domingo, 21 de julho de 2013

"O ÚLTIMO TEXTO DA MINHA VIDA"


Escrever nem sempre é simples como se imagina. Muita gente pensa que é fácil, mas, na verdade, é uma atividade muito dolorosa para alguns.

Dói, muito. Principalmente para aqueles que não traçaram a “arte de escrever” como meta para a vida.

No meu caso, escrevo por necessidade.

Mas quando as coisas surgem por necessidade nem sempre são prazerosas ou indolores.

O lado ruim de se escrever quando se tem como diagnóstico a depressão é que muitas das suas palavras, constantemente, são interpretadas como se fossem as últimas.

Nem sempre é assim.

Muitas vezes são apenas um reles desabafo sem destinatário certo ou um “não liguem para isso”.

A dor decorre desse fato: pois se chegamos ao ponto de expor sentimentos que nos ferem, pode ter certeza que, nesse procedimento de eliminação eles ferem muito mais.

Seria como o ato de vomitar, parece que vamos virar do avesso, nos contorcemos em espasmos, mas alguns instantes depois vem o alívio.

Em todos os textos que já escrevi na minha vida eu deixei um pouco de lágrimas sobre eles. Mas essa dor foi para mim extremamente necessária. Sou partidário da ideia de que o texto, quando está pronto, quer sair, força a saída.

E isso dói.

Pois todo aquele sentimento aprisionado e maturado sai de forma avassaladora, cheio de espinhos, como uma esfera envolta em arame farpado rasgando sua garganta.

Chego a ficar dias incomunicável, fechado, triste, sob domínio dos efeitos colaterais.

Ademais, ao longo da minha vida eu tive que lidar com a ideia de ser sempre o “cara engraçado” e tudo mais. Sempre mantive minhas tristezas aprisionadas e escrever foi a forma que encontrei para me sentir um pouco melhor comigo mesmo.

Só que aí volto no meu velho problema: Mais uma vez, quando se tem depressão não temos a liberdade de escrever o que queremos, sendo que, na maioria das vezes, escrever o que queremos é tudo que precisamos.

Mas a interpretação sempre nos é desfavorável. Sempre ouvimos que “precisamos de ajuda”.

Não há como não considerar isso.

Penso e repenso se vale a pena seguir sentindo essa dor... de verdade.

Não sei se a relação “custo-benefício” é vantajosa.

Revirar sentimentos aprisionados também me traz uma dor muito grande, não sei se vale a pena.

Nesse ponto eu paro mais uma vez para pensar.

Bom, realmente é uma dor muito grande expor meu interior dessa forma. De fato a exposição pode ser muito mais dolorosa que o segredo. Mas nossa cabeça e nosso coração funcionam como uma grande panela de pressão. Muitas vezes é melhor tirar a tampa e deixar a pressão sair.

Guardar as coisas pode ser muito pior. Eu nunca fui bom com palavras, nunca fui um expert em expor minhas tristezas de forma falada, sempre me resguardei.

Sempre tive medo que meus tristes sentimentos magoassem as pessoas.

Por isso os mantive bem guardados e isolados dentro da minha cabeça.

Mas escrever, muito embora seja desconfortável às vezes, me ajudou a lidar com muita coisa. Ajudou a entender minha posição nesse mundo e na minha família.

Ajudou, ainda, a entender que não podemos fugir e ignorar aquilo que somos.

Desde pequeno minha cabeça funcionou dessa forma. Das minhas desventuras eu criei histórias que ficaram guardadas no meu subconsciente e que hoje rendem textos não tão ruins. Para o meu exterior pratiquei o “autobullying”, tirando sarro das minhas próprias bobagens.

Não há como, de fato, ignorar isso tudo.

Talvez essa “dor que as letras me causam” seja uma dor pela qual eu esteja destinado a passar minha vida toda.

Isso é entender nossa posição.

Assim como aceitar que às vezes as pessoas esperam da gente aquilo que não podemos ou não queremos ser. Mas elas encontram, nesse fato, a importância que nos é atribuída em suas vidas.

Penso muito nisso.

Talvez se eu não fosse tão “engraçadinho” assim, não teria tanto significado na vida daqueles que me rodeiam e sempre clamam por minha “piadinhas” e “historinhas engraçadas”. Ou ainda, sempre pedem que eu escreva algo novo.

Portanto, seguirei sentindo dor. Mas escrevendo! Aceitarei minha posição consolidada e aprenderei a conviver com isso.

Mesmo sendo mal interpretado ou vigiado às vezes, escrever continuará a ser meu bálsamo.

Continuarei externando histórias sobre mim, pois é muito mais fácil escrever sobre quem se conhece profundamente e contribuirá para que eu siga me conhecendo a cada dia mais.

E, ainda, como diria a inscrição da entrada do Oráculo de Delfos “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”.

Pois, se Sócrates tomou isso como filosofia de vida, quem sou eu para negar?

Então toda a dor que poderei sentir ao longo da minha vida será útil para esse eterno processo de cura e de autoconhecimento.



terça-feira, 9 de julho de 2013

"UM CONTO SOBRE PARTIDAS E CHEGADAS - PARTE III"

 

Alguns meses depois do acidente o sonho que eu havia tido com o meu tio ainda me assombrava, muito embora eu soubesse que aquela mensagem precisava ser entregue e, de fato, foi.

Mas a vida precisava prosseguir.

O ano seria longo e a vida deveria seguir. Eu ainda teria que me submeter ao exame da OAB para obtenção da carteira de advogado. Portanto, por mais trise que eu estivesse e por mais que a vida tivesse perdido o sentido eu precisava ir adiante.

Sabia que a memória dos momentos bons que passei com eles jamais se apagaria e, assim, retomei o curso da minha vida.

No mês de abril, na semana santa, estávamos em casa aproveitando o feriado quando minha mãe veio com a seguinte notícia:

- Fiquem preparados pois o avô de vocês está no hospital e parece não ter muito tempo de vida.

A notícia não surtiu efeito impactante sobre mim, pois o pai do meu pai nunca foi uma pessoa muito presente em nossas vidas. Pelo contrário! Sequer registrou meu pai, por motivos que desconhecemos.

Em princípio a preocupação maior foi com meu pai, uma vez que eu pouco lembrava do meu avô. Ele deve ter ido umas três vezes no máximo na nossa casa.

Mas eu lembrava do meu pai e do que ele dizia quando éramos crianças. Presenciei alguns momentos de profunda tristeza do meu pai, pela ausência que aquela pessoa imprimiu em sua vida.

Geralmente no dia dos pais, onde, em algumas ocasiões o peguei chorando escondido.

Por mais que fizéssemos presentes na escola ou comprássemos alguma lembrancinha eu sabia que ele sentia a falta do pai e dos irmãos que não conhecia.

Uma vez ele, vendo um programa de televisão, onde um irmão brigava com outro, disse (eu me lembro que tinha cerca de sete ou oito anos na ocasião):

- Nossa, se eu tivesse um irmão eu ficaria grudado nele! Jamais brigaria com ele. Esse povo não sabe o que está fazendo!

Isso incomodava meu pai. Por mais que ele tivesse uma irmã por parte de mãe, o fato de saber que tinha vários outros irmãos desconhecidos o deixava triste. Uma outra vez ele disse aos meus irmãos e a mim: “O melhor amigo que você pode ter nessa vida é o seu irmão”.

Essas palavras ficaram cravadas na minha cabeça.

Pois bem, naquele mesmo dia onde a notícia que meu avô estava nas últimas, algumas horas depois, o telefone tocou. Percebi um certo “corre corre” em casa e logo pude constatar que se tratava de algo relacionado ao meu avô.

Minha mãe então disse que uma irmã do meu pai estava em São Paulo para acompanhar meu avô no hospital e que estava a caminho da nossa casa para nos conhecer.

Aquilo foi como se um meteoro caísse naquela casa. Meu pai corria de um lado para o outro até que, no meio da cozinha, parou e entregou-se ao pranto.

Um choro de alívio e de medo ao mesmo tempo. Todos nós nos abraçamos e, pouco tempo depois, lá estava minha tia Marizete, em casa. A semelhança com a minha irmã era tão impressionante que pareciam mãe e filha.

Ficamos a tarde toda acertando todos os desacertos do passado e meu pai, o tempo todo grudado nela.

Percebi que era verdade aquela vontade de “não largar mais”.  

O tempo passou tão rápido aquele sábado. Quando percebemos já era tarde e ela teve que ir embora.

Pela manhã do domingo, o telefone toca mais uma vez, logo cedo: meu avô havia falecido. Era minha “nova” tia que havia ligado e avisado que os demais irmãos, sabendo que ela tinha enfim conhecido meu pai exigiam a presença da família inteira no enterro.

E lá fomos nós! Apreensivos. Não sabíamos qual seria a reação dos demais tios e primos. Poderia ser de repulsa, poderíamos ser considerados invasores. Não sabíamos ao certo o que esperar. Mas, quando lá chegamos, o clima era totalmente outro!

O que era para ser um enterro acabou virado uma grande festa.

Era um tal de “olá eu sou sua tia”, “olá eu sou seu primo”. Abraços de todos os lados! Parecia que nos conhecíamos há anos!

Como a vida é curiosa. Um dado momento naquele dia eu, olhando para uma pessoa que havia chamado muito minha atenção, perguntei para minha mãe: “Mãe, quem é aquela mulher?” Minha mãe respondeu com uma naturalidade que jamais seria vista em mim: “Ué, ela é sua tia, irmã do seu pai!”

Minha admiração veio do fato de eu pegar o mesmo ônibus que ela pegava por cerca de dois anos!

Isso mesmo! Eu estava no mesmo espaço físico de uma tia minha por tanto tempo e, nem eu nem ela, sabíamos disso! Morávamos tão perto e mal poderíamos desconfiar disso!

Saldo daquele funeral: Meu pai havia ganhado seis irmãos: Marizete, Moisés, Osvande, Marisa, Dorival e Betania.

Eu havia ganhado muitos primos, um mais “gente fina” que o outro!

Não deu para não pensar no quanto a vida é engraçada.

Eu que já tinha passado por tanta tristeza naquele mesmo ano, agora sorria e encontrava esperanças naquelas novas pessoas que eram introduzidas de forma tão abrupta e tão bem vinda nas nossas existências.

Engraçado que a morte do meu avô serviu para que meu pai finalmente conhecesse seus tão aguardados e já amados irmãos!

Acredito que tenha sido seu último ato de redenção: reaproximar a família.

Hoje mantemos contato constante com alguns desses novos parentes. São pessoas adoráveis e que aprendemos a amar sem muito esforço, pois são “gente como a gente”. Alguns, por força das circunstâncias acabaram se afastando, mas é possível entender que a vida leva as pessoas para caminhos diferentes e muitas vezes distantes. Mas o amor por eles se mantém intacto e, sempre que podemos mandamos um “alô” ou eles mesmo nos mandam lembranças.

A vida nos ensina lições à sua própria maneira. Sem perguntar se queremos desse jeito ou daquele. Apenas acontece e aprendemos algo com isso tudo.

Eu que pensei que jamais voltaria a sorrir, algum tempo depois descobri que tinha novos motivos para isso.

Mas as brincadeiras do meu “Tizé”, sua alegria, seu caráter e seu espírito acolhedor, jamais sairão da minha mente e do meu coração.

Eu aprendi que existem várias formas de amar: amor de pai, de mãe, de avó, de avô, de marido, de mulher, de filho, de filha e, por fim, amor de tio.

Esse é um amor diferente, não é de pai, não é de avô. É um amor de amigo e ao mesmo tempo um amor protetor.

Mas a pergunta é, como eu sei que amor é esse?

Respondo-lhes meus queridos: Deus me proporcionou a oportunidade de honrar a memória do meu tio sendo o mais próximo do que ele foi para mim, para minhas sobrinhas.

Maria Clara veio ao mundo no dia 06 de julho de 2013 e, quando ela nos foi apresentada, ainda no berçário eu senti meu tio do meu lado me dizendo: “Você será um excelente tio!” Dava pra ver o sorriso no rosto dele presenciando o amor que ele nutria por nós sendo passado para mim e meus irmãos, como se fosse um legado que se transfere.

Esse amor é tão grande e tão forte que esquenta o coração e faz com que nos sintamos mais humanos.

Eu sei que jamais chegarei aos pés do que o meu tio representa para mim, mas eu prometo não só a ele como às minhas duas sobrinhas que farei o meu melhor.

Maria Clara, filha da minha irmã Cindy já está entre nós e em dezembro é a vez da Bia, filha do meu irmão Rodrigo.

O que posso deixar registrado para elas é que: Minhas princesas, o titio as ama mais que a ele mesmo! Vocês são os tesouros que papai do céu pôs em nossas vidas, devolvendo o sentido para tudo isso!

Para Deus eu digo: “levei muito tempo para entender seus propósitos, mas hoje, mesmo que o tenha negado e questionado e, ainda, não entendendo por qual razão as pessoas boas devem partir, compreendo a razão disso tudo”.

Hoje esse amor é meu! Hoje a sensação é minha. Hoje o sorriso e alegria que eu presenciei por tantas vezes no rosto do meu tio, enche meu coração!

Obrigado “Tizé” por todo o amor que o senhor me deu ao longo de tantos anos e desculpe por não ter conseguido retribuir esse amor a tempo, mas prometo que, em sua homenagem, serei um tio tão amoroso quanto o senhor foi.

Não posso estar com o senhor, mas sei que o senhor seguirá sempre em mim!

 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um conto sobre Partidas e Chegadas - Parte II


“UM CONTO SOBRE PARTIDAS E CHEGADAS”

 

PARTE II

 

 

 

 - Alô? Alô? Calma Cara!!! O que aconteceu? Fala com calma?.... meu Deus... Quando? Calma! Meu Deus do céu...

Foram exatamente com essas palavras que eu dei um pulo da cama por volta da uma da manhã do dia 21/01/2006.

Mas antes de explicar do que elas se tratavam, regridamos até o dia 18 do mesmo mês, uma quarta feira: Minha colação de grau na faculdade de Direito.

Um dia muito feliz, pois os cinco anos de dedicação chegavam ao fim e eu finalmente havia me formado. Mas um aperto tomava conta do meu coração. Não sabia explicar, mas senti isso ao longo da cerimônia e nos dias que se passaram até que no sábado, minha irmã nos convidou para assistirmos um filme na casa dela.

A despeito de eu odiar o gênero, fui assim mesmo pois era a minha irmã, havia casado no dia sete daquele mês e queria receber os irmãos em casa. O filme: “Dois filhos de Francisco”.

Durante o desenrolar do filme eu sentia um desconforto, queria sair correndo dali, não sei o que acontecia comigo. Até que senti meu coração quase parando ao ver uma cena deveras triste, onde uma criança morria num acidente de carro.

Um desespero me tomou a alma e eu não consegui mais me concentrar. Olhei no relógio: por volta de oito da noite.

Fui embora ainda me sentindo estranho e resolvi dormir um pouco, escutando música.

Meio sonolento, Eleanor Rigby (Beatles) foi interrompida com o telefonema que mencionei no começo.

De súbito pulei da cama, jogando longe meu diskman. Meu irmão Rodrigo atendeu ao telefone e logo percebi que, do outro lado da linha estava meu outro irmão, Danilo, que passava férias em Minas Gerais.

Quando percebi o desespero, logo tratei de interpela-lo:

 - Fala cara! O que foi? Pelo amor de Deus!!!

Ele apenas apoiou-se na porta do quarto dos meus pais, virou-se e passando o telefone para meu pai disse:

 - O “Tizé” e a “Tia Fatinha”...

Nesse momento eu sabia do que se tratava... algo terrível havia acontecido e meu pai tentava controlar minha mãe que entrara em desespero e, ao mesmo tempo tentava falar com meu irmão do outro lado da linha.

Eu não sabia bem o que fazer, mas tentava ao menos conter minha mãe.

Em meio a esse turbilhão, meu pai, o mais composto de todos (a essa altura ninguém mais tinha cabeça para nada) começou a explicar o que de fato havia acontecido:

- Eles estavam voltando da praia, em Muniz Freire no Espírito Santo e uma carreta bateu de frente com a “van” em que eles estavam. Seus tios morreram na hora e seu primo Bruno está internado em estado grave.

Sentei... faltava-me o ar.

Realmente aquele abraço era o último, mas eu me negava a acreditar, eu ainda pensava que em algum momento da noite um telefonema acabaria com aquele sofrimento e diria que nada passava de uma brincadeira de mau gosto.

Mas esse telefonema nunca chegou.

Pelo contrário, em meio às ligações que meu pai (até então eu nunca tinha presenciado tamanha demonstração de força como a do meu pai naquela noite) fazia para os demais parentes reuni um pouco das minhas forças (usando a prerrogativa de irmão mais velho) e liguei para minha irmã.

Até hoje não sei como consegui fazer aquilo.

Meu irmão Rodrigo vomitava descontroladamente e minha cabeça doía de uma forma que pensei que morreria a qualquer momento.

Em meio a tudo isso ainda, lembro-me das palavras que minha mãe dizia: “Meu Deus, que tragédia!”

Ela só conseguia repetir essas palavras e nada mais.

Toda hora novas informações chegavam, afinal o acidente teve grandes proporções.

Eram do tipo: “ele está no hospital”, cinco minutos depois “Ele acabou de morrer”. Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo.

E assim foi até a manhã. Minha mãe seguiu para a cidade, para poder acompanhar os funerais. Nós ficamos aqui, sofrendo, jogados pelo chão sem forças para nada.

A maior preocupação era com meu irmão caçula que estava lá, afinal ele estava esperando por meus tios (que eram padrinhos dele) que estavam viajando. Ele adiou o retorno para casa só para poder passar uns dias com ele. Além deles, minha avó também preocupava bastante.

Perto dos noventa anos, naquele mesmo evento, perdeu o filho, a nora e um neto. A situação de uma tia minha foi muito mais triste: perdeu o filho, o irmão, a cunhada e dois sobrinhos.

E os trâmites foram acontecendo, reconhecimento e liberação de corpos, traslado.

Relatos diziam que a cena era de guerra. Caminhões eram necessários para trazer os caixões que seriam velados num ginásio.

Aquela cidade nunca mais seria a mesma.

A minha vida nunca mais seria a mesma.

Aquele final de semana foi de longe o pior da minha vida. Aquela tristeza parecia não ter fim. A angústia era muito grande e na televisão eu podia ver meus parentes dando entrevista, horrível.

Nesse momento eu vi o pilar que nos sustentava até então desabar.

Meu pai, ao ver minha tia, irmã da minha mãe dar entrevista na televisão não se conteve.

Aquele homem chorou todo o choro que havia guardado o final de semana, botou para fora tudo o que havia guardado por preservação dos filhos.

Foi a nossa vez de ampará-lo, afinal de contas meu tio era como um irmão para ele, o irmão que ele nunca teve.

Meu pai sempre nos dizia, desde que éramos bem pequenos que a família dele era a família da minha mãe. Considerava meu avô como um pai e meus tios como irmãos. Ele adorava meu tio, os dois tinham muito em comum. E agora aquela “família” fora arrancada dele assim como fora arrancada de mim.

Eu ainda não havia percebido que, curiosamente, aquela angústia que eu havia sentido quando assistia ao filme se deu no exato momento em que a cena acontecia, ou seja, a criança morria no acidente que, coincidentemente, foi o momento exato em que meu tio morreu.

Conversando tempos depois com minha irmã, descobri que ela sentiu a mesma coisa.

O filme ainda é proibido entre nós, assim como a música foi por muito tempo evitada por mim e sempre que a ouço ainda lembro do sorriso alto do meu tio e de suas brincadeiras.

E, assim, eles se foram.

O que eu faria da minha vida sem aquela pessoa que sempre nos acolheu e nos tratava como filhos? Que sempre estava no meio dos jovens e sempre tinha uma piada pronta para animar quem estivesse triste?

Eu percebi, naquele momento, que minha vida perderia um pouco do sentido, um pouco da alegria. E de fato perdeu.

Naquele mesmo dia a angústia se arrastou até que minha mãe telefonou e nos disse: “o último corpo foi enterrado”.

Senti um leve alívio no cansaço, mas a dor e o vazio permanecem até hoje.

Algum tempo depois, ainda abalado eu sonhei com meu tio.

Esse sonho ainda é o mais real que eu já tive e o sonho que mais me provoca lágrimas, pois ele, vestido como lhe era característico, só eu conseguia vê-lo. Então ele veio até mim com o sorriso no rosto e as pernas toras, na casa dos meus pais, falando: “Por qual razão todos estão chorando? Diga a todos que eu estou bem! Eu não senti dor! Ah sô! Eu tô bão dimais!”

Assim acordei, mas só tive coragem de contar para minha família alguns dias depois.

E assim, atendendo ao pedido dele, reuni toda a família e copiosamente chorando (não consegui evitar), transmiti a mensagem.

Acho que eles devem ter ficado felizes, onde quer que estejam.

Mas, ainda, onde quer que estejam, é bom que saibam que fazem uma falta danada, impossível de superar.

Eu pensava que depois daquilo a vida nunca poderia me surpreender ou corrigir o erro que havia feito, roubando de mim pessoas tão boas e amadas.

Mas, outra vez, eu estava errado.