domingo, 15 de dezembro de 2013

“NUNCA É TARDE DEMAIS”


Eu ainda não acreditava quando desliguei o telefone.

Aquela pessoa que havia crescido junto comigo e meus irmãos, que tinha rido junto conosco, compartilhando momentos tão especiais da minha vida e da vida da minha família havia deixado de existir. De uma forma tão idiota.

Um acidente vitimou um dos meus melhores amigos e eu não conseguia lidar com o misto de sentimentos que havia me tomado naquele momento.

Por diversas vezes fui ausente com ele. Quase sempre na verdade, mas ele nunca me negou sua lealdade e sua amizade.

Mas agora era tarde demais e eu não poderia dizer a ele que eu sentia muito.

Decidi então que sairia de casa em direção ao local do acidente, fazer sabe-se lá o que, mas meu coração me impulsionou a isso.

Foi quando há cerca de quinhentos metros do local onde os carros se choraram eu percebi uma pessoa atrás de um poste, escondida, encolhida parecendo estar com medo de que alguém o visse e, ao mesmo tempo, apavorada com a cena que via.

Ao me aproximar um pouco mais, senti um calafrio tomar a nuca e, por um instante fiquei estático, congelado: era meu amigo que lá estava, em pé olhando para aquela cena horrível.

De pronto corri em direção dela achando que a alguma informação pudesse ter sido passada de forma errada e que ele estava vivo, mas a face dele não era de algo ou alguém desse mundo.

Era pálida e os olhos fundos. Chorava, mas parecia tatear o vazio em busca de algum apoio, quando eu cheguei do seu lado, perguntando o que havia acontecido e por qual razão ele estava ali parado.

A resposta me causou a pior sensação da minha vida: de fato morrera, mas havia sido enviado para poder se despedir dos mais queridos e se desculpar com quem quer que tenha magoado, enfim, consertar algumas coisas para que a partida fosse tranquila.

Por um segundo ficamos ali, ambos assustados e sem saber o que pensar ou o que falar, quando, de repente digo a ele:

- Onde vamos primeiro?

Ele, então, me responde:

- Leve-me até seus pais e irmãos.

E assim o fiz.

Demorou uns instantes para que minha família entendesse todo o significado daquilo, mas durante umas duas horas ele disse que aquela tinha sido sua segunda família e que durante o momento em que esteve no seio daquele ambiente havia sido muito feliz e que, ainda, por conta de sua morte súbita e prematura, não pode dizer o quanto gostava de todos.

Abraçou um a um e saímos.

Depois perguntei onde mais o levaria:

- Preciso me despedir da minha mãe e dizer a ela o quanto a amo e o quanto ela foi importante na minha vida - respondeu.

Foi o momento mais difícil, do qual evitei participar, limitando-me, apenas a explicar para aquela senhora tão machucada pelos fatos recentes que se tratava de um filho querendo um abraço de mãe.  Eu não estava preparado para presenciar aquele momento e preferi deixa-los a sós afinal de contas, faltavam poucas horas para o amanhecer.

Após algum tempo, mais uma vez ele veio até mim e disse, agarrando-me pelo braço:

- Não deixe que me levem! Ajude-me a escapar dessa morte horrenda e desse vazio triste. Não quero partir! Não agora!

Eu me perguntava o que eu poderia fazer e disse:

- Meu amigo, há alguma forma de eu trocar de lugar com você? Se houver me diga que eu farei!

Ele então me diz, de forma triste:

- As coisas não funcionam dessa forma. Quando dei por mim vi uma luz no fim do que parecia um túnel e uma pessoa vinha em minha direção, mostrando-me o acidente e meu corpo sem vida. Naquele momento percebi que havia, de fato morrido. Então aquela pessoa me disse que havia sido concedida uma última graça, que durante uma noite eu teria a oportunidade de tentar falar com quem eu mais amava e pedir perdão para quem eu magoei. Mas não há nada mais depois disso, ao amanhecer preciso estar pronto para a travessia. Mas eu agradeço sua disposição em trocar de lugar comigo, mas não vai adiantar. Eu queria mesmo evitar esse vazio da morte e a incerteza do que vem depois. Nunca fui uma pessoa que acreditou muito em planos superiores, portanto nem sei em que pensar. Mas a idéia de que não habitarei mais esse mundo me aterroriza. Não quero morrer, não quero partir!

Não sabia o que fazer e antes que eu pudesse pensar em alguma coisa, os primeiros raios de luz do dia começavam a raiar e, quando dei por mim, estávamos perto do que parecia ser uma ponte, onde diversas outras pessoas estavam paradas.

Então ele disse:

- Bom meu amigo, aqui tudo tem fim. Preciso me juntar aos outros e aceitar o meu destino. Obrigado por tudo e pela sua amizade, preciso ir.

E, ali, naquela ponte ele se sentou com diversas outras pessoas que pareciam esperar algum tipo de transporte que os levaria desse mundo. Nesse momento uma música triste passava pela minha cabeça e as lágrimas caíam do meu rosto.

De repente, um ultimo olhar e um ultimo aceno.

Quando acordei fiquei o dia todo assustado com esse sonho.

Primeiro pelo horror que é você receber um pedido trágico e não poder atender.

Segundo porque eu me peguei pensando em diversas coisas, entre elas no péssimo amigo que me tornei. Ingrato e indiferente.

O que eu tenho feito pelos meus amigos?

Nada!

Essa é a resposta! Nada vezes nada! Tenho sido uma pessoa horrível esses anos, não considerando o carinho que muitos dos maus amigos dirigem a mim e sem querer nada em troca, o que é pior.

Toda lealdade que tenho deles parece que eles não tiveram de mim. Todas as broncas não foram por mim bem interpretadas sendo que, nenhuma delas foi visando meu mal estar. Mas eu não entendi isso.

Às vezes por preguiça ou, ainda, por colocar outros compromissos antes, deixei de visita-los. Para mim era algo muito tranquilo, mas para eles não.

E eu sei que meus amigos me amam, mas hoje eu percebo que não sou digno desse amor.

Não mesmo.

O sonho me fez crer que a única pessoa que pode mudar isso tudo sou eu mesmo. Pois existem coisas que não podemos fazer, é claro. Estão acima de nossas possibilidades humanas. Mas outras podemos sim!

Pois o que um amigo demanda são coisas simples, apenas.

Ele não quer presentes caros, não quer “status”.

O que ele quer é algo que não custa nada: Ele quer apenas seu tempo, quer desabafar, quer contar coisas que não pode contar para todo mundo, quer sentir um ombro amigo às vezes.
Eu posso mudar e mesmo sabendo que hoje não sou merecedor do carinho e amor que meus amigos tem por mim, eu farei por merecer!

domingo, 1 de setembro de 2013

“A CRIANÇA CRESCEU, O SONHO ACABOU"

 
Muita gente me pergunta de onde eu tiro os textos que escrevo. Muito bem, eu já disse outras vezes que sou meio que “um instrumento nas mãos dos textos”, ou seja, apenas exteriorizo o que já está pronto.
Mais ainda, eu costumo unir fragmentos que surgem na minha mente e parecem ser atraídos um em direção ao outro, formando o “produto final”.
Sabendo disso que pego uma citação de Comfortably Numb do Pink Floyd: “The child is grown, the dream is gone”, ou seja, a “criança cresceu, o sonho acabou”.
Digo isso, pois nos últimos dias refleti muito e cheguei à conclusão de que tive uma infância muito feliz.
Como cheguei a esse pensamento?
Vou lhes contar.
Sempre me perguntei de onde vinha meu fascínio pela estrada. Nunca havia concluído a resposta.
Como muitos sabem, minha profissão (advogado) exige que eu ande muito, que esteja nos lugares mais distantes da cidade.
Em direção a um desses lugares, na estrada, tive uma sensação estranha e, por alguns segundos eu percebi minha infância passar diante dos meus olhos e, então, tive a nítida noção de que fui a criança mais feliz do mundo.
Eu nunca tinha pensado nisso, até aquele dia.
Por força das consequências, minha mãe se mudou de Minas Gerais para São Paulo, em busca de uma vida melhor, melhores condições de trabalho.
Nesse processo, deixou a família toda e veio tentar vida nova aqui na nossa cidade, onde conheceu meu pai.
Casaram-se, tiveram quatro filhos e aqui se estabeleceram.
Mas as visitas aos parentes de Minas sempre era frequentes.
Afinal de contas, os pais e os irmãos lá ficaram.
Para nós, crianças, tudo era festa. Adorávamos viajar.
As quase dez horas de ônibus não eram problema, pois simplesmente nos encantávamos com tudo aquilo.
Mas o que ninguém sabia (inclusive eu) é que aquelas viagens tinham um sabor especial.
Ali na sala de espera da rodoviária, aguardando o ônibus que nos levaria eu olhava ao redor e tinha pena das outras crianças pois, todas iriam viajar, mas só eu iria ver a minha avó.
Nenhum deles iria ver a minha avó!
Eu era a criança mais feliz do mundo pois eu era o único (além dos meus irmãos) que poderia dizer de peito aberto que iria visitar a minha avó!
Ninguém tinha (ou tem ou teve) uma avó como a minha.
Dizem que avó é mãe com açúcar, mas a minha não sei definir o tanto de açúcar usado na sua fabricação, pois ela simplesmente é única.
Ao entrar no ônibus eu já começava a imaginar a recepção, o abraço que ela nos daria, as guloseimas e as duas garrafas de café que ela sempre fazia.
Isso mesmo!
Ela sempre fazia duas garrafas de café, uma mais forte e uma com um café um pouco mais fraco.
Tinha para todos os gostos.
Quando meu avô ainda era vivo a sensação era ainda melhor pois ele realmente fazia todas as nossas vontades (contrariando inclusive as instruções de meus pais).
Mas nada se comparava a sentir que minha avó estava tão perto, na distância de duas paradas para ir ao banheiro e tomar um café.
Quando chegávamos na cidade e sentíamos o cheio daquela terra parecia que o espirito saía do corpo e era transportado para uma dimensão onde tudo era perfeito.
Era difícil conter a ansiedade por chegar na casa dele e ver aquele avental, o pano de prato nas mãos e o lenço na cabeça cobrindo a vasta cabeleira que se manteve enrolada por toda a vida.
Ah minha vozinha querida, que saudade eu tenho da senhora.
Sinto falta das tardes em volta do fogão à lenha onde a senhora me explicava as diversas nuances do mundo, à sua maneira.
Onde sempre, acompanhando as fábulas, tinha uma guloseima ou outra para beliscar enquanto ficava ali só olhando o fogo queimar a lenha lentamente e ouvindo sua doce voz me mostrando que tudo o que era importante para a vida era a simplicidade.
Eu sempre disse que lá era meu lugar especial, meu paraíso particular.
Mas, não tem mais fogão à lenha, nem tardes de fábulas, nem tantas guloseimas assim.
A vida ficou dura e chata demais minha vozinha querida.
Aquelas tardes de sol em que eu ficava sentado olhando a senhora cozinhar não vão voltar mais.
Isso dói demais.
Sinto como se algo fosse abruptamente arrancado de mim com uma violência descomunal.
Não tem mais doce de leite, nem galinhada, nem mandioca cozida.
Eu cresci minha avó querida.
E talvez essa tenha sido a maior desgraça que aconteceu na minha vida.
Eu perdi a simplicidade que a senhora sempre me deu, que sempre me ensinou e, perdendo isso eu acabei perdendo o meu caminho.
Hoje, desorientado e sem rumo, eu só queria ter a chance de voltar no tempo e ouvir mais histórias sobre o mundo do jeito que a senhora enxergava.
Naquele tempo eu tinha muitos sonhos.
Hoje não tenho mais tempo para sonhar.
Como disse, o mundo virou um lugar chato e cansativo.
A inocência perdida não volta e isso me faz falta.
Muita gente diz que “se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo”.
Pois eu digo, minha avó querida, algumas coisas eu melhoraria, ou faria diferente.
Eu ouviria mais a senhora.
A maior dor do ser humano é descobrir que a vida passou e ele foi apenas um expectador, ignorando vários sinais que foram dados para que ele parasse e continuasse dali.
Por mais que ainda resta vida, nunca será tempo suficiente para apagar alguns erros que deixamos para trás e que, constantemente voltam à tona jogando um balde de arrependimento na nossa cara.
Minha vida passou minha avó.
O que sou hoje não reflete aquele menino que ficava horas e horas olhando a senhora cozinhar à beira do fogão à lenha.
Que chorava por dias quando tinha que voltar para casa.
Eu perdi aquela simplicidade e, perdendo-a, sei que ficou para trás parcela considerável da minha vida.
Mas se um dia fosse concedido, ainda que em meu leito de morte, algum desejo, eu voltaria no tempo minha avó querida.
Captaria toda a sua simplicidade a aplicaria na minha vida e, com certeza, seria uma pessoa muito mais feliz.
Mas a criança cresceu e perdeu seus sonhos...
A vida segue e, essa criança deve reaprender a viver, mesmo sem sonhar, mesmo com todo o arrependimento e a culpa por não ter feito diversas coisas da forma mais correta.
Talvez ela tropece de novo, talvez ela chore mais, talvez ela não reaprenda a sonhar.
Mas só resta viver.
Arrependido, triste, mas de pé.
Mas enquanto tiver na minha mente a imagem do fogão de lenha aceso, eu tenho forças para tocar em frente!
Pois nem toda simplicidade se apagou do meu coração.
Usando das palavras de Hamlet: “...dormir... talvez sonhar...”
É o que posso fazer, tentar voltar a sonhar, pois a vida que ficou para trás não volta e é preciso aprender a conviver com isso, com a velhice que nos é imposta e com a impossibilidade de os momentos bons voltarem.
O tempo é um senhor cruel que cobra um preço alto e exige pagamento, mais cedo ou mais tarde.
Hoje eu estou pagando, reconhecendo que o tempo passou e muito ficou para trás.
Mas a esperança de novos momentos memoráveis que estão por vir arde como a chama do fogão de lenha aceso.
Abraçado a essa esperança, sigo adiante, com o resquício de simplicidade que me restou!

domingo, 21 de julho de 2013

"O ÚLTIMO TEXTO DA MINHA VIDA"


Escrever nem sempre é simples como se imagina. Muita gente pensa que é fácil, mas, na verdade, é uma atividade muito dolorosa para alguns.

Dói, muito. Principalmente para aqueles que não traçaram a “arte de escrever” como meta para a vida.

No meu caso, escrevo por necessidade.

Mas quando as coisas surgem por necessidade nem sempre são prazerosas ou indolores.

O lado ruim de se escrever quando se tem como diagnóstico a depressão é que muitas das suas palavras, constantemente, são interpretadas como se fossem as últimas.

Nem sempre é assim.

Muitas vezes são apenas um reles desabafo sem destinatário certo ou um “não liguem para isso”.

A dor decorre desse fato: pois se chegamos ao ponto de expor sentimentos que nos ferem, pode ter certeza que, nesse procedimento de eliminação eles ferem muito mais.

Seria como o ato de vomitar, parece que vamos virar do avesso, nos contorcemos em espasmos, mas alguns instantes depois vem o alívio.

Em todos os textos que já escrevi na minha vida eu deixei um pouco de lágrimas sobre eles. Mas essa dor foi para mim extremamente necessária. Sou partidário da ideia de que o texto, quando está pronto, quer sair, força a saída.

E isso dói.

Pois todo aquele sentimento aprisionado e maturado sai de forma avassaladora, cheio de espinhos, como uma esfera envolta em arame farpado rasgando sua garganta.

Chego a ficar dias incomunicável, fechado, triste, sob domínio dos efeitos colaterais.

Ademais, ao longo da minha vida eu tive que lidar com a ideia de ser sempre o “cara engraçado” e tudo mais. Sempre mantive minhas tristezas aprisionadas e escrever foi a forma que encontrei para me sentir um pouco melhor comigo mesmo.

Só que aí volto no meu velho problema: Mais uma vez, quando se tem depressão não temos a liberdade de escrever o que queremos, sendo que, na maioria das vezes, escrever o que queremos é tudo que precisamos.

Mas a interpretação sempre nos é desfavorável. Sempre ouvimos que “precisamos de ajuda”.

Não há como não considerar isso.

Penso e repenso se vale a pena seguir sentindo essa dor... de verdade.

Não sei se a relação “custo-benefício” é vantajosa.

Revirar sentimentos aprisionados também me traz uma dor muito grande, não sei se vale a pena.

Nesse ponto eu paro mais uma vez para pensar.

Bom, realmente é uma dor muito grande expor meu interior dessa forma. De fato a exposição pode ser muito mais dolorosa que o segredo. Mas nossa cabeça e nosso coração funcionam como uma grande panela de pressão. Muitas vezes é melhor tirar a tampa e deixar a pressão sair.

Guardar as coisas pode ser muito pior. Eu nunca fui bom com palavras, nunca fui um expert em expor minhas tristezas de forma falada, sempre me resguardei.

Sempre tive medo que meus tristes sentimentos magoassem as pessoas.

Por isso os mantive bem guardados e isolados dentro da minha cabeça.

Mas escrever, muito embora seja desconfortável às vezes, me ajudou a lidar com muita coisa. Ajudou a entender minha posição nesse mundo e na minha família.

Ajudou, ainda, a entender que não podemos fugir e ignorar aquilo que somos.

Desde pequeno minha cabeça funcionou dessa forma. Das minhas desventuras eu criei histórias que ficaram guardadas no meu subconsciente e que hoje rendem textos não tão ruins. Para o meu exterior pratiquei o “autobullying”, tirando sarro das minhas próprias bobagens.

Não há como, de fato, ignorar isso tudo.

Talvez essa “dor que as letras me causam” seja uma dor pela qual eu esteja destinado a passar minha vida toda.

Isso é entender nossa posição.

Assim como aceitar que às vezes as pessoas esperam da gente aquilo que não podemos ou não queremos ser. Mas elas encontram, nesse fato, a importância que nos é atribuída em suas vidas.

Penso muito nisso.

Talvez se eu não fosse tão “engraçadinho” assim, não teria tanto significado na vida daqueles que me rodeiam e sempre clamam por minha “piadinhas” e “historinhas engraçadas”. Ou ainda, sempre pedem que eu escreva algo novo.

Portanto, seguirei sentindo dor. Mas escrevendo! Aceitarei minha posição consolidada e aprenderei a conviver com isso.

Mesmo sendo mal interpretado ou vigiado às vezes, escrever continuará a ser meu bálsamo.

Continuarei externando histórias sobre mim, pois é muito mais fácil escrever sobre quem se conhece profundamente e contribuirá para que eu siga me conhecendo a cada dia mais.

E, ainda, como diria a inscrição da entrada do Oráculo de Delfos “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”.

Pois, se Sócrates tomou isso como filosofia de vida, quem sou eu para negar?

Então toda a dor que poderei sentir ao longo da minha vida será útil para esse eterno processo de cura e de autoconhecimento.



terça-feira, 9 de julho de 2013

"UM CONTO SOBRE PARTIDAS E CHEGADAS - PARTE III"

 

Alguns meses depois do acidente o sonho que eu havia tido com o meu tio ainda me assombrava, muito embora eu soubesse que aquela mensagem precisava ser entregue e, de fato, foi.

Mas a vida precisava prosseguir.

O ano seria longo e a vida deveria seguir. Eu ainda teria que me submeter ao exame da OAB para obtenção da carteira de advogado. Portanto, por mais trise que eu estivesse e por mais que a vida tivesse perdido o sentido eu precisava ir adiante.

Sabia que a memória dos momentos bons que passei com eles jamais se apagaria e, assim, retomei o curso da minha vida.

No mês de abril, na semana santa, estávamos em casa aproveitando o feriado quando minha mãe veio com a seguinte notícia:

- Fiquem preparados pois o avô de vocês está no hospital e parece não ter muito tempo de vida.

A notícia não surtiu efeito impactante sobre mim, pois o pai do meu pai nunca foi uma pessoa muito presente em nossas vidas. Pelo contrário! Sequer registrou meu pai, por motivos que desconhecemos.

Em princípio a preocupação maior foi com meu pai, uma vez que eu pouco lembrava do meu avô. Ele deve ter ido umas três vezes no máximo na nossa casa.

Mas eu lembrava do meu pai e do que ele dizia quando éramos crianças. Presenciei alguns momentos de profunda tristeza do meu pai, pela ausência que aquela pessoa imprimiu em sua vida.

Geralmente no dia dos pais, onde, em algumas ocasiões o peguei chorando escondido.

Por mais que fizéssemos presentes na escola ou comprássemos alguma lembrancinha eu sabia que ele sentia a falta do pai e dos irmãos que não conhecia.

Uma vez ele, vendo um programa de televisão, onde um irmão brigava com outro, disse (eu me lembro que tinha cerca de sete ou oito anos na ocasião):

- Nossa, se eu tivesse um irmão eu ficaria grudado nele! Jamais brigaria com ele. Esse povo não sabe o que está fazendo!

Isso incomodava meu pai. Por mais que ele tivesse uma irmã por parte de mãe, o fato de saber que tinha vários outros irmãos desconhecidos o deixava triste. Uma outra vez ele disse aos meus irmãos e a mim: “O melhor amigo que você pode ter nessa vida é o seu irmão”.

Essas palavras ficaram cravadas na minha cabeça.

Pois bem, naquele mesmo dia onde a notícia que meu avô estava nas últimas, algumas horas depois, o telefone tocou. Percebi um certo “corre corre” em casa e logo pude constatar que se tratava de algo relacionado ao meu avô.

Minha mãe então disse que uma irmã do meu pai estava em São Paulo para acompanhar meu avô no hospital e que estava a caminho da nossa casa para nos conhecer.

Aquilo foi como se um meteoro caísse naquela casa. Meu pai corria de um lado para o outro até que, no meio da cozinha, parou e entregou-se ao pranto.

Um choro de alívio e de medo ao mesmo tempo. Todos nós nos abraçamos e, pouco tempo depois, lá estava minha tia Marizete, em casa. A semelhança com a minha irmã era tão impressionante que pareciam mãe e filha.

Ficamos a tarde toda acertando todos os desacertos do passado e meu pai, o tempo todo grudado nela.

Percebi que era verdade aquela vontade de “não largar mais”.  

O tempo passou tão rápido aquele sábado. Quando percebemos já era tarde e ela teve que ir embora.

Pela manhã do domingo, o telefone toca mais uma vez, logo cedo: meu avô havia falecido. Era minha “nova” tia que havia ligado e avisado que os demais irmãos, sabendo que ela tinha enfim conhecido meu pai exigiam a presença da família inteira no enterro.

E lá fomos nós! Apreensivos. Não sabíamos qual seria a reação dos demais tios e primos. Poderia ser de repulsa, poderíamos ser considerados invasores. Não sabíamos ao certo o que esperar. Mas, quando lá chegamos, o clima era totalmente outro!

O que era para ser um enterro acabou virado uma grande festa.

Era um tal de “olá eu sou sua tia”, “olá eu sou seu primo”. Abraços de todos os lados! Parecia que nos conhecíamos há anos!

Como a vida é curiosa. Um dado momento naquele dia eu, olhando para uma pessoa que havia chamado muito minha atenção, perguntei para minha mãe: “Mãe, quem é aquela mulher?” Minha mãe respondeu com uma naturalidade que jamais seria vista em mim: “Ué, ela é sua tia, irmã do seu pai!”

Minha admiração veio do fato de eu pegar o mesmo ônibus que ela pegava por cerca de dois anos!

Isso mesmo! Eu estava no mesmo espaço físico de uma tia minha por tanto tempo e, nem eu nem ela, sabíamos disso! Morávamos tão perto e mal poderíamos desconfiar disso!

Saldo daquele funeral: Meu pai havia ganhado seis irmãos: Marizete, Moisés, Osvande, Marisa, Dorival e Betania.

Eu havia ganhado muitos primos, um mais “gente fina” que o outro!

Não deu para não pensar no quanto a vida é engraçada.

Eu que já tinha passado por tanta tristeza naquele mesmo ano, agora sorria e encontrava esperanças naquelas novas pessoas que eram introduzidas de forma tão abrupta e tão bem vinda nas nossas existências.

Engraçado que a morte do meu avô serviu para que meu pai finalmente conhecesse seus tão aguardados e já amados irmãos!

Acredito que tenha sido seu último ato de redenção: reaproximar a família.

Hoje mantemos contato constante com alguns desses novos parentes. São pessoas adoráveis e que aprendemos a amar sem muito esforço, pois são “gente como a gente”. Alguns, por força das circunstâncias acabaram se afastando, mas é possível entender que a vida leva as pessoas para caminhos diferentes e muitas vezes distantes. Mas o amor por eles se mantém intacto e, sempre que podemos mandamos um “alô” ou eles mesmo nos mandam lembranças.

A vida nos ensina lições à sua própria maneira. Sem perguntar se queremos desse jeito ou daquele. Apenas acontece e aprendemos algo com isso tudo.

Eu que pensei que jamais voltaria a sorrir, algum tempo depois descobri que tinha novos motivos para isso.

Mas as brincadeiras do meu “Tizé”, sua alegria, seu caráter e seu espírito acolhedor, jamais sairão da minha mente e do meu coração.

Eu aprendi que existem várias formas de amar: amor de pai, de mãe, de avó, de avô, de marido, de mulher, de filho, de filha e, por fim, amor de tio.

Esse é um amor diferente, não é de pai, não é de avô. É um amor de amigo e ao mesmo tempo um amor protetor.

Mas a pergunta é, como eu sei que amor é esse?

Respondo-lhes meus queridos: Deus me proporcionou a oportunidade de honrar a memória do meu tio sendo o mais próximo do que ele foi para mim, para minhas sobrinhas.

Maria Clara veio ao mundo no dia 06 de julho de 2013 e, quando ela nos foi apresentada, ainda no berçário eu senti meu tio do meu lado me dizendo: “Você será um excelente tio!” Dava pra ver o sorriso no rosto dele presenciando o amor que ele nutria por nós sendo passado para mim e meus irmãos, como se fosse um legado que se transfere.

Esse amor é tão grande e tão forte que esquenta o coração e faz com que nos sintamos mais humanos.

Eu sei que jamais chegarei aos pés do que o meu tio representa para mim, mas eu prometo não só a ele como às minhas duas sobrinhas que farei o meu melhor.

Maria Clara, filha da minha irmã Cindy já está entre nós e em dezembro é a vez da Bia, filha do meu irmão Rodrigo.

O que posso deixar registrado para elas é que: Minhas princesas, o titio as ama mais que a ele mesmo! Vocês são os tesouros que papai do céu pôs em nossas vidas, devolvendo o sentido para tudo isso!

Para Deus eu digo: “levei muito tempo para entender seus propósitos, mas hoje, mesmo que o tenha negado e questionado e, ainda, não entendendo por qual razão as pessoas boas devem partir, compreendo a razão disso tudo”.

Hoje esse amor é meu! Hoje a sensação é minha. Hoje o sorriso e alegria que eu presenciei por tantas vezes no rosto do meu tio, enche meu coração!

Obrigado “Tizé” por todo o amor que o senhor me deu ao longo de tantos anos e desculpe por não ter conseguido retribuir esse amor a tempo, mas prometo que, em sua homenagem, serei um tio tão amoroso quanto o senhor foi.

Não posso estar com o senhor, mas sei que o senhor seguirá sempre em mim!

 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um conto sobre Partidas e Chegadas - Parte II


“UM CONTO SOBRE PARTIDAS E CHEGADAS”

 

PARTE II

 

 

 

 - Alô? Alô? Calma Cara!!! O que aconteceu? Fala com calma?.... meu Deus... Quando? Calma! Meu Deus do céu...

Foram exatamente com essas palavras que eu dei um pulo da cama por volta da uma da manhã do dia 21/01/2006.

Mas antes de explicar do que elas se tratavam, regridamos até o dia 18 do mesmo mês, uma quarta feira: Minha colação de grau na faculdade de Direito.

Um dia muito feliz, pois os cinco anos de dedicação chegavam ao fim e eu finalmente havia me formado. Mas um aperto tomava conta do meu coração. Não sabia explicar, mas senti isso ao longo da cerimônia e nos dias que se passaram até que no sábado, minha irmã nos convidou para assistirmos um filme na casa dela.

A despeito de eu odiar o gênero, fui assim mesmo pois era a minha irmã, havia casado no dia sete daquele mês e queria receber os irmãos em casa. O filme: “Dois filhos de Francisco”.

Durante o desenrolar do filme eu sentia um desconforto, queria sair correndo dali, não sei o que acontecia comigo. Até que senti meu coração quase parando ao ver uma cena deveras triste, onde uma criança morria num acidente de carro.

Um desespero me tomou a alma e eu não consegui mais me concentrar. Olhei no relógio: por volta de oito da noite.

Fui embora ainda me sentindo estranho e resolvi dormir um pouco, escutando música.

Meio sonolento, Eleanor Rigby (Beatles) foi interrompida com o telefonema que mencionei no começo.

De súbito pulei da cama, jogando longe meu diskman. Meu irmão Rodrigo atendeu ao telefone e logo percebi que, do outro lado da linha estava meu outro irmão, Danilo, que passava férias em Minas Gerais.

Quando percebi o desespero, logo tratei de interpela-lo:

 - Fala cara! O que foi? Pelo amor de Deus!!!

Ele apenas apoiou-se na porta do quarto dos meus pais, virou-se e passando o telefone para meu pai disse:

 - O “Tizé” e a “Tia Fatinha”...

Nesse momento eu sabia do que se tratava... algo terrível havia acontecido e meu pai tentava controlar minha mãe que entrara em desespero e, ao mesmo tempo tentava falar com meu irmão do outro lado da linha.

Eu não sabia bem o que fazer, mas tentava ao menos conter minha mãe.

Em meio a esse turbilhão, meu pai, o mais composto de todos (a essa altura ninguém mais tinha cabeça para nada) começou a explicar o que de fato havia acontecido:

- Eles estavam voltando da praia, em Muniz Freire no Espírito Santo e uma carreta bateu de frente com a “van” em que eles estavam. Seus tios morreram na hora e seu primo Bruno está internado em estado grave.

Sentei... faltava-me o ar.

Realmente aquele abraço era o último, mas eu me negava a acreditar, eu ainda pensava que em algum momento da noite um telefonema acabaria com aquele sofrimento e diria que nada passava de uma brincadeira de mau gosto.

Mas esse telefonema nunca chegou.

Pelo contrário, em meio às ligações que meu pai (até então eu nunca tinha presenciado tamanha demonstração de força como a do meu pai naquela noite) fazia para os demais parentes reuni um pouco das minhas forças (usando a prerrogativa de irmão mais velho) e liguei para minha irmã.

Até hoje não sei como consegui fazer aquilo.

Meu irmão Rodrigo vomitava descontroladamente e minha cabeça doía de uma forma que pensei que morreria a qualquer momento.

Em meio a tudo isso ainda, lembro-me das palavras que minha mãe dizia: “Meu Deus, que tragédia!”

Ela só conseguia repetir essas palavras e nada mais.

Toda hora novas informações chegavam, afinal o acidente teve grandes proporções.

Eram do tipo: “ele está no hospital”, cinco minutos depois “Ele acabou de morrer”. Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo.

E assim foi até a manhã. Minha mãe seguiu para a cidade, para poder acompanhar os funerais. Nós ficamos aqui, sofrendo, jogados pelo chão sem forças para nada.

A maior preocupação era com meu irmão caçula que estava lá, afinal ele estava esperando por meus tios (que eram padrinhos dele) que estavam viajando. Ele adiou o retorno para casa só para poder passar uns dias com ele. Além deles, minha avó também preocupava bastante.

Perto dos noventa anos, naquele mesmo evento, perdeu o filho, a nora e um neto. A situação de uma tia minha foi muito mais triste: perdeu o filho, o irmão, a cunhada e dois sobrinhos.

E os trâmites foram acontecendo, reconhecimento e liberação de corpos, traslado.

Relatos diziam que a cena era de guerra. Caminhões eram necessários para trazer os caixões que seriam velados num ginásio.

Aquela cidade nunca mais seria a mesma.

A minha vida nunca mais seria a mesma.

Aquele final de semana foi de longe o pior da minha vida. Aquela tristeza parecia não ter fim. A angústia era muito grande e na televisão eu podia ver meus parentes dando entrevista, horrível.

Nesse momento eu vi o pilar que nos sustentava até então desabar.

Meu pai, ao ver minha tia, irmã da minha mãe dar entrevista na televisão não se conteve.

Aquele homem chorou todo o choro que havia guardado o final de semana, botou para fora tudo o que havia guardado por preservação dos filhos.

Foi a nossa vez de ampará-lo, afinal de contas meu tio era como um irmão para ele, o irmão que ele nunca teve.

Meu pai sempre nos dizia, desde que éramos bem pequenos que a família dele era a família da minha mãe. Considerava meu avô como um pai e meus tios como irmãos. Ele adorava meu tio, os dois tinham muito em comum. E agora aquela “família” fora arrancada dele assim como fora arrancada de mim.

Eu ainda não havia percebido que, curiosamente, aquela angústia que eu havia sentido quando assistia ao filme se deu no exato momento em que a cena acontecia, ou seja, a criança morria no acidente que, coincidentemente, foi o momento exato em que meu tio morreu.

Conversando tempos depois com minha irmã, descobri que ela sentiu a mesma coisa.

O filme ainda é proibido entre nós, assim como a música foi por muito tempo evitada por mim e sempre que a ouço ainda lembro do sorriso alto do meu tio e de suas brincadeiras.

E, assim, eles se foram.

O que eu faria da minha vida sem aquela pessoa que sempre nos acolheu e nos tratava como filhos? Que sempre estava no meio dos jovens e sempre tinha uma piada pronta para animar quem estivesse triste?

Eu percebi, naquele momento, que minha vida perderia um pouco do sentido, um pouco da alegria. E de fato perdeu.

Naquele mesmo dia a angústia se arrastou até que minha mãe telefonou e nos disse: “o último corpo foi enterrado”.

Senti um leve alívio no cansaço, mas a dor e o vazio permanecem até hoje.

Algum tempo depois, ainda abalado eu sonhei com meu tio.

Esse sonho ainda é o mais real que eu já tive e o sonho que mais me provoca lágrimas, pois ele, vestido como lhe era característico, só eu conseguia vê-lo. Então ele veio até mim com o sorriso no rosto e as pernas toras, na casa dos meus pais, falando: “Por qual razão todos estão chorando? Diga a todos que eu estou bem! Eu não senti dor! Ah sô! Eu tô bão dimais!”

Assim acordei, mas só tive coragem de contar para minha família alguns dias depois.

E assim, atendendo ao pedido dele, reuni toda a família e copiosamente chorando (não consegui evitar), transmiti a mensagem.

Acho que eles devem ter ficado felizes, onde quer que estejam.

Mas, ainda, onde quer que estejam, é bom que saibam que fazem uma falta danada, impossível de superar.

Eu pensava que depois daquilo a vida nunca poderia me surpreender ou corrigir o erro que havia feito, roubando de mim pessoas tão boas e amadas.

Mas, outra vez, eu estava errado.