segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um conto sobre Partidas e Chegadas - Parte II


“UM CONTO SOBRE PARTIDAS E CHEGADAS”

 

PARTE II

 

 

 

 - Alô? Alô? Calma Cara!!! O que aconteceu? Fala com calma?.... meu Deus... Quando? Calma! Meu Deus do céu...

Foram exatamente com essas palavras que eu dei um pulo da cama por volta da uma da manhã do dia 21/01/2006.

Mas antes de explicar do que elas se tratavam, regridamos até o dia 18 do mesmo mês, uma quarta feira: Minha colação de grau na faculdade de Direito.

Um dia muito feliz, pois os cinco anos de dedicação chegavam ao fim e eu finalmente havia me formado. Mas um aperto tomava conta do meu coração. Não sabia explicar, mas senti isso ao longo da cerimônia e nos dias que se passaram até que no sábado, minha irmã nos convidou para assistirmos um filme na casa dela.

A despeito de eu odiar o gênero, fui assim mesmo pois era a minha irmã, havia casado no dia sete daquele mês e queria receber os irmãos em casa. O filme: “Dois filhos de Francisco”.

Durante o desenrolar do filme eu sentia um desconforto, queria sair correndo dali, não sei o que acontecia comigo. Até que senti meu coração quase parando ao ver uma cena deveras triste, onde uma criança morria num acidente de carro.

Um desespero me tomou a alma e eu não consegui mais me concentrar. Olhei no relógio: por volta de oito da noite.

Fui embora ainda me sentindo estranho e resolvi dormir um pouco, escutando música.

Meio sonolento, Eleanor Rigby (Beatles) foi interrompida com o telefonema que mencionei no começo.

De súbito pulei da cama, jogando longe meu diskman. Meu irmão Rodrigo atendeu ao telefone e logo percebi que, do outro lado da linha estava meu outro irmão, Danilo, que passava férias em Minas Gerais.

Quando percebi o desespero, logo tratei de interpela-lo:

 - Fala cara! O que foi? Pelo amor de Deus!!!

Ele apenas apoiou-se na porta do quarto dos meus pais, virou-se e passando o telefone para meu pai disse:

 - O “Tizé” e a “Tia Fatinha”...

Nesse momento eu sabia do que se tratava... algo terrível havia acontecido e meu pai tentava controlar minha mãe que entrara em desespero e, ao mesmo tempo tentava falar com meu irmão do outro lado da linha.

Eu não sabia bem o que fazer, mas tentava ao menos conter minha mãe.

Em meio a esse turbilhão, meu pai, o mais composto de todos (a essa altura ninguém mais tinha cabeça para nada) começou a explicar o que de fato havia acontecido:

- Eles estavam voltando da praia, em Muniz Freire no Espírito Santo e uma carreta bateu de frente com a “van” em que eles estavam. Seus tios morreram na hora e seu primo Bruno está internado em estado grave.

Sentei... faltava-me o ar.

Realmente aquele abraço era o último, mas eu me negava a acreditar, eu ainda pensava que em algum momento da noite um telefonema acabaria com aquele sofrimento e diria que nada passava de uma brincadeira de mau gosto.

Mas esse telefonema nunca chegou.

Pelo contrário, em meio às ligações que meu pai (até então eu nunca tinha presenciado tamanha demonstração de força como a do meu pai naquela noite) fazia para os demais parentes reuni um pouco das minhas forças (usando a prerrogativa de irmão mais velho) e liguei para minha irmã.

Até hoje não sei como consegui fazer aquilo.

Meu irmão Rodrigo vomitava descontroladamente e minha cabeça doía de uma forma que pensei que morreria a qualquer momento.

Em meio a tudo isso ainda, lembro-me das palavras que minha mãe dizia: “Meu Deus, que tragédia!”

Ela só conseguia repetir essas palavras e nada mais.

Toda hora novas informações chegavam, afinal o acidente teve grandes proporções.

Eram do tipo: “ele está no hospital”, cinco minutos depois “Ele acabou de morrer”. Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo.

E assim foi até a manhã. Minha mãe seguiu para a cidade, para poder acompanhar os funerais. Nós ficamos aqui, sofrendo, jogados pelo chão sem forças para nada.

A maior preocupação era com meu irmão caçula que estava lá, afinal ele estava esperando por meus tios (que eram padrinhos dele) que estavam viajando. Ele adiou o retorno para casa só para poder passar uns dias com ele. Além deles, minha avó também preocupava bastante.

Perto dos noventa anos, naquele mesmo evento, perdeu o filho, a nora e um neto. A situação de uma tia minha foi muito mais triste: perdeu o filho, o irmão, a cunhada e dois sobrinhos.

E os trâmites foram acontecendo, reconhecimento e liberação de corpos, traslado.

Relatos diziam que a cena era de guerra. Caminhões eram necessários para trazer os caixões que seriam velados num ginásio.

Aquela cidade nunca mais seria a mesma.

A minha vida nunca mais seria a mesma.

Aquele final de semana foi de longe o pior da minha vida. Aquela tristeza parecia não ter fim. A angústia era muito grande e na televisão eu podia ver meus parentes dando entrevista, horrível.

Nesse momento eu vi o pilar que nos sustentava até então desabar.

Meu pai, ao ver minha tia, irmã da minha mãe dar entrevista na televisão não se conteve.

Aquele homem chorou todo o choro que havia guardado o final de semana, botou para fora tudo o que havia guardado por preservação dos filhos.

Foi a nossa vez de ampará-lo, afinal de contas meu tio era como um irmão para ele, o irmão que ele nunca teve.

Meu pai sempre nos dizia, desde que éramos bem pequenos que a família dele era a família da minha mãe. Considerava meu avô como um pai e meus tios como irmãos. Ele adorava meu tio, os dois tinham muito em comum. E agora aquela “família” fora arrancada dele assim como fora arrancada de mim.

Eu ainda não havia percebido que, curiosamente, aquela angústia que eu havia sentido quando assistia ao filme se deu no exato momento em que a cena acontecia, ou seja, a criança morria no acidente que, coincidentemente, foi o momento exato em que meu tio morreu.

Conversando tempos depois com minha irmã, descobri que ela sentiu a mesma coisa.

O filme ainda é proibido entre nós, assim como a música foi por muito tempo evitada por mim e sempre que a ouço ainda lembro do sorriso alto do meu tio e de suas brincadeiras.

E, assim, eles se foram.

O que eu faria da minha vida sem aquela pessoa que sempre nos acolheu e nos tratava como filhos? Que sempre estava no meio dos jovens e sempre tinha uma piada pronta para animar quem estivesse triste?

Eu percebi, naquele momento, que minha vida perderia um pouco do sentido, um pouco da alegria. E de fato perdeu.

Naquele mesmo dia a angústia se arrastou até que minha mãe telefonou e nos disse: “o último corpo foi enterrado”.

Senti um leve alívio no cansaço, mas a dor e o vazio permanecem até hoje.

Algum tempo depois, ainda abalado eu sonhei com meu tio.

Esse sonho ainda é o mais real que eu já tive e o sonho que mais me provoca lágrimas, pois ele, vestido como lhe era característico, só eu conseguia vê-lo. Então ele veio até mim com o sorriso no rosto e as pernas toras, na casa dos meus pais, falando: “Por qual razão todos estão chorando? Diga a todos que eu estou bem! Eu não senti dor! Ah sô! Eu tô bão dimais!”

Assim acordei, mas só tive coragem de contar para minha família alguns dias depois.

E assim, atendendo ao pedido dele, reuni toda a família e copiosamente chorando (não consegui evitar), transmiti a mensagem.

Acho que eles devem ter ficado felizes, onde quer que estejam.

Mas, ainda, onde quer que estejam, é bom que saibam que fazem uma falta danada, impossível de superar.

Eu pensava que depois daquilo a vida nunca poderia me surpreender ou corrigir o erro que havia feito, roubando de mim pessoas tão boas e amadas.

Mas, outra vez, eu estava errado.

2 comentários:

  1. Meu anjo, parabéns por exteriorizar tão lindamente seus sentimentos, sei o quanto eles te sufocaram por esses anos, mas a vida nos ensina, seja coma sabedoria da “vozinha” ou a inocência de Clarinha, que devemos seguir e alimentar essa saudade com muito amor ... Infelizmente presenciei toda essa cena e hoje percebo o quanto tudo isso uniu ainda mais essa família maravilhosa!
    Amo voce
    Kátia

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  2. A dor que se sente em razão da perda daqueles que amamos, em palavra alguma se encerra. Para quem fica é um novo começo, é o reaprender “TUDO”, a dormir, acordar, caminhar, ir, vir, ser, estar sem aquela fração que se foi, e isso dói, dói, dói muito. Contudo, o seguir é preciso, e ele só é alcançado quando nele levamos somente o que importa. O pesar, pesa, a saudade enternece. As feridas Deus certamente cicatrizará , e o ermo pouco a pouco dará lugar ao refrigério pleno da alma. E você descobrirá que, como Davi sabiamente disse, nós podemos ir ao encontro daqueles que se vão, mas eles não podem mais voltar, então, vamos nos recompor e continuar,mesmo que acompanhada das recordações e com ela muitas vezes a saudade voltará...Saudades,muitas saudades,dos meus pais,tios e alguns primos, e muitos amigos.Quero parabéns,e quero te dizer, obrigada pelo desabafo no qual acredite se junta a muitos...
    Antthonya Anthhonya

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