sem falar com
ninguém. Celular desligado. Apenas eu e meus medos.
Outras
vezes tudo o que eu quero é por fim a esse sofrimento, pegar meu carro e sair
dirigindo sem destino. Apenas dirigir. E deixar o destino decidir onde devo
chegar.
Quero
apenas, na minha solidão, viajar até os anos noventa e ouvir Crash Test Dummies
como fazia sempre antes de ir para a escola, pensando que aquele poderia ser o
dia em que a menina mais bonita da sala olharia, finalmente, para mim.
As
preocupações eram outras, “a grama era mais verde, a luz era mais brilhante”,
como naquela música do Pink Floyd.
Mas
sei que não posso. Não é possível, ainda que minimamente, entregar-me dessa
forma ou imaginar que as coisas poderiam ser diferentes e que essa dor enfim fosse
embora.
Não
tenho tempo para divagações dessa natureza.
Afinal,
como diz um personagem do meu anime preferido e que, por coincidência, também é
do signo de câncer: “viver é um ato de vingança”.
Eu
concordo com ele. Ainda que incoerente com tudo o que disse até agora, viver,
para mim, não passa de um ato de vingança. Vingança e resistência.
Pois
cada vez que a dor tenta me derrubar eu levanto, resisto e vou adiante. Mesmo
não querendo lutar, luto. Como num campo de batalha, onde as flechas vem de
todos os lados e o guerreiro não recua. Apenas passa através dos arqueiros
gritando de forma debochada “isso é o melhor que vocês podem fazer?”
Segue
o jogo e assim deve ser.
Não
se preocupe, eu ficarei bem. Eu sempre fico bem. Apenas te deixo esse recado
pois as coisas não são fáceis para mim na maior parte dos dias e sei que, de
uma forma ou de outra, isso pode te afetar em algum momento.
Mas
eu insisto, resisto e tento me vingar.
Tudo
está bem. Tudo ficará bem.
Não
há razão para preocupação. Espero que seu dia seja ótimo, cheio de alegrias e
realizações. Estarei sempre por aqui, resistindo, levantando e seguindo. Amanhã
espero aparecer por aqui com um bilhete mais amável e positivo. Mas por hoje é
o que posso oferecer.
Só
lhe peço um pequeno favor ao se deparar com esse bilhete:
“Queime
depois de ler”
Com
carinho.
Leandro”