quarta-feira, 22 de maio de 2013


“A DOR ALHEIA”

 

 

 

Não era a primeira vez que se sentia a pior pessoa do mundo.

A menos interessante e ao mesmo tempo a mais perigosa. Não se achava digno de pisar no chão à sua frente, nem de receber a mão estendida de um amigo.

Não se sentia merecedor, pois seus pensamentos o condenavam e o arrastavam para um abismo sem retorno e sem fundo.

Não sabia por qual razão se sentia assim, apenas sentia essa aura podre ao seu redor, desde que se entendia por gente.

Muitas vezes chorava sozinho por se considerar uma vergonha para todos aqueles que com ele conviviam e que nele depositavam suas maiores expectativas.

Ele simplesmente não sabia lidar com isso.

Naquele dia, especificamente, saiu de casa como em um dia qualquer, com medo de olhar nos olhos das pessoas.

Mas sentia algo estranho, uma dor incontida dentro do peito que não o deixava respirar.

Achou que estava delirando ou morrendo e preparou-se para tomar ar e tentar sentar em algum lugar.

Fechou os olhos e uma frase dita por uma voz feminina tomou seu cérebro “meu Deus, será que ele sairá da UTI hoje?”. Levantou a cabeça e viu que uma senhora o olhava com os olhos tristes, quase sem esperanças.

Não deu muita atenção àquele fato, apenas tentou buscar explicação para o mal estar que sentia, quando uma voz masculina ecoou em sua cabeça: “Como farei sem emprego? E meus filhos, minha esposa?”. Olhando para o seu lado percebeu um homem com as mãos na cabeça, sentado ao seu lado, demonstrando certo desespero.

O mais estranho era que as vozes estavam dentro de sua cabeça e não pareciam chegar ao seu cérebro através dos ouvidos.

Mas tudo era muito estranho.

E nesse momento uma voz de criança foi sentida “eu não quero que os meus pais se separem”. E viu uma criança que chorava, calada, sentada em meio aos pais discutindo.

Aquilo o comoveu e ele percebeu que algo de estranho acontecia.

Junto com as vozes, uma sensação de angústia muito grande tomava seu corpo, como se aquelas frases fossem proferidas por ele. Mas ele sabia que aquelas situações não foram vivenciadas e que nada tinha a vir com sua história de vida.

Chegando em casa ele pode perceber que conseguia sentir a dor das pessoas.

Era estranha a sensação e angustiante, pois ele não era capaz nem de superar suas angustias, quiçá ser destinatário da dor alheia!

Durante alguns dias aquilo foi aumentando e ele foi chegando no limite.

O incomodo era tamanho que decidira acabar com a própria vida naquele mesmo dia.

Com lágrimas nos olhos ele preparou a forca e a cadeira de onde seu corpo iria ficar suspenso, sem vida.

Quando subiu e passou a corda pelo pescoço, aquele cara que pensava ser o pior ser humano da terra, por um segundo, parou... parou e pensou.

No limite do seu último suspiro ele encontrou de vez algo que o faria uma pessoa boa e que o redimiria de toda a maldade que ele mesmo havia inventado em sua cabeça.

E naquele momento desejou sentir a dor de todo o mundo, de absorver todo o sofrimento que as pessoas que o rodeavam e que ele amava sentiam.

Sabia que seria feliz assim, carregando a cruz alheia.

Sentiu-se uma pessoa boa a partir de então. Bom por ser capaz de se sentir feliz fazendo com que o sofrimento alheio fosse mais fácil de suportar, sendo dividido com ele.

Feliz por poder sentir a dor daqueles que jamais se disporiam a sentir a dor dele.

Feliz pois, sentindo a dor dos outros ele era capaz de esquecer a própria dor, aquela que ninguém seria capaz de sentir por ele.