sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

QUEIME DEPOIS DE LER



QUEIME DEPOIS DE LER









Eu sei que esse texto poderia ser comparado a um pseudo enredo de Black Mirror, mas não tenho essa pretensão. Longe disso, eu diria.

Porém, às vezes eu gostaria de ter o poder de deixar um bilhete diário para todas as pessoas que convivem comigo. Sabe? Como se fixasse na geladeira um recado logo pela manhã, um lembrete, um aviso.

Se eu pudesse fazer isso, chamaria meu bilhete de “Queime depois de ler” e seria mais ou menos assim:

“Olá! Não se assuste. Como eu sei que provavelmente eu te magoarei hoje, preciso pontuas algumas coisas. Hoje não é um bom dia pra mim. Não quero sair da cama. Não quero me levantar, não quero encarar o dia.

Não quero ver o sol. Só me deixe aqui por hoje.

Hoje eu só quero aproveitar a solidão e encarar minhas fraquezas e medos. Só quero desfrutar essa dor que me domina. Nem posso dar atenção a ela, apesar de saber que não devo.

Nada mais, nada menos.

Só quero o silêncio e pouca luz.

Sabe, talvez você não tenha se dado conta mas as coisas, muitas vezes, são difíceis pra mim. Muito difíceis.

Foram dias e dias que eu fiquei sentado por horas na cama reunindo um pouco de força para levantar e enfrentar o dia. É um esforço quase insuportável.

Então hoje, tudo que eu quero é chorar, sozinho, trancado no meu quarto sem falar com ninguém. Celular desligado. Apenas eu e meus medos.

Outras vezes tudo o que eu quero é por fim a esse sofrimento, pegar meu carro e sair dirigindo sem destino. Apenas dirigir. E deixar o destino decidir onde devo chegar.

Quero apenas, na minha solidão, viajar até os anos noventa e ouvir Crash Test Dummies como fazia sempre antes de ir para a escola, pensando que aquele poderia ser o dia em que a menina mais bonita da sala olharia, finalmente, para mim.

As preocupações eram outras, “a grama era mais verde, a luz era mais brilhante”, como naquela música do Pink Floyd.

Mas sei que não posso. Não é possível, ainda que minimamente, entregar-me dessa forma ou imaginar que as coisas poderiam ser diferentes e que essa dor enfim fosse embora.

Não tenho tempo para divagações dessa natureza.

Afinal, como diz um personagem do meu anime preferido e que, por coincidência, também é do signo de câncer: “viver é um ato de vingança”.

Eu concordo com ele. Ainda que incoerente com tudo o que disse até agora, viver, para mim, não passa de um ato de vingança. Vingança e resistência.

Pois cada vez que a dor tenta me derrubar eu levanto, resisto e vou adiante. Mesmo não querendo lutar, luto. Como num campo de batalha, onde as flechas vem de todos os lados e o guerreiro não recua. Apenas passa através dos arqueiros gritando de forma debochada “isso é o melhor que vocês podem fazer?”

Segue o jogo e assim deve ser.

Não se preocupe, eu ficarei bem. Eu sempre fico bem. Apenas te deixo esse recado pois as coisas não são fáceis para mim na maior parte dos dias e sei que, de uma forma ou de outra, isso pode te afetar em algum momento.

Mas eu insisto, resisto e tento me vingar.

Tudo está bem. Tudo ficará bem.

Não há razão para preocupação. Espero que seu dia seja ótimo, cheio de alegrias e realizações. Estarei sempre por aqui, resistindo, levantando e seguindo. Amanhã espero aparecer por aqui com um bilhete mais amável e positivo. Mas por hoje é o que posso oferecer.

Só lhe peço um pequeno favor ao se deparar com esse bilhete:

“Queime depois de ler”

Com carinho.

Leandro”