sexta-feira, 2 de novembro de 2012


UMA VIDA EM ONZE MESES

 

 

 

 

 

A infância de Lucas ia muito bem. Morava em São Paulo, tinha seus amigos, fiéis, seus irmãos e suas brincadeiras. Nada incomum para um garoto de dez anos. Vivia bem, desfrutando de sua inocência.

Um dia, ao voltar da escola ele ouviu a conversa de seus pais e por um minuto seu coração parou... decidiram que se mudariam para outra cidade, no interior de Minas Gerais, em busca de melhores condições para criar os quatro filhos.

Nesse momento saiu correndo dali, sem que eles percebessem. Fora para o quintal onde estavam os irmãos, mas nada disse a eles. Vira, ainda, na rua, seu melhor amigo que o aguardava com uma bola de futebol, chamando-o para jogar uma “pelada” com os demais garotos. Mas ele não queria nada daquilo. Queria, naquele instante, ficar sozinho e assimilar a novidade que acabara de ouvir.

No mesmo dia, os pais chamaram os quatro filhos na sala, para uma conversa. Lucas já sabia do que se tratava e, conhecendo a situação dos pais (o pai pedreiro e a mãe dona de casa), não questionou ou relutou, sabia que eles queriam o melhor para os filhos e, naquele momento, São Paulo não era o ideal.

Os irmãos, ainda pequenos, não se importavam muito com isso, só entendiam que mudaria apenas o local das brincadeiras, mas como eles tinham muitos primos isso não os afetaria tanto.

Então, malas feitas, era hora de partir e tentar vida nova em um novo lugar, com novas pessoas e novos ares.

E lá se foram, deixando para trás alguns amigos e parentes.

Ainda na rodoviária, Lucas dera de frente com sua primeira despedida. Sua tia Helen, que ficaria em São Paulo, fora até a rodoviária, para se despedir da irmã, do cunhado e dos sobrinhos. Tudo corria bem, até a hora do embarque, quando, ao ver os olhos da tia, Lucas fora tomado por um sentimento jamais imaginado por ele: “a saudade”.

Ao ver a tristeza no rosto daquela mulher e a sensação de que quinhentos quilômetros os separariam fez com que aquele pequeno garoto, de apenas dez anos, chorasse copiosamente nos braços da tia, a quem tanto amava.

Tivera que ser apartado, levado pelos pais, pois não queria largar aquele momento por nada nesse mundo. Mal sabia ele que aquela tristeza só aumentaria ao entrarem no ônibus, pois, pela janela pode perceber a dor e as lagrimas de quem fica ao ver alguém partindo pois, ele não sabia quando veria a tia de novo e isso causava um desespero muito grande e, ao perceber aquela mulher, adulta e vivida, chorar sozinha, sem ninguém para consolá-la, o garoto sentiu-se impotente e ao mesmo tempo muito triste querendo quebrar aquela janela e poder dar um abraço infinito naquela que fora sua segunda mãe.

Esse foi o momento em que ele percebeu que não pertencia mais àquela cidade.

E o ônibus partiu.

Enquanto saía, devagar e silenciosamente, Helen permanecia estática olhando para o sobrinho com a tristeza estampada nos olhos e, ainda, assim, parecia transmitir a seguinte mensagem: “não chore meu filho, logo nos veremos de novo”.

Ao longo da viagem, Lucas não deixara os pais perceberem que ele chorava a todo momento, enquanto via a feição da tia em todas as paisagens ao longo do caminho. E assim pensaram que o filho fora forte o suficiente para suportar sua primeira tristeza. E sentiram orgulho dele, afinal era o filho mais velho o que, em tese, teria maiores condições de entender toda aquela mudança e seus impactos e consequências.

Mas ele estava partido em dois e, ao mesmo tempo, sabia que não poderia decepcionar os pais. Precisava seguir em frente e ser o homem que eles esperavam que ele fosse.

E assim chegaram à cidade. Muito embora sua memória o remetesse, a todo instante, para sua casa em São Paulo, ele procurava assimilar as particularidades da sua nova vida.

Logo já estava adaptado. Tinha muitos primos por lá e não demorou para arranjar novos amigos, tão leais quanto os que deixara para trás. Isso fez com que aquele garoto adquirisse mais confiança em si mesmo e aceitasse melhor a decisão dos pais.

Não demorou para que já estivesse enturmado e na escola. Mas também foi a primeira vez que percebera o significado da palavra responsabilidade, pois seu pai conseguira pequenos serviços de pedreiro na cidade e levava não só ele, como os dois outros irmãos também para que ajudassem a, ao menos, passar o tempo, fazendo-lhe companhia.

Mas como se não bastasse todo o turbilhão de sentimentos que passara nas ultimas semanas, em uma de suas caminhadas pela cidade, com seus novos amigos, Lucas deparou-se com Fabiola. Era uma linda menina que tirava a concentração daquele garoto. Era estranho ele sentir aquilo, já que os meninos de sua idade não queriam saber de meninas. Mas com Fabiola era diferente. E, ao que tudo indicava, ela também sentia algo por ele, pois não tirara os olhos de Lucas desde que o conhecera.

Tudo ficara mais fácil, pois além de Lucas ser amigo do irmão da moça, um belo dia, estava ele sentado na varanda da casa quando, uma amiga da menina lhe entregara um papel com alguns versos feitos por Fabiola para ele. Nessa carta ela dizia que gostava de Lucas e que não parava de pensar nele.

E essa foi a segunda descoberta de Lucas: “o amor”.

Por um instante parecia que estava doente, pois nunca sentira o estomago doer, um frio na barriga e as mãos suando. Mas sempre que ouvira o nome de Fabiola, tudo isso o tomava como um furação toma uma cidade e a deixa devastada.

Mas ele tinha apenas dez anos!!!! Como poderia ser tão precoce assim? Não sabia e se deixara levar pelo sentimento.

Lucas estava tão apaixonado que andava com a carta para onde quer que fosse. Até na obra em que trabalhava com seu pai, sempre que tinha um tempinho, lia a cartinha escrita com tanto carinho por aquela menina que era tão linda, tão terna e tão pura.

Os dois, no entanto, pouco conversavam, mas quando se falavam pouco diziam, apenas se olhavam, o quanto podiam.

Mas, os dias vão passando e aquela máxima “menino novo na cidade a mulherada cai matando” que Lucas achava se tratar de uma besteira, aconteceu justamente com ele.

Alguma semana depois soube que Fabiola fora vista agarrada com outro garoto da cidade, em uma festa e que o que se comentava entre as demais meninas da cidade era que Fabiola se interessara por Lucas por conta dele ser novo na cidade e vindo da capital paulista. Essa grande besteira era um tipo de “status” para Fabiola.

Portanto, Lucas se deparava com o terceiro sentimento: “a decepção”.

Ao saber disso, trancou-se em seu quarto e chorou, alta e copiosamente até ser repreendido por seu pai:

“Pare com isso agora! Você não tem idade para essas coisas”.

E, ao ouvir aquela voz enérgica e cheia de razão, Lucas enxugou as lágrimas, rasgou a carta de Fabiola e decidiu que seria apenas um garoto de dez anos, perto de completar os onze.

E assim foi feito, deixou de ser o cego apaixonado e voltou a ser um simples garoto que queria apenas correr atrás de uma bola de futebol, pescar com os amigos e aproveitar todas as incertezas que a inocência pode proporcionar. Isso era bonito demais naquela idade: poder ser dar ao luxo de ser inocente.

A vida foi seguindo naquele ano. Lucas estava estabelecido no lugar. Tinha seus amigos, seus primos, seus tios, seus avós. Tudo corria às mil maravilhas. Corria solto pelas ruas, brincando e sendo apenas um garoto de, agora, onze anos.

Mas, nada é fácil nessa vida, nem mesmo para um garoto de onze anos e, então, Lucas se deparava com mais um sentimento novo: “a tristeza”.

Pois, passados onze meses desde que Lucas e a Família haviam chegado naquela cidade, os pais decidiram voltar para São Paulo, pois o chefe de seu pai havia lhe oferecido seu emprego de volta e, naquela altura do campeonato eles perceberam que a cidade grande teria mais a oferecer na criação e educação dos filhos.

E assim, mais uma vez, reuniram os filhos e disseram que estavam voltando para São Paulo.

Um dia antes da viagem de volta, Lucas recebeu em sua casa seu mais leal amigo (mais leal até dos que deixara e São Paulo). Júlio era um menino forte de espírito, filho de um homem bruto do interior, criado para não mostrar seus sentimentos. Pois, então, traçaram uma cordial despedida, mesmo que dentro seus corações estivessem partidos. Após algum tempo, Júlio e sua mãe foram embora e Lucas saiu até a varanda da casa onde morava e pode perceber que o menino, forte e filho de um homem bruto, estava abraçado com a mãe, chorando e sendo consolado. Esse era um lado de Júlio que ninguém havia conhecido e mais uma vez pudera ver nos olhos de quem fica a dor pela saudade de quem vai.

Lucas, então, lembrou-se de sua tia e de tudo que vivera até aquele instante e percebera que naqueles onze meses vivera uma vida inteira de sentimentos. Crescera naquele ano o que pessoas não crescem ao longo da vida.

Sua mente estava agora aberta para receber todas as sensações que a vida lhe proporcionaria.

Sim, ele choraria a saudade novamente (dessa vez uma saudade que não poderia ser curada, pois o reencontro não seria possível, ao menos não nessa vida), amaria de novo e se decepcionaria na mesma proporção e, por fim, sentiria a tristeza novamente. Esse talvez o sentimento que mais o marcaria ao longo da vida.

Se vocês estão interessados em saber o futuro desse garoto, o que ele virou, se ele existiu de verdade eu vos digo meus amigos, esse garoto acabou de lhes escrever esse texto.

Essa é a minha história, uma vida inteira que vivenciei durante onze meses dentro do ano de 1991.