domingo, 15 de dezembro de 2013

“NUNCA É TARDE DEMAIS”


Eu ainda não acreditava quando desliguei o telefone.

Aquela pessoa que havia crescido junto comigo e meus irmãos, que tinha rido junto conosco, compartilhando momentos tão especiais da minha vida e da vida da minha família havia deixado de existir. De uma forma tão idiota.

Um acidente vitimou um dos meus melhores amigos e eu não conseguia lidar com o misto de sentimentos que havia me tomado naquele momento.

Por diversas vezes fui ausente com ele. Quase sempre na verdade, mas ele nunca me negou sua lealdade e sua amizade.

Mas agora era tarde demais e eu não poderia dizer a ele que eu sentia muito.

Decidi então que sairia de casa em direção ao local do acidente, fazer sabe-se lá o que, mas meu coração me impulsionou a isso.

Foi quando há cerca de quinhentos metros do local onde os carros se choraram eu percebi uma pessoa atrás de um poste, escondida, encolhida parecendo estar com medo de que alguém o visse e, ao mesmo tempo, apavorada com a cena que via.

Ao me aproximar um pouco mais, senti um calafrio tomar a nuca e, por um instante fiquei estático, congelado: era meu amigo que lá estava, em pé olhando para aquela cena horrível.

De pronto corri em direção dela achando que a alguma informação pudesse ter sido passada de forma errada e que ele estava vivo, mas a face dele não era de algo ou alguém desse mundo.

Era pálida e os olhos fundos. Chorava, mas parecia tatear o vazio em busca de algum apoio, quando eu cheguei do seu lado, perguntando o que havia acontecido e por qual razão ele estava ali parado.

A resposta me causou a pior sensação da minha vida: de fato morrera, mas havia sido enviado para poder se despedir dos mais queridos e se desculpar com quem quer que tenha magoado, enfim, consertar algumas coisas para que a partida fosse tranquila.

Por um segundo ficamos ali, ambos assustados e sem saber o que pensar ou o que falar, quando, de repente digo a ele:

- Onde vamos primeiro?

Ele, então, me responde:

- Leve-me até seus pais e irmãos.

E assim o fiz.

Demorou uns instantes para que minha família entendesse todo o significado daquilo, mas durante umas duas horas ele disse que aquela tinha sido sua segunda família e que durante o momento em que esteve no seio daquele ambiente havia sido muito feliz e que, ainda, por conta de sua morte súbita e prematura, não pode dizer o quanto gostava de todos.

Abraçou um a um e saímos.

Depois perguntei onde mais o levaria:

- Preciso me despedir da minha mãe e dizer a ela o quanto a amo e o quanto ela foi importante na minha vida - respondeu.

Foi o momento mais difícil, do qual evitei participar, limitando-me, apenas a explicar para aquela senhora tão machucada pelos fatos recentes que se tratava de um filho querendo um abraço de mãe.  Eu não estava preparado para presenciar aquele momento e preferi deixa-los a sós afinal de contas, faltavam poucas horas para o amanhecer.

Após algum tempo, mais uma vez ele veio até mim e disse, agarrando-me pelo braço:

- Não deixe que me levem! Ajude-me a escapar dessa morte horrenda e desse vazio triste. Não quero partir! Não agora!

Eu me perguntava o que eu poderia fazer e disse:

- Meu amigo, há alguma forma de eu trocar de lugar com você? Se houver me diga que eu farei!

Ele então me diz, de forma triste:

- As coisas não funcionam dessa forma. Quando dei por mim vi uma luz no fim do que parecia um túnel e uma pessoa vinha em minha direção, mostrando-me o acidente e meu corpo sem vida. Naquele momento percebi que havia, de fato morrido. Então aquela pessoa me disse que havia sido concedida uma última graça, que durante uma noite eu teria a oportunidade de tentar falar com quem eu mais amava e pedir perdão para quem eu magoei. Mas não há nada mais depois disso, ao amanhecer preciso estar pronto para a travessia. Mas eu agradeço sua disposição em trocar de lugar comigo, mas não vai adiantar. Eu queria mesmo evitar esse vazio da morte e a incerteza do que vem depois. Nunca fui uma pessoa que acreditou muito em planos superiores, portanto nem sei em que pensar. Mas a idéia de que não habitarei mais esse mundo me aterroriza. Não quero morrer, não quero partir!

Não sabia o que fazer e antes que eu pudesse pensar em alguma coisa, os primeiros raios de luz do dia começavam a raiar e, quando dei por mim, estávamos perto do que parecia ser uma ponte, onde diversas outras pessoas estavam paradas.

Então ele disse:

- Bom meu amigo, aqui tudo tem fim. Preciso me juntar aos outros e aceitar o meu destino. Obrigado por tudo e pela sua amizade, preciso ir.

E, ali, naquela ponte ele se sentou com diversas outras pessoas que pareciam esperar algum tipo de transporte que os levaria desse mundo. Nesse momento uma música triste passava pela minha cabeça e as lágrimas caíam do meu rosto.

De repente, um ultimo olhar e um ultimo aceno.

Quando acordei fiquei o dia todo assustado com esse sonho.

Primeiro pelo horror que é você receber um pedido trágico e não poder atender.

Segundo porque eu me peguei pensando em diversas coisas, entre elas no péssimo amigo que me tornei. Ingrato e indiferente.

O que eu tenho feito pelos meus amigos?

Nada!

Essa é a resposta! Nada vezes nada! Tenho sido uma pessoa horrível esses anos, não considerando o carinho que muitos dos maus amigos dirigem a mim e sem querer nada em troca, o que é pior.

Toda lealdade que tenho deles parece que eles não tiveram de mim. Todas as broncas não foram por mim bem interpretadas sendo que, nenhuma delas foi visando meu mal estar. Mas eu não entendi isso.

Às vezes por preguiça ou, ainda, por colocar outros compromissos antes, deixei de visita-los. Para mim era algo muito tranquilo, mas para eles não.

E eu sei que meus amigos me amam, mas hoje eu percebo que não sou digno desse amor.

Não mesmo.

O sonho me fez crer que a única pessoa que pode mudar isso tudo sou eu mesmo. Pois existem coisas que não podemos fazer, é claro. Estão acima de nossas possibilidades humanas. Mas outras podemos sim!

Pois o que um amigo demanda são coisas simples, apenas.

Ele não quer presentes caros, não quer “status”.

O que ele quer é algo que não custa nada: Ele quer apenas seu tempo, quer desabafar, quer contar coisas que não pode contar para todo mundo, quer sentir um ombro amigo às vezes.
Eu posso mudar e mesmo sabendo que hoje não sou merecedor do carinho e amor que meus amigos tem por mim, eu farei por merecer!