segunda-feira, 21 de setembro de 2015


ENSAIO SOBRE O PERDÃO
 
 
 
 
 
Revirando uns papeis velhos que me sobraram da partilha do divórcio, encontrei algo muito significativo e que me fez pensar muito em muita coisa que se passou e ainda se passa na minha vida.
Em 11 de novembro de 2012 fui levado às pressas para o Pronto Socorro, com pressão arterial em 18x11 e totalmente desorientado.
Aquele foi o marco que sentenciou minha condição de hipertenso.
Muitos de vocês já imaginaram onde eu quero chegar com isso tudo.
Porém não é tão obvio assim o que quero dizer.
Evidentemente quero falar de perdão e sobre o pouco tempo que temos na terra, sobre esse breve momento que costumeiramente chamamos de vida. Desperdiçamos boa parte desse tempo alimentando sentimentos ruins por situações que não poderão ser apagadas. Não podemos voltar atrás e corrigir os erros que cometemos. Só nos resta minimizá-los e nos arrepender deles.
Na maioria das vezes agimos sem querer. Ninguém que machucar o outro, ao menos não em um primeiro momento. O medo que temos de nos magoar é chave para que magoemos o outro.
É algo inerente ao ser humano: “antes ele do que eu”.
Mas, não raro, esquecemos tudo o que dissemos ou falamos e a vida vai passando, as pessoas vão passando, até que a saudade daquela presença vem ao coração dizer que erramos. Minha mãe sempre dizia quando éramos crianças que “quem bate esquece, quem apanha jamais”.
Hoje eu vejo o quanto de verdade existe nessa simples frase.
Uma pena que a sabedoria dos mais velhos só é por nos entendida quando estamos, igualmente, velhos.
Então chegamos ao velho dilema: “perdoar ou não perdoar? Eis a questão”. Se buscarmos a resposta na religião, seja qual for, encontraremos a resposta: “para ser uma pessoa iluminada e exercer os dons do espírito devemos perdoar”.
Eu concordo. Como cristão principalmente. Acredito que o perdão é um dos dons mais lindos que o ser humano pode exercer. Porém, um dos mais difíceis.
Digo por experiência própria. Considero-me uma pessoa extremamente rancorosa e não me orgulho nem um pouco disso. Pelo contrário. Tenho vergonha desse meu lado que vem me corroendo por longos 35 anos.
Mas justiça seja feita, eu aprendi a perdoar coisas que antigamente eu nem cogitaria. Relevei situações que, em outros tempos, representariam o fim de qualquer relacionamento, seja amoroso, seja de amizade.
Não acredito que isso seja motivo para querer reconhecimento e aplausos. Nada disso. Acho que perdoar antes de tudo (como cristão) é uma obrigação. Ao menos foi isso que me foi passado ao longo desses anos de igreja.
Entretanto, sabemos que toda obrigação, ainda que de cunho espiritual, gera uma resistência em seu cumprimento.
Perdoar é difícil. Impossível para alguns.
A maioria das pessoas prefere ver o demônio a perdoar alguém que as ofenderam.
Eu já caminhei nessa linha. Hoje meu problema é outro.
O perdão pode (e deve) ser visto sob outra ótica, outra vertente.
Vamos lá.
Como portador de depressão (e todos já estão cansados de saber disso) vivo em constante batalha com todo o tipo de culpa. Não consigo lidar com ela e, honestamente, acredito que nunca conseguirei. Tristemente assumo que venho me conformando com isso.
São dias difíceis. Cada pessoa que magoei nesse mundo, cada vez que não andei na linha, está guardado nitidamente na minha memória e, diariamente sou cobrado por isso. Das menores às maiores culpas, todas me dão “bom dia” antes que eu saia para trabalhar. Toda! Sem exceção.
Muitos podem se identificar com o que vou dizer agora. O fato é que perdoamos o outro com uma facilidade maior do que perdoamos a nós mesmos.
Concluí, então, que eu sou o meu maior carrasco, alimentando uma culpa que – confesso ainda não consegui dominar – constantemente dá as caras.
O que não percebemos é que de nada basta o perdão de quem ofendemos se nós mesmos não somos capazes de perdoar nossas falhas.
De que adianta pedir que sigamos em frente se nós mesmos não acreditamos nisso?
Portanto, antes de exigir o perdão de alguém, pensemos se somos capazes de perdoar a nós mesmos. Não confundam esse ato com a arrogância de pensar que estamos sempre certos.
Não é nada disso.
É saber que como seres humanos somos suscetíveis a falhas. Somos imperfeitos e isso nos torna, ao mesmo tempo, tão belos e especiais. Não fomos feitos para errar. Mas erramos. Não queremos errar, mas erramos.
Essa é a condição imposta pelo nosso livre arbítrio. A liberdade tem sim suas consequências e isso é uma coisa natural. Quando entendemos isso, a vida fica mais leve e mais colorida.
Sentir dor pela magoa que causamos ao outro é humano. Saber aceitar o perdão e perdoar, igualmente a si próprio, é divino.
                                 Essa é a ideia.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015


SIMPATIA PELOS EXCLUÍDOS

 

 

 

É muito comum as pessoas me perguntarem quais minhas principais características, talvez esperando respostas do tipo: “sou responsável”, “amigo”, “tenho caráter”, “faço um bolo de mandioca maravilhoso”, “sou uma pessoa saudável”, “sou o genro que sua mãe pediu a Deus”, enfim.

Além de eu não me enquadrar em algumas dessas características (não sei fazer bolo de mandioca, não sou tão saudável assim e acho que não sou o genro que “mamãe” pediu a Deus), não acredito que posso me definir usando tais clichês aceitos com facilidade pela maioria.

Por falar em clichês, queria discutir alguns nesse texto. Para tanto farei uma regressão a um passado recente da minha vida.

Sempre fui uma pessoa viciada em redes sociais e aplicativos, muito embora tenha dado fim em todos por motivos pessoais. Todos. Twitter, Facebook, Instagram, whatsapp, viber, “bate papo” e por aí vai. Logo que me divorciei, no final do ano de 2014, resolvi experimentar o Tinder, que para quem não sabe nada mais é do que um aplicativo que busca pessoas próximas a você e tenta estabelecer um certo contato.

É um aplicativo muito bacana que te possibilita conhecer pessoas fantásticas. Claro que existe uma cota enorme que pode ser colocada na categoria “curva de rio” que sempre usamos para classificar aquilo que não combina conosco e nos irrita, na maioria das vezes.

Mas onde o Tinder entra nesse lance todo?

Lembram que eu disse que eu tinha uma ideia de característica principal diferente dos demais? Pois é. O Tinder me ajudará a explicar isso.

Quando a pessoa entra no aplicativo, geralmente ela escreve um breve texto falando dela e o que espera da pessoa que pretende conhecer e se encontrar, coloca umas fotos e tudo o mais e: “plau”!. Tá pronta para a ação.

Aqui entra uma de minhas principais características: desde muito pequeno eu condicionei meu cérebro a analisar as pessoas. Eu sei que é algo meio ridículo, mas eu sempre tentei enxergar o fundo de cada pessoa que passava pela minha vida, sua essência, sua alma e seus anseios. Daí vem minha grande frustração em não ter cursado Psicologia quando mais jovem... enfim.

Por diversas vezes eu escrevi que consigo enxergar atrás do olhar das pessoas o que seu interior revela, ainda que ela use uma máscara perante os outros. Eu sempre considerei isso uma espécie de maldição, pois eu acabava pegando um pouco da tristeza que eu enxergava no fundo daquelas pessoas.

Ao entrar no Tinder não foi diferente.

Sempre procurei analisar o olhar e o perfil das pessoas que dividiam aquele aplicativo comigo, muito embora a motivação que me fez aderir ao aplicativo seja igual a de todo mundo, ou seja, conhecer pessoas legais. E de fato conheci!

Notei certo padrão em alguns perfis: “Feliz e de bem com a vida”; “procuro pessoas de bem com a vida”. Você pode pensar: “o que há de errado nisso?” Não há nada de errado, cada um escolhe o que quer de melhor para sua vida, claro.

Concordo com o consenso geral de que precisamos de pessoas que acrescentem e agreguem à nossa vida algo que não temos. Como diria Shakespeare em Hamlet: “É aí que bate o ponto”!

Eu acho que a grande dificuldade em se aceitar as limitações alheias vem do medo de que isso entre em choque com nossas próprias limitações.

Ora, se eu não estou de bem com a vida, nada mais razoável que procure alguém que esteja para me tirar dessa situação angustiante, certo?

Isso não é uma regra, óbvio. Porém essa maldição que me acompanha desde pequeno e que me permite enxergar por “trás das janelas da alma”, fez com que eu percebesse que muitas dessas pessoas só buscam um contraponto para suas decepções, o espelho do que queria ser e não tem condições, muitas vezes por uma limitação bioquímica, ou alguma questão psicológica, enfim.

O medo de ficar só faz com que as pessoas demonstrem algo que às vezes não é sincero em busca de algo que supra essa falta de felicidade e de prazer pela vida.

Eu não as culpo e vou dizer a razão: tenho uma simpatia absurda pelos excluídos.

A sinceridade do sentimento me atrai. A essência da dor também, por mais que, no segundo caso eu seja alvo de um “raio trator” e acabe sendo atingido por uma dose considerável de sofrimento alheio.

Mas eu prefiro estar ao lado dos excluídos, os tristes e aqueles que têm certa dificuldade em expressar o verdadeiro perfil da sua alma.

Quem está do lado deles? Ninguém.

E mais: eu sou um deles!

É muito fácil estar do lado de uma pessoa que vomita para todo mundo que é feliz do tempo todo. Porém, a essência do verdadeiro amor, compaixão, amizade e cumplicidade é enxergar a necessidade de um ombro amigo no outro e de oferecer, de pronto, esse ombro amigo.

Todos sofremos e não por uma escolha nossa. Ninguém escolhe sofrer. Não acredito na definição que dão ao masoquismo: “o prazer pelo sofrimento”. Se há prazer não há sofrimento e vice versa.

Portanto, ninguém escolhe sofrer.

Eu não escolhi sofrer e se pudesse juro que trocaria meu cérebro por outro, mais usado, menos inteligente, mais fútil, porém livre do sofrimento.

Quantas foram as noites em que eu dobrei os joelhos pedindo para Deus me conceder esse único desejo? Inúmeras.

Porém, enquanto eu não mudo de cérebro, sigo tendo extrema simpatia pelos excluídos, por aqueles que sofrem, seja pela tristeza involuntária, seja pela fome, pela miséria, pelo sofrimento, pelas inúmeras marcas que as tragédias da vida deixam no rosto, pelo cansaço dos anos mal vividos, pelos que são massacrados diariamente, vitimas da violência e do sem número de bestialidades que o ser humano é capaz.

Por que eu tenho simpatia por eles? A resposta deveria ser obvia, não?

Porque eles não precisam de nada mais do que uma mão amiga, uma palavra confortadora, um ombro acolhedor.

Estar ao lado de quem não tem nenhum problema é fácil amigos. Oxalá todos nos pudéssemos viver assim. Mas a vida não é tão bonita quanto se pinta nos perfis do Tinder.

Mas ela pode melhorar e para isso não é preciso muito.

Você, caro amigo, que está lendo esse texto nesse momento acaba de fazer algo por um excluído, sabia?

Lendo esse meu texto, você dedicou uns minutos do seu tempo para conhecer um pouco de minhas angustias e isso torna minha vida muito mais leve porque sei que ainda existem pessoas capazes disso, muito embora eu opte grande parte das vezes pelo silêncio.

Dito isso, amigos, romanos, compatriotas, proponho que façamos uma “corrente do bem” plagiando descaradamente o filme: se alguém te ajudou num momento de sofrimento, ajude alguém que está na mesma situação e assim por diante. Vá espalhando o carinho e a compaixão pelos outros.

Garanto que dá pra ser muito feliz fazendo isso.

Duvida? Experimente e depois me conte.     

domingo, 23 de agosto de 2015


ANTES DO FIM

PARTE III

 

 

 

Por mais que tivesse substituído a memoria daquele primeiro dia que desejava mudar, Jonas sentia que o exercício tinha lhe causado um sofrimento absurdo.

Porém, apesar da dor lancinante que violentava seu cérebro, ele conseguia lembrar da mãe sorrindo ao encontra-lo na porta da escola, como se aquele dia não tivesse sido tão triste como foi.

Pediu a Ângelo que, se possível, o acompanhasse em uma caminhada pelo hospital, embora ainda soubesse que tivesse limitações em relação à locomoção e tudo o mais.

- Preciso me movimentar um pouco – disse ele – talvez tomar um café. Você não negaria um café para um homem que está com os dias contados, não é?

E sorriu, sabendo que Ângelo não negaria aquele pedido.

Puseram-se, portanto, a caminhar. Com dificuldade Jonas apoiava-se em Ângelo, mas andava devagar. Ainda no corredor pode notar que um médico conversava com um rapaz. As expressões dos rostos não eram das melhores e ao passar perto ele pode ouvir que o médico o que o medico dizia:

- O estado de saúde do seu irmão é muito grave. Eu diria que devemos começar a pensar em cuidados paliativos e em doação de órgãos, pois acreditamos ser irreversível o quadro.

De canto de olho percebeu que o rapaz chorava e que a dor que sentia naquele momento era tão grande que quase era possível senti-la.

Caminharam em silencio ate a cafeteria. Sentaram-se.

Ângelo percebeu o silêncio sufocante do rapaz e resolveu perguntar algo que já havia percebido:

- O que você sentiu depois de ouvir o que o médico disse para aquele rapaz no corredor?

Jonas respirou fundo e disse:

- Na verdade não foi o fato em si, mas sim uma palavra que eu ouvi em meio aquela conversa. Isso fez com que eu me recordasse de outro momento do meu passado que eu gostaria de mudar. Quando ele disse “irmão” eu logo me recordei de um momento em que tive uma das atitudes mais covardes da minha vida.

Era chegado o momento de relembrar o segundo dia que gostaria de mudar no seu passado. Jonas buscou folego nos pulmões e fez uma longa pausa, tentando não permitir que a dor que sentia na cabeça o fizesse desmaiar.

- Estávamos na escola – disse ele. Eu e meus irmãos estudávamos no mesmo local, porém em classes de séries diferentes. Eu como mais velho tinha meus amigos, igualmente mais velhos. Tínhamos por tradição cada um ficar com seus amigos na hora do intervalo. Era um dia como qualquer outro e eu estava rido com meus amigos, falando bobagens e exalando a pura essência que a idade proporcionava. Sem muitas preocupações, era assim que eu passava meus dias. Não era muito popular, pois sempre escolhi caminhos que assassinaram qualquer chance de popularidade que um adolescente poderia ter. Porém, eu conseguia conviver tranquilamente com tal limitação, pois a popularidade não fazia nenhuma falta. De outro lado, a ausência de popularidade muitas vezes faz com que tenhamos uma certa notoriedade negativa, pois invariavelmente viramos alvo de bullying. Não era diferente comigo. Já meus irmãos eram um pouco mais populares em suas respectivas classes. Durante um dia qualquer, comum como qualquer outro, eu percebi um tumulto se formando perto da escada para o segundo andar. Quando dei por mim, vi um certo “machão” da escola arrastando meu irmão pelo braço até mim. Gritando me disse: “a próxima vez que seu irmão passar atrás de mim eu vou bater nele”. Confesso que no momento meu cérebro entrou em choque. Eu não sabia o que fazer, afinal de contas na minha frente estavam meu irmão e o cara que eu mais temia naquele mundo. Já havia apanhado dele varias vezes e naquele dia ele tinha me escolhido como instrumento para demonstração de poder. E eu não fiz nada. Pelo contrario, apenas peguei meu irmão pelo braço e o repreendi, dizendo que era para nunca mais passar atrás daquele cara senão quem bateria nele seria eu. Desde então eu tenho me sentido a pessoa mais inútil e repugnante do planeta, pois não tive a capacidade de defender alguém que eu tanto amo. Eu até acho que mereço mesmo morrer sozinho neste hospital, ser enterrado em qualquer buraco e deixar que a terra destrua esse corpo inútil.

E parou por um instante, levando a mão à cabeça. Aquele desabafo trouxe uma dor terrível como uma faca quente rasgando o crânio.  

Ângelo esperou um pouco até que o rapaz refletisse bastante sobre tudo o que fora dito até então.

Após uma longa pausa, resolveu falar:

- Bom, de tudo o que você me disse eu consigo extrair duas situações que explicam muito dos sentimentos que você me expôs até agora: bullying e culpa. Eu não posso dizer que a reação que você teve foi certa, mas se justifica pelo medo que você sentia daquele agressor irracional que queria demonstrar seu poder a qualquer custo. O bullying rouba a infância ou adolescência de quem é alvo dele. E foi exatamente o que aconteceu com você. De toda sua adolescência os momentos que mais te marcaram remetem a agressões dessa natureza. Estou certo? - nesse momento Jonas acenou positivamente com a cabeça, de forma constrangida-  Algumas pessoas reagem de uma forma, outras de maneira diferente. Isso varia de um para outro. Porém, o ponto comum disso tudo é que o dano causado é irreversível. As consequências podem ser maiores ou menores, mas existem em todos os casos.

Para que Jonas assimilasse o que fora dito até então, Ângelo pediu dois cafés, fazendo uma pausa para que o rapaz descansasse por um breve momento.

Quando os dois cafés chegaram, notou que Jonas olhava para o fundo da xicara como se enxergasse com tristeza aquele dia. Fitou o café até que uma lagrima rolou de seu rosto.

Era o momento de retomar o raciocínio.

- Vamos falar um pouco sobre culpa – disse Ângelo. Ao contrario do que muita gente pensa, dependendo da intensidade com a qual é sentida, a culpa não é algo tão terrível assim. Desde que em doses moderadas, ela pode representar um aprendizado, uma moldadora de condutas que serve para aperfeiçoar atos de convivência. Todo sentimento ruim pode ser usado a nosso favor. A depressão é um exemplo disso! Ela força o cérebro a trabalhar sem descanso, muito embora essa atividade seja negativa na maior parte do tempo. Porém, se conseguimos utilizar um potencial enorme do nosso cérebro trabalhando pensamentos ruins, podemos usa-lo para as demais situações da vida. Todo sentimento ruim pode ser usado como aliado. A culpa não é diferente. Desde que não seja algo que nos consuma por dentro, ela pode ser usada como um meio de aperfeiçoar nosso “eu”. Mas, no seu caso, a intensidade não permite esse exercício e para que você tenha um pouco de paz, é preciso abandoná-la. Sinto insistir nesse assunto, mas você tem pouco tempo de vida. Se você não se libertar dessa culpa, ainda que um pouco dela, não conseguirá partir em paz. Proponho mais uma vez um exercício: diga-me como você gostaria que aquele dia fosse? O que você mudaria nele?

Jonas procurou as palavras certas, pois não queria jogar ao vento qualquer afirmação. Não tinha tempo para aquilo. Quando se sentiu preparado, tomou um gole do café e levantou a cabeça. Seu olhar era assustadoramente demoníaco como se tivesse retornado naquele dia e a fúria tivesse tomado conta do seu coração. Sem muito relutar começou a falar:

- Se eu pudesse voltar naquele dia talvez pusesse para fora toda a fúria que se apossou do meu coração ao longo de todos esses anos. Quando avistasse meu irmão sendo arrastado por aquele maldito teria voado no pescoço dele e descontado todo o ódio que eu sentia naquele momento, de tudo o que ele já havia feito comigo e do que estava fazendo com meu irmão. Provavelmente eu deixaria um estrago bem grande nos dentes dele e ele pensaria duas vezes antes de fazer o que estava acostumado com qualquer outra pessoa naquele mundo. Deixaria bem claro para todos os expectadores daquela barbárie que, o próximo que mexesse com a minha família teria o mesmo destino. Eu sempre fui uma pessoa inimiga da violência, mas por muito tempo a violência foi meu algoz. Um dos meus maiores arrependimentos foi não ter agido de forma violenta naquele dia. Ainda que eu não agisse dessa forma eu deveria ter defendido o meu irmão e se eu pudesse voltar naquele dia, teria feito isso. Teria defendido ferrenhamente o meu irmão.

Após uma breve reflexão Ângelo disse:

- Não digo que se você tivesse usado a violência teria resolvido seu problema. O que “os violentos” não sabem é que o uso da força traz uma satisfação momentânea que não faz valer os danos causados, esses sim permanentes. A violência não é a resposta, não é a reação mais adequada. Nesse exato momento, a ideia de ter sido violento te trouxe uma satisfação, um prazer. Mas posso assegurar que essa satisfação durará poucos instantes. A linha entra a humanidade e a bestialidade é tênue meu amigo. Em poucos segundos deixamos de ser racionais e passamos a ser bestas violentas e cegas. Vale a pena? Não. Essa é a resposta. A vida desse garoto que te agredia pressupunha a violência, pelo ambiente que viva. Tenha a certeza de que a violência lhe era comum. Ele só sabia agir com esse tipo de violência, que causou tanto dano a todos. Hoje não posso dizer qual foi o destino desse garoto. Mas posso assegurar que a violência o acompanhará para sempre. Pessoas nascidas “no campo de batalha” tendem a viver “no campo de batalha” e tem por destino morrer “no campo de batalha”. Quem conhece a brutalidade e a experimenta, dificilmente a abandona ou acaba se tornando um escravo dela. Considere-se um privilegiado por não ter cedido aos caprichos da violência. Claro que você deveria ter defendido seu irmão, mesmo que tivesse sofrido por causa disso. Porém, imaginemos que você tivesse conseguido dialogar com aquele garoto e mostrado que ninguém incomoda sua família, isso resolveria seu problema? Respondo: sim! Pois você não foi criado em um campo de batalha. Nunca se arrependa por não ter sido violento.

Jonas não sabia o que dizer. Porém a ideia de ter defendido seu irmão, mesmo que sem uso da violência, deixava seu coração mais leve. Sentia-se em paz e aceitava a ideia de ter conseguido dialogar com aquele garoto, ainda que fantasiosa.

Mesmo que tivesse alimentado a ideia de ser violento por toda sua vida, hoje sabia que não era o melhor a fazer. Sentia-se em paz e enxergava aquele dia como o “dia em que o bullying foi enfrentado sem o uso da força”.

Essa é uma conclusão difícil de alcançar sozinho. Porém seu coração estava leve. Estava em paz. Aquele dia não mais o incomodava e poderia partir sem que ele o puxasse para o passado.

Voltou caminhando com dificuldade para seu quarto, apoiando-se em Ângelo. Mas estava satisfeito. Aquela tinha sido a melhor caminhada da sua vida, mas não por ter sido uma das ultimas.

Aquela caminhada foi sua libertação de um sentimento há muito aprisionado e que o prendia a um perfil violento que não o pertencia.

Estava, mais uma vez, em paz.

 

CONTINUA NA PARTE IV

  

terça-feira, 11 de agosto de 2015

BREVE DESABAFO


Amigos, romanos, compatriotas. Sei que o objetivo do meu blog não é representado por  esse texto mas eu acho que como um espaço onde compartilho com meus amigos alguns pensamentos perdidos, acredito que não haja mal algum em desabafar um pouco.

Em um dos meus últimos posts da minha antiga conta do Twitter (desativada em 11/08/2015) eu dizia que pouco depois de completar mais um ano de vida, cheguei a conclusão que foram 35 anos dedicados, grande parte, em desfazer equívocos sobre mim, sobre minha essência, sobre meu caráter. Querem alguns exemplos?

Em meu primeiro emprego fui acusado de ter roubado uma bicicleta. Isso mesmo. Sempre fui educado desde pequeno no sentido de batalhar pelo que é meu. E lá estava eu, trabalhando e sabe-se lá por que cargas d'Água um cliente da imobiliária onde eu trabalhava resolveu me acusar de ter entrado na casa dele e roubado sua bicicleta. 

Depois disso várias outras situações foram colocadas e eu optei por sofrer calado as vezes por culpas que não me pertenciam. Já fui chamado de mentiroso, oportunista, mercenário, grosso, alienado, louco, covarde, doente mental, violento, etc etc etc...

Preferi expurgar da minha vida quem me tratava dessa forma por uma razão simples: se a pessoa não conhece minha essência e não se dá ao trabalho de conhecer, não merece minha atenção.

E assim fui vivendo meus dias. 

Até que recentemente outro duro golpe é lançado. Uma pessoa que gosto muito foi atacada na internet e o agressor usou de meu nome para tanto, simulando um suposto relacionamento entre mim e essa pessoa. 

Pois bem, criou-se um mal entendido enorme que pôs em cheque todos os meus valores, minha palavra é meu caráter.

Eu poderia usar o mesmo artifício dessa pessoa e procurar um por um que ainda duvida de mim e acha que faço parte de um plano sórdido arquitetado por essa pessoa.

Não amigos. Não farei isso e por alguns simples fatores.

O primeiro deles é o fato dessa pessoa se utilizar desse approach para causar o terror na internet. Não. Eu não sou assim.

Em segundo lugar eu não tenho mais paciência para me justificar para pessoas que já devem estar com a cabeça feita em relação a mim. 

Portanto, a maneira que encontrei para desabafar e tentar fazer com que aquele Leandro enaltecido outrora não seja vilipendiado e morto por uma boataria sem o menor fundo de verdade é utilizando o meu espaço para dizer que eu não tenho nada a ver com essa situação. Infelizmente meu nome foi utilizado por ser a forma mais sórdida de atacar alguém que gosto muito. 

Felizmente a pessoa atacada acredita em mim e já manifestou isso expressamente. O que me deixa muito mais tranquilo, inclusive. É por ela que escrevo esse texto.

Para que ela saiba que, por mais que o boato se espalhe (e infelizmente tende a se espalhar) eu venho aqui dar minha cara a tapa e coloco meu blog (que é meu refúgio) como aposta de que não tenho efetivamente nada a ver com o que aconteceu. 

Aos demais eu espero, do fundo do meu coração, que acreditem em mim. Mas não posso obriga-los. Se não acreditarem é um direito e eu pouco ou nada poderei fazer em relação a isso.

Se for mais fácil acreditar em alguém que tem como diversão espalhar o terror pela internet, que assim seja!

Mas o que eu tinha a dizer está dito. Acredita quem quer. 

Fica aqui mais uma justificativa na minha vida. Perdoem pelo uso do espaço. Sei que os que acompanham minhas postagens entenderão. 

Beijos a todos 

sábado, 1 de agosto de 2015

O PALHAÇO ESTÁ CHORANDO 


Era chegado o momento de começar mais um espetáculo. Lá estava ele em seu camarim, preparando sua maquiagem. Os anos foram passando depressa e ele percebia que cada vez mais aquele ato passava a ser mecânico e sem muita empolgação.

Fitou seu rosto sem os traços marcantes que o fizeram ficar conhecido. Estava sozinho é aquela lágrima que caia do seu rosto não poderia ser vista por ninguém. 

Não conseguia mais manter seu segredo: ele como qualquer outro ser humano, sofria. 

Era difícil disfarçar tanta tristeza para aqueles que sempre esperaram seus sorrisos, às vezes até pagavam para vê-lo. A alegria estampada no rosto das crianças fizera com que ele abdicasse do seu verdadeiro eu por longos e longos anos. Mas a vida sempre volta para cobrar suas dívidas.

Hoje, já em estágio de maturidade avançado, não conseguia mais usar aquela maquiagem. Por longos e longos anos, engoliu o choro para fazer bem aqueles que o procuravam, abrindo mão de seus sentimentos em troca do bem estar alheio. Tinha como filosofia de vida, uma música do Queen chamada  “The Show Must Go On” e que, entre outras coisas, diz mais ou menos isso:

“O show deve continuar.
Por dentro meu coração está partido
Minha maquiagem derretendo
Mas meu sorriso... Se mantém firme”

Mas ele não podia mais com isso. Ele não queria mais sorrir. Ao menos algum dia queria ser ele mesmo e compartilhar com alguém os infortúnios que sempre o fizeram definhar por todo esse tempo. 

Mas ele era “o palhaço”. Que sentido tem um palhaço que não sorri e nem provoca sorrisos? Se o palhaço não sorri que motivos eu tenho para sorrir?

Pois é. Sempre ouvia essas indagações quando tentava se abrir com alguém. 

Então aquele que parecia cercado por todos era, na verdade, a mais solitária das almas, condenada a provocar sensações nos outros que nunca fora capaz de experimentar e, portanto, duvidava de sua existência ou força.

Nem sempre somos o que parecemos meia amigos. Muitas vezes usamos o que a psicologia chama de “máscara social”, que nada mais é do que um mecanismo de defesa que nos permite esconder os sentimentos mais profundos e tristes daqueles que não entenderão sua magnitude. Em outras palavras, nada mais é do que disfarçar o verdadeiro “ eu”, que muitas vezes fica tão escondido que quase ninguém o conhece, além de nós mesmos.

Esse texto tem notas de autobiografia como puderam perceber. Digamos que sou um especialista em “máscara social”. Sou, também, um especialista em manter o sorriso mesmo quando meu coração esteja totalmente destroçado, como está agora que escrevo esse desabafo. 

As vezes nos sentimos mortos por dentro. Eu me sinto assim com uma frequência avassaladora e, honestamente, acredito que pouca gente entenderia a dimensão desse sofrimento.

Ao longo da minha vida fui obrigado a ver as pessoas irem embora sem que eu pudesse fazer nada. Minha vida se divide em alguns sentimentos básicos: culpa, impotencia, tristeza, desilusão. Na maior parte do  tempo é assim que me sinto, mas pouca gente sabe disso.

Mais uma vez eu me arrisco ao expor meu interior dessa forma, mas para aqueles que conhecem o lado bom desse que vos escreve, digo: O PALHAÇO ESTÁ CHORANDO. 

Sim, ele também chora e chora muito. Pode ser que amanhã eu volte a colocar a maquiagem e faça meia dúzia de gracinhas ou seja aquela pessoa que todos estão acostumados.

Mas não hoje.

Hoje vivencio um turbilhão de sentimentos e tristezas. É preciso passar por esse luto. Pode ser que amanhã tudo mude e as coisas estejam melhores. Mas não hoje.

A vida nem sempre é um conto com final feliz. Para muitos é mais um filme de guerra, tetros ou suspense, no meu caso ela é um pouco desses três.

Hoje o show não vai continuar. Meu coração está quebrado demais para que eu simplesmente esqueça e mantenha o sorriso. Não hoje.

Perdoem esse palhaço que, hoje, está cansado demais para se maquiar e arrancar o sorriso de todos.

O palhaço está chorando. Ele também é de carne, osso, coração e cérebro. 

Ele também sofre, também chora, também se culpa (e como). Ele se cansa, ele se entristece, ele se chateia, ele sorri muito pouco.

Mas não se preocupem... No fim das contas, ele é só mais um palhaço e o show sempre vai continuar, com ele ou sem ele.

quarta-feira, 29 de julho de 2015


“ANTES DO FIM”

CAPÍTULO II


Passava das onze da manhã. O dia estava chuvoso e Jonas deitado em seu leito olhava para as gotas de chuva que batiam na janela do seu quarto.

Sua cabeça doía muito. Formou-se um silêncio sepulcral naquele recinto. Ângelo empunhava sua caneta esperando que Jonas começasse a falar sobre os dias que gostaria de mudar na sua vida.

Mas o rapaz parecia profundamente triste e de certa forma relutante em começar a falar. Por isso Ângelo resolveu sair da sala e deixar Jonas sozinho por alguns instantes para que pudesse entrar em contato com seu passado e ajustar as contas com ele, antes que a morte o levasse.

Jonas olhou mais uma vez pela janela e se lembrou de quando era apenas um garoto, de cerca de onze anos. Aquela chuva o fazia lembrar de um dos momentos mais tristes de sua infância e que seria o primeiro que mudaria.

A janela lembrava a que ficava no quarto de seus pais, onde o rapaz passava a maior parte do seu tempo olhando a rua, acompanhando as pessoas que ali passavam, apressadas e sem perceber aqueles pequenos olhos atenciosos acompanhando seus passos.

Gostava de parecer invisível na maior parte das vezes. Achava que tendo esse poder, seria capaz de conhecer as pessoas em sua essência sem que com elas interagisse. Era bastante observador e chegava a imitar os movimentos que presenciava.

Em frente ao hospital um colégio funcionava a todo gás. Era momento de saída dos alunos e Jonas captou uma mãe que esperava seu filho sair. Estava de guarda chuva. Não demorou muito até que o garoto aparecesse e pulasse no colo daquela jovem mãe, abrigando-se debaixo do guarda chuva.

Por um instante o choro veio até a garganta. Mas ele se conteve. Sabia que precisaria começar a desabafar o quanto antes com Ângelo e que as lagrimas poderiam prejudicá-lo nesse momento.

Precisava manter as emoções controladas para que pudesse ser o mais sincero possível, afinal, restava-lhe pouco tempo.

- Podemos? – disse Ângelo sentando-se ao lado do leito.

Jonas olhou o psicólogo e voltou a se deitar.

- Engraçado – disse ele – eu acabei de presenciar uma cena que fez eu me lembrar do primeiro dia que gostaria de mudar na minha vida. Minha família sempre foi muito humilde e nós sempre cuidamos um do outro. Mas nem todos tiveram esse pensamento a vida toda.

Ângelo nesse momento passou a anotar as palavras que Jonas dizia acompanhando suas reações. Prosseguiu:

- Eu me recordo de um dia chuvoso como o de hoje. Eu devia estar na terceira série do primário, não me recordo ao certo. Era hora da saída e eu procurei me abrigar com os amigos embaixo de uma marquise na porta da escola, sem perceber que minha mãe me aguardava do lado de fora com um guarda chuva, o que me causou um desconforto imenso, pois eu não queria ser o “cara que a mamãe vai buscar na escola”. Naquela época era comum voltarmos sozinhos para casa, mas estava chovendo demais e minha mãe se dispôs a enfrentar aquela tempestade para buscar o filho. Eu senti vergonha. Quando ela veio em minha direção eu fingi que não a conhecia e continuei conversando com meus amigos, que dividiram o guarda chuva comigo. O que mais me choca até hoje e que naquele momento não representou muita coisa foi o fato de minha mãe ter cedido seu abrigo para que nem eu nem meus amigos nos molhássemos. A cada tentativa em pegar minha mão eu me esquivava. Olhei em seu rosto e, em meio aos pingos de chuva que caiam em seu rosto eu pude perceber uma lágrima caindo. Aquela lágrima que sai cortando o olhar, como se viesse diretamente de um reservatório de decepção. Ela estava triste com minha ação. Eu a ignorei, tive vergonha dela. Ao chegar em casa ela chorou copiosamente e eu não tinha a menor noção do que teria acontecido, muito menos que tal fato teria se desencadeado por minha causa. Algum tempo depois, um pouco mais maduro eu descobri o motivo. Ninguém sabe que a culpa que eu carrego teve inicio nesse episódio. Minha mãe sempre se desdobrou para que tivéssemos o melhor, sempre cuidou da gente. Porém, na primeira oportunidade eu a “presenteio” com uma cena dessas. Os anos foram se passando e a cada novo carinho que ela me fazia, cada novo ato de bondade, cada “eu te amo” que ela dizia eu sentia uma punhalada enorme no meu coração. Eu nunca me perdoei pelo que aconteceu e dificilmente conseguirei me perdoar, mas gostaria de poder mudar esse dia. Com toda a força do meu coração, eu queria poder voltar naquele dia chuvoso e pular no colo dela quando a visse na porta da escola e dizer que a amava na frente de todos. Eu sei que no fundo isso é uma coisa que também a deixa magoada até hoje, mas o coração daquela mulher é tão grande que ela não deixa que isso a sufoque. Mas eu sei que ela não esqueceu.

E Jonas chorou. Copiosamente.

As lágrimas que caíam de seu rosto eram tão pesadas que pareciam furar o chão. Afinal de contas, aquele segredo permaneceu intocado por mais de 25 anos. A culpa também veio junto com o pranto. As lágrimas pareciam uivar como lobos ao saírem de seus olhos, carregadas com o mais negro dos sentimentos: a mágoa de si próprio. Experimentar o imperdoável lhe deixou naquela situação. Era como se um demônio se revelasse dentro dele mas insistisse em gritar “essa alma é minha e ninguém será capaz de me tirar daqui”.

Ângelo, porém, deixou que aqueles anos de culpa deslizassem no fluxo daquelas lágrimas. Depois ousou falar.

- Eu não posso simplesmente arrancar essa culpa de você. Eu até acho que você deva expiá-la, se é algo que te incomodou por tanto tempo assim. Mas algo precisa ser dito. O que aconteceu não quer dizer que você não tenha amado sua mãe. Não é nada disso. Esse episódio apenas revelou uma necessidade momentânea de se sentir incluído. Você sempre foi uma pessoa introspectiva e aquele fato ameaçava a única chance de um momento de libertação, ainda que pequeno. Óbvio que ela deva ter ficado decepcionada, pois não esperava essa atitude. Mas se esse é o momento em que você deve expiar sua culpa, faça-o, mas prepare-se para tentar abandonar esse sentimento. Depende mais de você do que da medicina, da psicologia, enfim. Você deve entender que foi um episódio isolado e que – sim – você poderia ter agido de forma diferente, mas não o fez. O que resta fazer? Superar. Você ama muito sua mãe e a maior prova disso é esse fardo que você insistiu em carregar sozinho por longos anos. Não confunda isso. É comum os jovens quererem uma certa autonomia nas relações, sem a interferência dos pais. Você queria mesmo que esse dia fosse diferente? Descreva-o para mim.

- Eu a abraçaria – disse Jonas – e a beijaria como se fosse o último dia da minha vida. Jamais a deixaria na chuva, enquanto eu me abrigava. Faria tudo por ela naquele momento. Faria as graças que sempre fiz enquanto pequeno para que o caminho até nossa casa fosse o mais ameno possível, debaixo daquele temporal. Eu diria que a amava. Mas não posso fazer isso...

- Por que não? – disse Ângelo – A partir de agora essa é sua nova realidade. Aquele dia deixou de existir. Você vai condicionar seus pensamentos e direcioná-los a abandonar esse fardo, desenhando o modelo de dia chuvoso perfeito que você acabou de me descrever. É isso que você deve levar consigo. Os melhores momentos da sua vida, ainda que apenas na sua imaginação tenham acontecido. Liberte-se dessa prisão!

Jonas sentiu-se leve ao imaginar o sorriso orgulhoso de sua mãe ao discutir com ele as matérias dadas em aula até o portão de casa. Sentar e tomar um chocolate quente, explicando os fatos históricos relevantes que viu em aula.

E sorriu. Pela primeira vez em anos sorriu ao lembrar-se daquele dia. Era como se uma imensa e carregada nuvem tivesse sido removida de cima dele e o sol passasse a reinar após aquele temporal.

Curiosamente, ao olhar pela janela notou que havia parado de chover e o sol brilhava, faceiro entre as nuvens. O cheiro de asfalto molhado invadia o recinto. Aquele demônio aprisionado parecia ter sido domado. Ele ainda existia, mas não dominava tanto a alma de Jonas.

Ainda olhando para fora, vendo o sol, disse algo que nunca teve a oportunidade: “eu te amo mãe”.


CONTINUA NO CAPÍTULO III  


sábado, 25 de julho de 2015

“ANTES DO FIM”

CAPÍTULO - I



Desconhecemos totalmente os perigos da imersão na própria solidão. Podemos invadir um território extremamente hostil que oferece inúmeros caminhos sem volta, tristes, escuros e perigosos.
Jonas experimentou essa sensação.
Em um dia qualquer de sua vida acordou numa cama de hospital, rodeado de aparelhos, com acessos nos braços e uma dor lancinante na cabeça.
Sem saber o que acontecia, notou a presença de duas mulheres (pelas roupas brancas concluiu que se tratavam de duas enfermeiras) que faziam algumas anotações e checavam seus sinais vitais, pressão arterial e temperatura. Ainda com a visão turva, esboçou uma pergunta mas percebeu que lhe faltavam forças para continuar.
No mesmo instante uma indagação veio em sua mente: “como eu vim parar aqui?”
Então, começou a se lembrar dos seus últimos passos, suas ultimas ações e seus últimos sentimentos.
Jonas trabalhava em uma agência de publicidade. Tinha 35 anos e Morava sozinho. Do que se lembra, acordou naquele dia antes mesmo do celular despertar e foi tomar seu banho matinal.
Após vestir a roupa, fez um café (ato que repetia todas as manhãs) e se colocou a pensar na vida. Ligou o rádio, que sempre fazia companhia nos momentos difíceis de sua vida. Checou as mensagens do celular. Inúmeras. Mas decidira que, naquela manhã não responderia.
A exemplo de outros dias estava triste, porém naquele dia essa tristeza parecia ser mais contundente. Apesar de ter muitos amigos e ser respeitado no meio em que atuava, sentia-se sozinho. Há anos sofria silenciosamente com a depressão, quase sempre acompanhada de crises demoníacas de enxaqueca e pesadelos assombrosos, todas as noites. Não aguentava mais conviver com tudo aquilo.
Era considerado pelas pessoas como o “ombro amigo”, aquele com quem podiam contar em qualquer ocasião, seja no meio profissional ou não. Os momentos em que ele deixava sua casa no meio da madrugada para encontrar um amigo que precisasse de uma ajuda, uma conversa ou, apenas, uma cerveja não eram tão raros assim.
Mas, sentia-se sozinho diante de suas próprias limitações e frustrações, que não eram ouvidas ou conhecidas por quase ninguém. Não tivera sorte com relacionamentos, os quais na maior parte das vezes tiravam dele o que tinha de melhor e nunca devolviam. Iam embora como vampiros a procura de sangue novo.
Muitos dos que passaram por sua vida adotaram uma postura extremamente agressiva, mesmo sabendo de sua sensibilidade aguçada. Chamaram-no de todo tipo de monstro, mesmo ele não sendo nada do que falavam. Mentiroso, oportunista, aproveitador. Isso o atingia como punhaladas no meio do peito, perfurando o coração a causando um sangramento difícil de curar.
Carregava culpas do passado, por ações que no seu modo de pensar poderiam ter dado um destino diferente em sua vida, caso fossem feitas de outra forma. Carregava por 35 anos o peso das culpas antigas e das novas culpas que vinham sendo trazidas sistematicamente ao seu conhecimento por pessoas que ele amou e que deixaram sua vida sem nem olhar para trás para enxergar o estrago que haviam feito.
Chorava sozinho. Ninguém sabia muito a respeito de suas dores e anseios. Apenas sabiam que ele era alguém para quem poderiam correr em caso de necessidade e que, caso o magoassem ele não faria nada a respeito.
Era a “carta de segurança”.
A depressão e as fortíssimas dores de cabeça o consumiam. Os pesadelos passaram a ser mais frequentes e os remédios já não o mantinha estabilizado e as crises passaram a ser frequentes e diárias. Naquele dia mesmo ele acordou ciente de que seu dia não seria fácil. Ainda no banho sentiu uma forte pontada em sua cabeça, o que indicava que mais um dia de enxaqueca o aguardava.
Já com a caneca de café na mão, olhou pela janela e viu as pessoas que passavam pela rua, apressadas. Por um minuto seus pensamentos deram lugar à reflexão sobre a musica que tocava no rádio, cujo refrão dizia:
“Como eu posso me sentir abandonado mesmo quando o mundo me envolve? Como eu posso morder a mão que alimenta os estranhos ao meu redor? Como eu posso conhecer tantos sem nunca realmente conhecer alguém? Se eu pareço super-humano Eu tenho sido mal interpretado” (Misunderstood – Dream Theater)
Sentia-se exatamente assim: um estranho largado numa multidão, falando uma língua estrangeira, com hábitos diferentes. Sozinho. Abandonado. Porém, as pessoas o enxergavam de forma equivocada.
Aquele cara que aparentava ser o “porto seguro” de todos era, na verdade, a criatura mais frágil do planeta. Sofria e não era pouco.
Antes mesmo que terminasse o café, olhou para o fundo da caneca e decidiu tomar a atitude mais drástica de sua vida: cometeria suicídio ainda naquele dia.
Estava decidido e ao chegar a essa conclusão chorou copiosamente pensando, ainda, em tudo o que deixaria para trás.
Mas não aguentava mais aquela pressão e aquelas dores. Precisava de uma saída libertadora, precisava fugir daquele lugar que só lhe trazia dor e sofrimento. Não tinha mais motivos para viver. Seus dias eram tomados por um profundo e sombrio vazio, o qual era sempre escondido por um sorriso. Ninguém desconfiava, nem desconfiaria do que havia levado Jonas a tal decisão. Mas ele não conseguia mais disfarçar. Nem queria.
A vontade de fugir era mais forte do que procurar uma ajuda que talvez não chegasse ou, ainda que viesse, não fosse eficiente ou sincera. Estava cansado dos tratamentos, das máscaras, do choro solitário e das pessoas que o procuravam como se ele fosse um confessionário disponível 24 horas por dia.
Decidido, saiu de casa e dirigiu-se até o ponto onde seu ônibus já estava parado. Entrou, sentou-se e olhou pela janela. A dor de cabeça parecia aumentar para um formigamento e pulsação constantes, seguidas de fortes pontadas que eram capazes de fazer suas pálpebras se contraírem.
Olhou para a rua e viu o vento arrastando algumas folhas. O céu estava claro, sem nenhuma nuvem. A temperatura daquele outono era agradável. Mesmo com a dor incômoda ele sorriu e pensou: “de fato hoje é um dia perfeito para morrer”.
Não se lembrava de mais nada depois disso, só das enfermeiras circulando seu leito naquele hospital.
Perifericamente, pode notar que a seu lado estava sentado um homem de meia idade. Não parecia médico, pois suas roupas eram diferentes das que estamos acostumados a ver em hospitais. Era de estatura mediana, barba por fazer, já um pouco grisalha. Ajeitava o óculos enquanto olhava os aparelhos que estavam conectados a Jonas. Usava roupas simples, uma calça jeans e uma camisa, com as mangas dobradas até o cotovelo. Virou a cabeça e pode perceber uma prancheta em sua mão esquerda e na outra uma caneta.
Definitivamente ele não era médico - pressupôs.
- O que eu estou fazendo aqui? Quem é o senhor? – disse Jonas ainda com a voz fraca por conta do período em que ficou desacordado.
O homem então, sem muitos rodeios disse:
- Meu nome é Ângelo e, como você pode perceber estamos em um hospital. Eu sou psicólogo e fui designado para acompanhar seu momento pós operatório. Talvez você não se recorde mas o resgate o trouxe aqui há dois meses atrás depois de você ter sofrido uma forte convulsão dentro de um ônibus e ficado inconsciente depois disso. Após alguns exames foi diagnosticado um tumor de rara incidência em adultos, no seu cérebro, chamado Ependinoma. Você foi submetido a uma cirurgia e cá estamos nós.
Jonas então, assustado resolveu perguntar:
- Mas por qual razão o hospital mandou um psicólogo conversar comigo? Qual o propósito disso?
Ângelo, sem muito titubear respondeu:
- A equipe médica não conseguiu extrair o tumor e a noticia que tenho a dar talvez não seja das melhores, mas foi detectada metástase no sistema nervoso central, ou seja o câncer de espalhou e atingiu um estado irreversível e... (interrompido por Jonas)
- Quanto tempo? Diga a verdade!
- Não se sabe ao certo, talvez dias, semanas, mas não mais do que um mês. Por essa razão eu estou aqui, para conversar com você e te conscientizar de que a equipe médica está fazendo de tudo para que você fique o mais confortável possível, sem dor e com toda a assistência necessária nessa hora que sabemos ser a mais difícil.
Por um minuto Jonas olhou pela janela e viu o mundo que não conseguiria tocar nem sentir novamente.
Porém, não estava triste. O fim estava se aproximando e, com ele, o seu sofrimento. Não seria preciso tirar a própria vida, apenas esperar mais alguns dias para que tudo aquilo pudesse ter um fim.
Apenas queria partir sem dor e sem deixar aqueles que o amavam, sua família, seus pais e irmãos, com a melhor lembrança que poderiam ter dele. Isso o suicídio não poderia fazer.
Por um instante agradeceu por aquele tumor e sorriu, pois a dor e a vergonha não seriam tão grandes para os familiares. Apesar de morar sozinho (por opção) Jonas tinha uma família grande e amorosa. Ele se culpava por ter tudo isso e, ainda assim se sentir tão triste e sozinho.
Ângelo, então, interrompeu o momento reflexivo induzindo Jonas a falar um pouco sobre sua vida. Após narrar todo o episódio de depressão e das ideias suicidas Jonas resolveu ir além e ter com ele uma conversa que jamais tivera com ninguém.
Resolveu expor suas culpas e, perto do fim, tentar entende-las e deixa-las para trás. Queria partir bem, leve e livre de qualquer sentimento que pesasse sobre seus ombros.
- Agora que eu sei que vou morrer – disse Jonas – se eu pudesse ter um desejo apenas, eu gostaria de ter a possibilidade de voltar em cinco situações, cinco dias da minha vida, onde algo terrível aconteceu e refazer minhas ações daqueles dias. Mudar, fazer diferente. Era só o que eu poderia pedir agora que sei que minha morte é algo certo e irreversível. Não tenho medo de morrer e confesso que, por muito tempo esse foi meu maior objetivo. Mas antes que eu realmente me revestisse de coragem para me matar, queria viver um dia apenas, mesmo que por algumas horas, sem essas culpas que me massacraram a vida inteira por situações onde eu poderia ter agido diferente e não o fiz.
Ângelo então, entendendo os anseios de Jonas, diz, com a mais amistosa das vozes:
- Então vamos começar a lembrar dessas dias. Conte-me exatamente o que aconteceu, como isso te magoou, por qual razão te afeta até hoje e o que você poderia fazer para que isso mudasse, qual atitude tomaria. Talvez isso te deixe melhor, talvez não. Mas minha opinião pessoal é que, perto da morte, vale a pena lidar com sentimentos mal resolvidos, para que tudo fique esclarecido e você possa partir em paz consigo mesmo. Afinal de contas, se você procurou a paz esses anos todos, nada mais justo que a encontre, ainda que por um breve momento. Por isso estou aqui.
Nesse momento, pegou a caneta, a prancheta e disse:
- Comecemos pelo primeiro dia. Conte-me o que aconteceu.


CONTINUA NO CAPÍTULO II