sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


“Killing Moon”


 

 

 

 

 

 

Luiz acordou naquela manhã com os gritos na rua, muitos gritos! Pessoas desesperadas corriam sem direção, procurando fugir o mais rápido que conseguiam.

Sem muito entender, foi até a janela e gritou para o vizinho:

- Sr. José, o que está acontecendo?

O velho, sem muito tempo dedicar ao rapaz apenas disse:

- Não acredito nisso!!! Ligue a televisão filho, está em todos os canais! Fuja enquanto é cedo!!!

Luiz, então, ligou a televisão e ficou atônito com a notícia que todos os jornais davam:

“Confirmado pela NASA, a lua está em rota de colisão com a terra. Tempo estimado de impacto: cinco horas”

Por alguns instantes ele ficou sentado na cama a divagar. Como poderia acontecer uma coisa dessas? Por que diabos a lua colidiria com a terra.

Passando os canais ele viu o discurso da Presidenta, rodeada de ministros e dos comandantes militares, a qual dizia o seguinte:

“Meus amigos, é com imenso pesar que anuncio, baseada nas informações irrefutáveis da NASA, as quais foram confirmadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que a Lua, efetivamente está em rota de colisão com a terra. O mais difícil é ter que dizer que não há nada a ser feito. Não temos como impedir uma catástrofe dessa natureza. Tudo o que podemos fazer é rezar para que Deus consiga trazer tranquilidade aos nossos corações para que possamos enfrentar nossa hora final. Digo, também que, se aceitarem o conselho dessa Presidenta, tentem ficar essas horas finais com seus familiares. Aqueles que tiverem fé, orem, pois não há nada mais a ser feito. Por fim, deixo aqui a demonstração de minha gratidão para com o povo brasileiro e digo, como fechamento de meu discurso final, que foi uma honra inenarrável comandar esse imenso país. Deus tenha misericórdia de nossas almas. Muito obrigado”

Naquele momento Luiz não conseguia mais pensar em nada. Apenas esvaziou sua mente por um instante e chorou. Nada mais poderia ser feito.

Alguns instantes depois ele começou a repensar sua vida, sua trajetória até aquele momento, seus feitos, suas realizações, seus amigos, seus inimigos, sua família.

Pegou o telefone para ligar para seus entes queridos.

Tamanho era o colapso mundial que os telefones já não funcionavam mais.

Saiu mais uma vez na janela e viu que um grupo de pessoas se aglomeravam, olhando para o céu.

Percebeu que o dia começava a tomar uma sombra estranha e, olhando para cima, pode avistar a silhueta da lua, vindo em direção à terra.

Entrou e, mais uma vez, colocou-se a pensar.

Nesse momento lembrou de Flavia.

A melhor lembrança que ele guardava em sua mente.

Algumas perguntas vinhas aos seus lábios: Por que não deu certo com ela? Por que a gente não ficou junto? O mundo acaba hoje e eu não tive a sensação de tê-la do meu lado, por que? Por que a vida foi tão injusta comigo?

Luiz e Flavia ficaram pouco tempo juntos. Luiz a amou de verdade, mas Flavia rompei pouco tempo depois. Mas nada mudara em relação a Luiz. Ele ainda a amava e se tivesse um último desejo, seria morrer ao lado dela, podendo olhar nos seus olhos e dizer o quanto aquela mulher era importante para ele.

Era isso!

Luiz estava decidido. Já que efetivamente não poderia contar com Flavia ao seu lado, morreria com as melhores lembranças que tivera na vida, com a memória da melhor fase dos seus dias: Quando esteve junto com Flavia.

Decidiu que caminharia até o parque onde se conheceram e deram o primeiro beijo.

Há tempos não passara naquele lugar. As lembranças de Flavia ainda o machucavam. Fazia mais de cinco anos que haviam rompido, mas ele ainda sentia algo forte por ela. Não a odiava, nem a culpava. Apenas não sabia porque não puderam ficar juntos.

Mas, por um instante sorriu. Sabia que partiria feliz pois as melhores lembranças de sua vida estavam com ele naquele momento.

E partiu em direção ao parque, na contramão de todos que procuravam abrigo. Ele era o único que sorria, ouvindo seu Ipod que tocava a musica preferida dela: “Killing Moon” (Echo & The Bunnymen). Curioso não? A mesma lua assassina que mataria toda a vida da terra agora era sua principal lembrança.

E lá chegou.

No parque sentado, olhando as árvores, deu uma leve olhadela para cima.

Percebeu que o impacto com a terra seria breve, ocorreria em menos de meia hora.

A música estava prestes a acabar (após 23 repetições) e ele sentiu que alguém se aproximava.

Não deu muita atenção no começo, mas após o fim da música ouviu uma voz que dizia: “Eu sabia que poderia te encontrar aqui”.

Ainda atônito, virou-se e confirmou suas suspeitas ao ver Flavia em pessoa atrás dele.

Sem nada dizer, ele a olhou por um instante. Abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada.

Flavia então, falou:

- Não diga nada, só me escute. Eu sabia que você estaria aqui. Ao contrário do que você pode pensar eu venho te acompanhando há algum tempo, mas sempre tive receio de me aproximar de novo. Eu sei que você deve pensar muitas coisas sobre mim, mas eu quero que você saiba de uma coisa: guardo você em um lugar especial do meu coração. Gosto de você, sinto sua falta, sinto falta das nossas conversas, dos nossos sorrisos, da nossa alegria. Você foi uma parte muito bonita da minha vida, o cara certo na hora errada e eu queria que você soubesse disso antes que tudo isso acabe.

“O cara certo na hora errada”

Convencido disso eles se abraçaram, se olharam por um minuto e Luiz, com lágrimas nos olhos disse:

- Agora minha vida está completa e posso morrer em paz! Agora eu sei qual a sensação de estar com uma pessoa até o fim da minha vida!

Sem nada mais a dizer e percebendo que os minutos finais de aproximavam, ele a tomou pelos braços e virou de costas para o impacto. Os dois ouviram pela última vez a música que ela tanto amavam.

E ali, naquele momento, a vida dos dois se tornava uma só, ainda que por alguns minutos apenas.

Mas aqueles poucos minutos foram os mais importantes na vida de Luiz, porque ele, “o cara certo na hora errada”, sabia que efetivamente tinha conquistado o carinho da mulher que tanto amou em toda a sua vida. Ela que havia sido a mulher certa para todas as ocasiões.

O cara certo na hora errada...

 

FIM

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


“UM CONTO SOBRE PARTIDAS E CHEGADAS”



 

“Parte I”

 

 

Desde pequenos somos induzidos a acreditar que somos capazes de superar qualquer dor, seja ela de qual tamanho for. Nossos pais passavam por coisas que pensávamos não suportar e isso entrava em nossa cabeça como se fosse uma regra.

Para os homens isso ainda tem um agravante, a velha frase pronta: “Meninos não choram”.

Mas a vida costuma trabalhar em suas próprias maneiras e nos mostra quase sempre o contrário.

Existem dores insuportáveis e que nunca iremos superar e, sim, meninos choram sim!

Aliás, devemos, antes de superar determinadas dores, vivenciar o período de luto que elas oferecem. Isso é extremamente necessário para o processo de superação. É bem verdade que sofrer faz parte da difícil arte de viver.

Cada dia guarda uma nova pagina na nossa vida: sofrendo, superando e aprendendo a viver.

A estória que estou prestes a lhes contar começa a falar de um homem que conseguiu marcar o seu lugar no coração de muita gente sem muito esforço, sendo apenas quem ele sempre foi.

Para tanto, precisamos regredir ao ano de 2006, mais precisamente no mês de Janeiro.

Esse mês foi muito importante na minha vida, pois dois acontecimentos estavam marcados, o casamento da minha irmã e minha colação de grau na Faculdade de Direito.

Pois bem, como já disse algumas pessoas passam em nossa vida e deixam seu nome esculpido em nossos corações. Com meu tio José foi exatamente assim que aconteceu. Carinhosamente chamado de “Tizé” pelos sobrinhos e “Zé Vermelho” ou simplesmente “Vermelho” pelos demais familiares e amigos, meu tio tinha um carinho muito grande por todos os sobrinhos.

Como exemplo da importância da figura dele na nossa família, ele batizou meu irmão caçula, foi meu padrinho de crisma e padrinho de casamento da minha irmã, juntamente com minha tia Fátima (conhecida carinhosamente como “Tia Fatinha”).

Era realmente um casal abençoado. Sempre que íamos passar férias em Minas Gerais, brigávamos para ver quem dormiria na casa do Tizé. Adorávamos meu tio e minha tia de uma maneira tão inexplicável que perdíamos a noção do tempo na casa deles. Por muitas vezes nossa mãe precisava ir buscar os filhos na casa do irmão, pois se deixasse, esqueceríamos da vida e ali ficaríamos.

Meu tio, por sua vez, contribuía muito para isso. Sempre teve o espírito muito jovem. Vivia no meio da molecada, jogando bola na rua.

Realmente um grande exemplo de homem (superado apenas por meu pai, o maior exemplo e referência de homem que posso adotar em minha vida).

Nesse mês de janeiro eu estava muito feliz, de verdade. Pois no dia 07 foi o casamento da minha irmã e lá estava a família toda. O pessoal de Minas alugou uma Van para trazer todo mundo (pois os casamentos da minha família se transformam facilmente em eventos sociais), entre eles familiares, amigos e pessoas que conhecemos na hora e, num piscar de olhos, já nos apegamos e criamos amizade, como o motorista da Van, Marcelo, o cara mais “família” que eu conheci nesse mundo!

E lá se foi toda a família. Eu estava emocionado demais, afinal de contas era o casamento da minha irmãzinha querida. Ao me arrumar, ainda na tarde do casamento, fiquei cerca de vinte minutos trancado no banheiro chorando, pois a minha única irmã estava se casando. Estava, de fato, muito emocionado.

A cerimônia transcorreu e, em seguida, seguimos para a festa. Em meio a toda aquela alegria eu parei um momento (já sem gravata, com a camisa para fora da calça) e observei meus tios dançando e pensei comigo: “Como é possível após todos esses anos as pessoas continuarem tão apaixonadas?” Eles ainda olhavam nos olhos um do outro, minha tia tinha ciúmes do meu tio. Realmente era uma coisa muito bonita de se ver.

Sempre com sorriso no rosto.

Nunca fomos mal tratados por eles, pelo contrário. Quando eu estava na casa dos meus tios, éramos tratados como reis. Confesso que ficamos até um pouco mal acostumados com isso.

No geral, amamos todos os nossos tios. Exemplo disso foi o texto em que narrei a dor que foi deixar minha tia para trás quando estava de mudança para Minas Gerais. Mas com meu tio a coisa era diferente, não sei explicar.

Após o casamento, já no dia seguinte, depois de muitos protestos nossos, eles partiram em direção a Minas Gerais. Na verdade eles não poderiam ficar mais, pois tinham outra viagem no mesmo mês, em direção ao Espírito Santo. Iria para a praia. Todo ano iam.

Na despedida eu vi um lado do meu tio que nunca havia visto na minha vida.

Chorava copiosamente ao abraçar um por um de nós e nós, por óbvio, também chorávamos.

Eu, na minha inocência, não sabia que aquela seria a ultima vez que eu sentiria o abraço do meu tio.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012


“DESCONSTRUIR”

 

 

 

Muitos de vocês devem estar achando estranho essa palavra, mas ao longo desse singelo texto eu explicarei porque uso a palavra “desconstruir”, ao invés de “construir”.

Pois bem, o uso foi proposital e direi a razão para tanto.

Muito tempo a gente perde com coisas idiotas, sem sentido, que só fazem mal para a gente.

E digo mais, eu tenho a seguinte teoria “a gente vive várias vidas dentro da nossa vida”. Isso mesmo, nascemos e morremos durante toda a nossa vida.

Mas como isso?

Simples, a vida nada mais é do que uma sequencia cíclica.

Mas isso não é automático.

Depende muito de nós mesmos. Para alguns a vida é só uma e assim como começou terminará.

Para essas pessoas ouvimos a frase triste dita geralmente em velórios “morreu como viveu...”

Existe uma história que, sendo lenda ou não, serve exatamente como metáfora necessária para explicitar o que estou dizendo.

Há alguns anos foi veiculada na internet a história da águia. Muitos de vocês já devem ter ouvido falar sobre isso. Diz a lenda que quando a água atinge uma certa idade ela sobe ao pico mais alto e se isola por um tempo. Lá, ela quebra seu bico e arranca suas penas. Novas penas crescerão e o bico se renovará.

Mito ou não, onde quero chegar?

É preciso saber a hora de nos renovarmos! De botarmos tudo abaixo e recomeçar do zero.

Eu desenvolvi esse costume, mas muita gente não entende.

Muitas vezes procuro me isolar até que meu bico se refaça e que novas penas nasçam no lugar das velhas. E, meus amigos, quando costumo chegar no topo da montanha para fazer isso, podem ter certeza, o estado é precário. É hora de renovar. Faço isso sozinho, sem muito alarde, só fico quietinho no meu canto, desconstruindo.

A, desconstruir...

Chegou o momento chave do texto!

Por que razão eu disse desconstruir ao invés de destruir como ferramenta essencial no processo de renovação?

Porque, meus caros amigos, muito do que nos desgasta a ponto de precisarmos de um “recapeamento” (no caso mínimo) ou de um “extreme make over” (no caso mais drástico) é consequência de nossos próprios atos. Nós criamos situações que nos impedem de sair com facilidade delas.

Por essa razão é preciso desconstruir o que começamos errado e levantar nova edificação, do zero.

Não basta destruir.

O processo de desconstrução permite que você perceba cada tijolo errado que usou naquela construção e não o use novamente.

É um grande exercício de “espionagem de erros”. A partir daí conseguimos ver o que fizemos de errado e consertarmos para a nova vida que estamos começando.

Ao contrário do que muitos devem estar pensando, esse é um processo sadio. Não há demérito nenhum em começar de novo, do zero. Pelo contrário! Mostra maturidade suficiente para reconhecer o erro e dizer: “Opa, não erro mais dessa forma”.

Então meus amigos, desconstrua você também! Nossa existência permite que você tenha uma gama de vidas diferentes ao longo dos seus anos! Então por que razão você vai ficar preso a uma vida só?

Depois disso tudo, fica para você, meu amigo, uma pergunta:

Você já desconstruiu hoje?

sexta-feira, 2 de novembro de 2012


UMA VIDA EM ONZE MESES

 

 

 

 

 

A infância de Lucas ia muito bem. Morava em São Paulo, tinha seus amigos, fiéis, seus irmãos e suas brincadeiras. Nada incomum para um garoto de dez anos. Vivia bem, desfrutando de sua inocência.

Um dia, ao voltar da escola ele ouviu a conversa de seus pais e por um minuto seu coração parou... decidiram que se mudariam para outra cidade, no interior de Minas Gerais, em busca de melhores condições para criar os quatro filhos.

Nesse momento saiu correndo dali, sem que eles percebessem. Fora para o quintal onde estavam os irmãos, mas nada disse a eles. Vira, ainda, na rua, seu melhor amigo que o aguardava com uma bola de futebol, chamando-o para jogar uma “pelada” com os demais garotos. Mas ele não queria nada daquilo. Queria, naquele instante, ficar sozinho e assimilar a novidade que acabara de ouvir.

No mesmo dia, os pais chamaram os quatro filhos na sala, para uma conversa. Lucas já sabia do que se tratava e, conhecendo a situação dos pais (o pai pedreiro e a mãe dona de casa), não questionou ou relutou, sabia que eles queriam o melhor para os filhos e, naquele momento, São Paulo não era o ideal.

Os irmãos, ainda pequenos, não se importavam muito com isso, só entendiam que mudaria apenas o local das brincadeiras, mas como eles tinham muitos primos isso não os afetaria tanto.

Então, malas feitas, era hora de partir e tentar vida nova em um novo lugar, com novas pessoas e novos ares.

E lá se foram, deixando para trás alguns amigos e parentes.

Ainda na rodoviária, Lucas dera de frente com sua primeira despedida. Sua tia Helen, que ficaria em São Paulo, fora até a rodoviária, para se despedir da irmã, do cunhado e dos sobrinhos. Tudo corria bem, até a hora do embarque, quando, ao ver os olhos da tia, Lucas fora tomado por um sentimento jamais imaginado por ele: “a saudade”.

Ao ver a tristeza no rosto daquela mulher e a sensação de que quinhentos quilômetros os separariam fez com que aquele pequeno garoto, de apenas dez anos, chorasse copiosamente nos braços da tia, a quem tanto amava.

Tivera que ser apartado, levado pelos pais, pois não queria largar aquele momento por nada nesse mundo. Mal sabia ele que aquela tristeza só aumentaria ao entrarem no ônibus, pois, pela janela pode perceber a dor e as lagrimas de quem fica ao ver alguém partindo pois, ele não sabia quando veria a tia de novo e isso causava um desespero muito grande e, ao perceber aquela mulher, adulta e vivida, chorar sozinha, sem ninguém para consolá-la, o garoto sentiu-se impotente e ao mesmo tempo muito triste querendo quebrar aquela janela e poder dar um abraço infinito naquela que fora sua segunda mãe.

Esse foi o momento em que ele percebeu que não pertencia mais àquela cidade.

E o ônibus partiu.

Enquanto saía, devagar e silenciosamente, Helen permanecia estática olhando para o sobrinho com a tristeza estampada nos olhos e, ainda, assim, parecia transmitir a seguinte mensagem: “não chore meu filho, logo nos veremos de novo”.

Ao longo da viagem, Lucas não deixara os pais perceberem que ele chorava a todo momento, enquanto via a feição da tia em todas as paisagens ao longo do caminho. E assim pensaram que o filho fora forte o suficiente para suportar sua primeira tristeza. E sentiram orgulho dele, afinal era o filho mais velho o que, em tese, teria maiores condições de entender toda aquela mudança e seus impactos e consequências.

Mas ele estava partido em dois e, ao mesmo tempo, sabia que não poderia decepcionar os pais. Precisava seguir em frente e ser o homem que eles esperavam que ele fosse.

E assim chegaram à cidade. Muito embora sua memória o remetesse, a todo instante, para sua casa em São Paulo, ele procurava assimilar as particularidades da sua nova vida.

Logo já estava adaptado. Tinha muitos primos por lá e não demorou para arranjar novos amigos, tão leais quanto os que deixara para trás. Isso fez com que aquele garoto adquirisse mais confiança em si mesmo e aceitasse melhor a decisão dos pais.

Não demorou para que já estivesse enturmado e na escola. Mas também foi a primeira vez que percebera o significado da palavra responsabilidade, pois seu pai conseguira pequenos serviços de pedreiro na cidade e levava não só ele, como os dois outros irmãos também para que ajudassem a, ao menos, passar o tempo, fazendo-lhe companhia.

Mas como se não bastasse todo o turbilhão de sentimentos que passara nas ultimas semanas, em uma de suas caminhadas pela cidade, com seus novos amigos, Lucas deparou-se com Fabiola. Era uma linda menina que tirava a concentração daquele garoto. Era estranho ele sentir aquilo, já que os meninos de sua idade não queriam saber de meninas. Mas com Fabiola era diferente. E, ao que tudo indicava, ela também sentia algo por ele, pois não tirara os olhos de Lucas desde que o conhecera.

Tudo ficara mais fácil, pois além de Lucas ser amigo do irmão da moça, um belo dia, estava ele sentado na varanda da casa quando, uma amiga da menina lhe entregara um papel com alguns versos feitos por Fabiola para ele. Nessa carta ela dizia que gostava de Lucas e que não parava de pensar nele.

E essa foi a segunda descoberta de Lucas: “o amor”.

Por um instante parecia que estava doente, pois nunca sentira o estomago doer, um frio na barriga e as mãos suando. Mas sempre que ouvira o nome de Fabiola, tudo isso o tomava como um furação toma uma cidade e a deixa devastada.

Mas ele tinha apenas dez anos!!!! Como poderia ser tão precoce assim? Não sabia e se deixara levar pelo sentimento.

Lucas estava tão apaixonado que andava com a carta para onde quer que fosse. Até na obra em que trabalhava com seu pai, sempre que tinha um tempinho, lia a cartinha escrita com tanto carinho por aquela menina que era tão linda, tão terna e tão pura.

Os dois, no entanto, pouco conversavam, mas quando se falavam pouco diziam, apenas se olhavam, o quanto podiam.

Mas, os dias vão passando e aquela máxima “menino novo na cidade a mulherada cai matando” que Lucas achava se tratar de uma besteira, aconteceu justamente com ele.

Alguma semana depois soube que Fabiola fora vista agarrada com outro garoto da cidade, em uma festa e que o que se comentava entre as demais meninas da cidade era que Fabiola se interessara por Lucas por conta dele ser novo na cidade e vindo da capital paulista. Essa grande besteira era um tipo de “status” para Fabiola.

Portanto, Lucas se deparava com o terceiro sentimento: “a decepção”.

Ao saber disso, trancou-se em seu quarto e chorou, alta e copiosamente até ser repreendido por seu pai:

“Pare com isso agora! Você não tem idade para essas coisas”.

E, ao ouvir aquela voz enérgica e cheia de razão, Lucas enxugou as lágrimas, rasgou a carta de Fabiola e decidiu que seria apenas um garoto de dez anos, perto de completar os onze.

E assim foi feito, deixou de ser o cego apaixonado e voltou a ser um simples garoto que queria apenas correr atrás de uma bola de futebol, pescar com os amigos e aproveitar todas as incertezas que a inocência pode proporcionar. Isso era bonito demais naquela idade: poder ser dar ao luxo de ser inocente.

A vida foi seguindo naquele ano. Lucas estava estabelecido no lugar. Tinha seus amigos, seus primos, seus tios, seus avós. Tudo corria às mil maravilhas. Corria solto pelas ruas, brincando e sendo apenas um garoto de, agora, onze anos.

Mas, nada é fácil nessa vida, nem mesmo para um garoto de onze anos e, então, Lucas se deparava com mais um sentimento novo: “a tristeza”.

Pois, passados onze meses desde que Lucas e a Família haviam chegado naquela cidade, os pais decidiram voltar para São Paulo, pois o chefe de seu pai havia lhe oferecido seu emprego de volta e, naquela altura do campeonato eles perceberam que a cidade grande teria mais a oferecer na criação e educação dos filhos.

E assim, mais uma vez, reuniram os filhos e disseram que estavam voltando para São Paulo.

Um dia antes da viagem de volta, Lucas recebeu em sua casa seu mais leal amigo (mais leal até dos que deixara e São Paulo). Júlio era um menino forte de espírito, filho de um homem bruto do interior, criado para não mostrar seus sentimentos. Pois, então, traçaram uma cordial despedida, mesmo que dentro seus corações estivessem partidos. Após algum tempo, Júlio e sua mãe foram embora e Lucas saiu até a varanda da casa onde morava e pode perceber que o menino, forte e filho de um homem bruto, estava abraçado com a mãe, chorando e sendo consolado. Esse era um lado de Júlio que ninguém havia conhecido e mais uma vez pudera ver nos olhos de quem fica a dor pela saudade de quem vai.

Lucas, então, lembrou-se de sua tia e de tudo que vivera até aquele instante e percebera que naqueles onze meses vivera uma vida inteira de sentimentos. Crescera naquele ano o que pessoas não crescem ao longo da vida.

Sua mente estava agora aberta para receber todas as sensações que a vida lhe proporcionaria.

Sim, ele choraria a saudade novamente (dessa vez uma saudade que não poderia ser curada, pois o reencontro não seria possível, ao menos não nessa vida), amaria de novo e se decepcionaria na mesma proporção e, por fim, sentiria a tristeza novamente. Esse talvez o sentimento que mais o marcaria ao longo da vida.

Se vocês estão interessados em saber o futuro desse garoto, o que ele virou, se ele existiu de verdade eu vos digo meus amigos, esse garoto acabou de lhes escrever esse texto.

Essa é a minha história, uma vida inteira que vivenciei durante onze meses dentro do ano de 1991.  

 

 

sábado, 20 de outubro de 2012

Mais uma respostagem de outro texto que publiquei no facebook ha algum tempo:


IMBECILIDADES EM NOME DE DEUS

 

 

Bom pessoal, esse talvez seja o texto mais revoltado que eu já tenha escrito, mas é extremamente necessário tecer alguns comentários sobre algo que venho assistindo com certa frequência nos dias de hoje e no meu convívio social, principalmente.

Muito se fala em fé, em profissão de fé, em certo ou errado.

Eu digo a vocês meus amigos, aliás, e pergunto: o que é certo hoje em dia? Ser católico? Evangélico? Judeu? Muçulmano? Budista? O que agradaria mais a Deus?

Isso tudo não passa de uma grande imbecilidade! Durante anos e anos, séculos e séculos vivemos nos digladiando tentando provar um ao outro que estamos certos achando que, agindo assim, Deus nos dará aquele tão sonhado lugar ao seu lado direito no trono.

Em verdade vos digo: Deus não olha a sua religião para definir o que é certo ou errado! O certo ou errado é avaliado pela medida de suas boas ações e isso comprovo!

Tenho amigos ateus muito mais “santos” do que eu que levanto todo domingo à sete e meia da manhã, pego meu baixo e vou para a igreja tocar e dar minha contribuição com a obra.

Pergunto-lhe: sou melhor do que alguém por causa disso? De jeito nenhum! Pelo contrário! Sou o cara mais falho do mundo e cheio de espinhos no coração de Deus que plantei com minhas ações.

Gente, parem com essa infelicidade de atacar uma ou outra religião por causa disso ou daquilo! Eu sou católico e sei dos problemas da minha religião, mas tenho ciência de que ela não é perfeita e, ainda, nem por essa razão eu tento empurrá-la goela abaixo dos outros para provar que essa é a salvação.

Ademais, quando a gente difere um ao outro por conta de sua religião, ou pela fé que professa é a mesma coisa que diferenciar uma ou outra pessoa pela cor de sua pele.

Isso mesmo, fazendo assim você se equipara ao pior tipo de racista do mundo!

Agora pergunto, você acha que “seu Deus” aprovaria isso? Pense nisso da próxima vez que for chamar alguém de idólatra ou que disser que você sustenta uma igreja feita de corruptos, pedófilos e homens que só pensam em dinheiro. Ou, ainda, quando for se referir a alguém como sendo doido terrorista ou, ainda, torturadores de mulheres.

Pense o que “se Deus” acharia disso e imagine um prego entrando dentro do seu coração.

Pois é assim que ele se sente! Quando todos morrermos não seremos julgados pela bíblia ou livro sagrado que lemos durante a vida, mas sim pelo que fizemos ou deixamos de fazer, inclusive discriminar aquela pessoa que não professa a mesma fé que você.

Idiotas! Mal sabem que somos todos filhos do mesmo pai. Somos todos irmãos e Deus nos ama a todos. Professe sua fé, isso é saudável e Deus gosta disso. Mas respeite as outras formas de se professar a fé, como cada um se adapta a ela.

Faça isso e eu garanto, você agradará muito mais do que fazendo o que você está fazendo nesse momento: julgando-me porque eu sou católico!

Sei que nem todos pensaram assim, mas eu sei que boa parcela pensou e eu só lamento por vocês!

Não sou santo e nem quero ser, aliás, como já disse, sou em certos pontos o pior do ser humano, mas eu tenho tempo de sobra da minha vida para mudar porque já acordei.
Mas e você, vai continuar assim?
Da "série" repostagens, segue abaixo um texto que fala sobre a bondade, onde e como encontrá-la:


O HOMEM QUE NÃO CONHECIA A BONDADE

 

 

Era uma vez um homem que não sabia o que era a bondade. Vivia num lugar extremamente triste, frio, onde as pessoas eram indiferentes e violentas.

Nesse ambiente ele cresceu e formou seu caráter, acreditando que as pessoas não tinham um lado bom. Pelo contrário! Cada manifestação de consideração por parte dos outros era vista como uma maneira de obter alguma vantagem.

Era uma pessoa amarga e sozinha, pois não conseguia enxergar cor nos dias de sol, nem sentir todos os belos aromas de um dia de chuva.

Era infeliz.

Um belo dia, resolveu mudar dali, levando poucas lembranças, mas uma certeza: não existia bondade e nem um lado bom nas coisas.

Chegou a uma cidade e, para ele, nada havia mudado. As pessoas continuavam as mesmas, frias, indiferentes e violentas. As famílias não eram como ele ouvia falar que poderiam ser. Sua vida continuava triste e sem sentido.

Até que, um belo dia ao atravessar a rua, ele percebeu que uma senhora estava atravessando no sentido contrário. Era uma senhora de idade, caminhava com dificuldade. Ao se aproximar dele ela perdeu o equilíbrio e caiu, na sua frente. O homem, como que por reflexo, levantou a mulher, ajudado a pegar as coisas que caíram de seus braços.

A mulher então olhou em seus olhos e disse: “Meu filho, Deus o abençoe! É tão difícil ver alguém bom hoje em dia!”.

O homem, assustado, saiu correndo em direção a sua casa, incrédulo! Era a primeira vez que aquilo acontecia e ele estava apavorado. Afinal de contas, não estava acostumado com palavras doces.

No outro dia, ela já olhava as pessoas com uma certa desconfiança, assustado. Parado em uma rua, ele percebeu que puxaram seu casaco. Era uma menininha de seus seis anos apontando para um poste perto dele. Ela tinha deixado voar uma bexiga de gás que segurava e que ficara presa naquele poste. O homem, então, entendendo o que a menina queria, sem muito parar para pensar, pegou o balão e o entregou à menina, sem nada dizer. Quando, sem muito avisar, a menina abraça a perna do homem e diz “obrigada moço”.

Depois disso sua vida mudou.

Aquele homem criado em meio à violência e frieza, percebeu que quanto mais a gente espera a bondade dos outros, mais longe da gente ela fica, mas quando a gente resolver ser bom para os outros, aí sim, a gente encontra a verdadeira bondade.

A bondade está nas coisas simples, no ajudar, no ouvir, no “estar ali”.

A chuva passou a ter um cheiro especial e os dias ensolarados começaram a ter uma cor maravilhosa e a vida daquele homem começava ali.

Desse dia em diante, ele conseguiu perceber que a vida sempre pode recomeçar. E a dele recomeçou.
A bondade está dentro da gente. Pratiquem-na, sem esperar nada em troca e seus dias terão mais cor e a chuva um cheiro especial. Isso se chama “viver”.

domingo, 16 de setembro de 2012

Boa noite meu povo! Resolvi "repostar" (se é que essa palavra existe - rs) alguns dos textos que eu havia postado no meu facebook antigo. Um deles e que reputo um dos mais interessantes é o "ensaio sobre a solidão". Escrevi esse texto há alguns meses e algumas pessoas ja conhecem, mas queria que ele fizesse parte desse NOSSO espaço. Um abraço a todos e, mais uma vez, obrigado pelo carinho e pela paciência.






ENSAIO SOBRE A SOLIDÃO

 

 

Durante algum tempo eu me perguntava porque eu me sentia tão sozinho. Acho que isso influenciou muito no meu processo depressivo, porque eu simplesmente não conseguia me sentir amparado por lado nenhum, muito embora eu tivesse o mundo ao meu redor.

Em um desses episódios, lá pelo ano de 2008, eu estava saindo do fórum e resolvi atravessar a rua de olhos fechados pensado: “se eu morrer o mundo não perde muita coisa”.

Pois bem.

Graças ao bom Deus (ele teve um papel importante nesse período), nada de grave me aconteceu (porque isso não foi uma vez só) e eu tive uma segunda chance para repensar minhas atitudes.

Em um desses momentos de divagação eu me recordei de um pesadelo que tive quando adolescente: estava eu voando e de repente uma pessoa pegava minha mão e me levava, para baixo das nuvens. Eu conseguia ver uma aglomeração e, ao me aproximar, percebi que eu conhecia muitas pessoas que ali estavam. Quando cheguei mais próximo, pude reconhecer, nitidamente, meus irmãos abraçados com minha mãe, inconsoláveis, chorando copiosamente. Naturalmente o desespero tomou conta de mim e eu, até então não sabia se tratar de um pesadelo. Naquele exato momento eu pude perceber que se tratava do meu velório e que o que voava, na verdade, era meu espírito, observando aquela cena.

Depois de ver essa cena eu olhei para os lados e vi que muitas pessoas eu conhecia e algumas que lá estavam eu pude perceber que conheceria bem mais tarde.

Foi então que eu percebi que, mesmo rodeado de pessoas eu ainda conseguia me sentir sozinho.

Então eu me propus um pacto: durante uma semana eu observaria as pessoas ao meu redor ao invés de simplesmente constatar que estava largado e abandonado.

Pude perceber então a preocupação das pessoas com o meu estado (que naquele tempo era grave, de fato) e que muitas oravam para a minha melhora.

Tive muitos amigos que fizeram muito por mim, me resgataram de um buraco sem fundo e me trouxeram de volta para o mundo. Além da minha família... esses sofreram junto comigo. Cada lágrima que eu derramava era um espinho no coração deles.

Isso precisava ter um fim!

E foi aí que eu percebi que eu não estava caindo em um precipício, mas sim pulando nos braços das pessoas que queriam o meu bem e que eram e são muitas.

Hoje eu tenho a capacidade de reconhecer quem está do meu lado e que não são poucas pessoas.

Apesar de ter falhado com muitas delas (e sigo falhando), foi por elas que eu voltei desse lado escuro em mim e é por elas que sigo lutando para que isso jamais volte a me dominar.

Eu que sempre fui um cara muito brincalhão, um dia me cansei disso. Queria que as pessoas me reconhecessem por outros atributos. Tanto que um dia em conversa com meus irmãos, nós dizíamos: “O tio Rodrigo vai ensinar as crianças a falar inglês. O tio Danilo vai ensinar as crianças a cuidar do computador. A tia Cindy vai ensinar as crianças a serem sérias. E o tio Leandro vai fazer palhaçada pra elas”. Eu fiquei extremamente triste com essa constatação porque eu era reconhecido justamente por aquilo que eu não queria e isso me fazia sentir um vazio muito grande.

Mas eu consegui, tempos depois, constatar que cada um tem um papel nessa vida e uma coisa que as torna especiais.

Por isso, meus amigos, digo a todos vocês: cada um tem um papel importante na existência do outro. Jamais ignorem isso. Eu aceitei o meu e hoje tenho a capacidade de fazer as pessoas rirem com uma certa facilidade, muito embora algumas vezes meu coração esteja chorando.

Eu costumo usar a seguinte frase que tirei da música “Show must go on” do Queen: “dentro de mim meu coração está despedaçado, minha maquiagem derretendo, mas meu sorriso continua intacto”.

Constatando isso eu consegui sair do meu estado vegetativo pois encontrei meu papel na vida e percebi que sou uma peça importante nos dias daqueles que me rodeiam.

A mensagem que deixo é essa: quando se sentirem assim, procurem o papel na vida da sua família e amigos. Você vai perceber o quão é importante para eles e que, na verdade, você nunca esteve sozinho.

 

domingo, 9 de setembro de 2012

"Mensagem numa garrafa"
 
 
Hoje eu pensei em escrever um texto sobre a solidão que às vezes não só nós sentimos e de repente me deparei, não por acaso, com uma música que estava ouvindo que contava a história de um náufrago que resolveu escrever uma mensagem e colocar numa garrafa para ver se alguém o encontraria. Após um ano que ele enviou a mensagem, qual não foi sua surpresa quando:
 
"Andei por aí esta manhã, não acredito no que vi
...
100 bilhões de garrafas carregadas pela água até beira-mar
Parece que não sou o único que está sozinho
100 bilhões de náufragos, procurando por um lar"

O nome da música é Message in a bottle do Police, pensem na mensagem meus queridos! Abraços, Leandro


http://www.youtube.com/watch?v=MbXWrmQW-OE

terça-feira, 4 de setembro de 2012


“VÓRTICE”

 

 

Quase ninguém vai entender a narrativa que seguirá.

Por volta das oito da manhã ele acordou e sentiu que o dia não seria dos melhores. Sentia aquela dor do lado esquerdo da cabeça que o incomodaria o dia todo. Aquela mesma, que começa na nuca e vai até o olho, como se dividisse o crânio em duas partes distintas.

Por consequência, o cérebro também ficaria prejudicado, já que uma dor de cabeça severa é capaz de mexer com todos os nossos sentidos e afetar o nosso raciocínio.

Para muitos aquilo poderia significar uma enxaqueca começando, das mais inconvenientes.

Mas aquela dorzinha, pequena por enquanto, mas de fato irritante, significava outra coisa para ele. Ele sabia que começaria em breve, mais uma de suas crises.

Mas como, se ele acabara de acordar? Não tivera ainda contato com algo que o chateasse, mas mesmo assim teria recaídas?

Pois bem, ele sabia que estava começando mais um dia difícil na sua vida. Um dia onde o isolamento ao qual se submetia sistematicamente e de forma voluntária o massacraria, um pouco mais.

O mais engraçado nisso tudo era que pouca gente conhecia esse seu lado, um lado oculto que assustava aqueles para quem era revelado. Muitos se afastavam na verdade, por essa razão ele fazia tanta questão de esconder e construir o “Muro de Roger Waters” ao seu redor.

Ele sabia, ele sentia quando ia ter uma crise, seja ela forte ou fraca. Sabia também o momento de correr para o banheiro e chorar por cerca de uns quarenta minutos, agarrado a uma toalha de rosto e dizendo insistentemente “por que, meu Deus, por que?”.

Por mais que sentisse não ser merecedor de todo aquele sofrimento aparentemente sem motivos, sabia que grande parte dele se devia às suas próprias ações. Esse era o segundo estágio da crise: a culpa, que levava invariavelmente ao terceiro, a pena de si mesmo.

Culpava-se por afastar as pessoas e ao mesmo tempo procurava o isolamento. Esse paradoxo piorava ainda mais a sua situação, afinal de contas, o eterno dilema permanecia martelando seus sentidos: procurar ajuda ou despertar nas pessoas o olhar que ele não queria ver, aquele lançado por quem não tem muita paciência para os problemas dos outros.

Por mais que se diga não ser verdade, fato é que pouca gente tem paciência para os problemas alheios, por pior que eles sejam e ele sabia disso. Por vezes muito bom ouvinte, hoje sozinho atrás do muro que ele próprio construíra, sendo atormentado pelos fantasmas que ele mesmo havia criado.

Atrás daquela parede ele conseguia ouvir as pessoas vivendo suas vidas e levando adiante seus dias, passado por cima dos problemas que para ele pareciam montanhas intransponíveis.

Ouvia os risos, os gritos, a interação.

Queria também ser assim, mas não conseguia e a culpa era única e exclusivamente sua.

Ao perceber que todo mundo conseguia viver de forma normal, compadecia-se de si mesmo. Não entendia o porquê daquilo não fazer parte da sua realidade e chorava ao perceber que estava completamente sozinho.

Em meio a todo esse turbilhão de sentimentos ruins sentia a vontade de compartilhar com alguém tudo aquilo, mas sabia que não poderia, que não teria quem estivesse disposto a ouvir tudo o que ele tinha a dizer.

E assim seguia o seu dia, da porta de casa até o trabalho, pensamentos ruins permeavam sua mente. Chegando no trabalho, nada havia mudado, apenas a irritação que aumentava. Às vezes tinha crises de choro esporádicas ao longo do dia, sozinho, num canto seguro, deixava que elas seguissem seu caminho.

As lágrimas saíam com certa facilidade, enquanto ele, sentado no vaso sanitário, tentava não causar muito alarido. Ali ficava por alguns momentos e saía do banheiro como se nada houvesse acontecido, sempre com um sorriso no rosto e com uma piada na ponta da língua.

Para aqueles que sabiam de seu problema, tudo parecia muito confuso, pois ele não aparentava ser alguém que sofresse desse jeito. Sempre alegre, espirituoso, brincando o tempo todo. Era do tipo de pessoa que conseguia fazer piada consigo próprio. Nada daquilo fazia muito sentido.

Mal sabiam eles que, por detrás daquela pessoa existia uma alma cinza, cada vez mais acuada. Mas quem queria saber disso?

E o seu dia ia seguindo entre altos e baixos, até que o expediente finalmente terminaria.

Ao chegar em casa, nada seria diferente. Apesar de muito esconder, ele continuava a sentir o peso do seu dia nublado. Esconder esse sentimento dos entes mais próximos era a tarefa que mais o abatia. Mas ele sabia que era necessário.

E o dia chegava ao fim. A dor de cabeça sumia, o travesseiro o oferecia o carinho que precisava e, após ser vencido pelo cansaço, entregava-se ao mais profundo sono.

É exatamente assim um dia de crise em sua vida. Um furacão que passa levando tudo em sua volta.

Quando eu me referi no inicio do texto que quase ninguém entenderia, eu estava falando a verdade.

Muitas pessoas que estão lendo esse texto, nesse exato momento (muitos dos que me conhecem pessoalmente) devem estar pensando horrores a meu respeito ou ainda lutando para que eu não tome nenhuma atitude intempestiva. Nesse momento minha caixa de e-mails deve estar lotada de mensagens preocupadas. Meu celular abarrotado de “SMSs” do tipo “O que aconteceu?”.

Pois bem meus amigos, esse texto serve para explicar o que é um dia de crise (UM DIA!). De fato é fácil descobrir quando a crise vai começar e para isso temos um tempo para nos prevenir a traçar o plano diário.

Por essa razão pouca gente conhece esse lado não só meu mas de inúmeras outras pessoas.

A gente aprende a conviver com isso!

Eu mesmo aprendi a conviver com essas crises, por mais fortes que possam parecer e nunca pensei nada de pior para fazer em relação a mim, minha integridade física, enfim. Sou bem resolvido quanto a isso.

Sou um “depressivo vegetariano”. O que seria isso? Não tenho intuitos suicidas ou autodestrutivos.

Apenas momentos de pura reflexão onde procuro, sempre que possível escrever.

Assim vou levando a minha vida, entre um tropeço e outro, uma lágrima e outra, um sorriso, uma piada.

Faço da tragédia um palco e da tristeza uma peça.

Apresento-lhes, sempre que posso, pequenos atos dessa peça, escritos ao longo dos meus dias. Reitero que, quando disse que muita gente não entenderia (e sei que não entende apesar de tudo o que eu disse), eu quis dizer que apesar de tudo o que sinto não me entreguei e não penso nisso.

Sigo lutando, cada dia mais. Escrevendo cada dia mais.

Estou bem, sigo bem e ficarei bem.

Vivendo, na medida do possível e convivendo com os meus fantasmas e monstros que insistem em morar debaixo da minha cama. Mas nem por essa razão eu deixo de dormir na minha cama. Eles que fiquem lá! Eu estou cansado demais para pedir que eles saiam de lá. Deixe que eles se cansem e vão embora! Mas quando forem, que não voltem mais!

Pois eu já sou grande o bastante e está mais do que na hora de deixar de ter medo de fantasmas e monstros debaixo da cama.