terça-feira, 4 de setembro de 2012


“VÓRTICE”

 

 

Quase ninguém vai entender a narrativa que seguirá.

Por volta das oito da manhã ele acordou e sentiu que o dia não seria dos melhores. Sentia aquela dor do lado esquerdo da cabeça que o incomodaria o dia todo. Aquela mesma, que começa na nuca e vai até o olho, como se dividisse o crânio em duas partes distintas.

Por consequência, o cérebro também ficaria prejudicado, já que uma dor de cabeça severa é capaz de mexer com todos os nossos sentidos e afetar o nosso raciocínio.

Para muitos aquilo poderia significar uma enxaqueca começando, das mais inconvenientes.

Mas aquela dorzinha, pequena por enquanto, mas de fato irritante, significava outra coisa para ele. Ele sabia que começaria em breve, mais uma de suas crises.

Mas como, se ele acabara de acordar? Não tivera ainda contato com algo que o chateasse, mas mesmo assim teria recaídas?

Pois bem, ele sabia que estava começando mais um dia difícil na sua vida. Um dia onde o isolamento ao qual se submetia sistematicamente e de forma voluntária o massacraria, um pouco mais.

O mais engraçado nisso tudo era que pouca gente conhecia esse seu lado, um lado oculto que assustava aqueles para quem era revelado. Muitos se afastavam na verdade, por essa razão ele fazia tanta questão de esconder e construir o “Muro de Roger Waters” ao seu redor.

Ele sabia, ele sentia quando ia ter uma crise, seja ela forte ou fraca. Sabia também o momento de correr para o banheiro e chorar por cerca de uns quarenta minutos, agarrado a uma toalha de rosto e dizendo insistentemente “por que, meu Deus, por que?”.

Por mais que sentisse não ser merecedor de todo aquele sofrimento aparentemente sem motivos, sabia que grande parte dele se devia às suas próprias ações. Esse era o segundo estágio da crise: a culpa, que levava invariavelmente ao terceiro, a pena de si mesmo.

Culpava-se por afastar as pessoas e ao mesmo tempo procurava o isolamento. Esse paradoxo piorava ainda mais a sua situação, afinal de contas, o eterno dilema permanecia martelando seus sentidos: procurar ajuda ou despertar nas pessoas o olhar que ele não queria ver, aquele lançado por quem não tem muita paciência para os problemas dos outros.

Por mais que se diga não ser verdade, fato é que pouca gente tem paciência para os problemas alheios, por pior que eles sejam e ele sabia disso. Por vezes muito bom ouvinte, hoje sozinho atrás do muro que ele próprio construíra, sendo atormentado pelos fantasmas que ele mesmo havia criado.

Atrás daquela parede ele conseguia ouvir as pessoas vivendo suas vidas e levando adiante seus dias, passado por cima dos problemas que para ele pareciam montanhas intransponíveis.

Ouvia os risos, os gritos, a interação.

Queria também ser assim, mas não conseguia e a culpa era única e exclusivamente sua.

Ao perceber que todo mundo conseguia viver de forma normal, compadecia-se de si mesmo. Não entendia o porquê daquilo não fazer parte da sua realidade e chorava ao perceber que estava completamente sozinho.

Em meio a todo esse turbilhão de sentimentos ruins sentia a vontade de compartilhar com alguém tudo aquilo, mas sabia que não poderia, que não teria quem estivesse disposto a ouvir tudo o que ele tinha a dizer.

E assim seguia o seu dia, da porta de casa até o trabalho, pensamentos ruins permeavam sua mente. Chegando no trabalho, nada havia mudado, apenas a irritação que aumentava. Às vezes tinha crises de choro esporádicas ao longo do dia, sozinho, num canto seguro, deixava que elas seguissem seu caminho.

As lágrimas saíam com certa facilidade, enquanto ele, sentado no vaso sanitário, tentava não causar muito alarido. Ali ficava por alguns momentos e saía do banheiro como se nada houvesse acontecido, sempre com um sorriso no rosto e com uma piada na ponta da língua.

Para aqueles que sabiam de seu problema, tudo parecia muito confuso, pois ele não aparentava ser alguém que sofresse desse jeito. Sempre alegre, espirituoso, brincando o tempo todo. Era do tipo de pessoa que conseguia fazer piada consigo próprio. Nada daquilo fazia muito sentido.

Mal sabiam eles que, por detrás daquela pessoa existia uma alma cinza, cada vez mais acuada. Mas quem queria saber disso?

E o seu dia ia seguindo entre altos e baixos, até que o expediente finalmente terminaria.

Ao chegar em casa, nada seria diferente. Apesar de muito esconder, ele continuava a sentir o peso do seu dia nublado. Esconder esse sentimento dos entes mais próximos era a tarefa que mais o abatia. Mas ele sabia que era necessário.

E o dia chegava ao fim. A dor de cabeça sumia, o travesseiro o oferecia o carinho que precisava e, após ser vencido pelo cansaço, entregava-se ao mais profundo sono.

É exatamente assim um dia de crise em sua vida. Um furacão que passa levando tudo em sua volta.

Quando eu me referi no inicio do texto que quase ninguém entenderia, eu estava falando a verdade.

Muitas pessoas que estão lendo esse texto, nesse exato momento (muitos dos que me conhecem pessoalmente) devem estar pensando horrores a meu respeito ou ainda lutando para que eu não tome nenhuma atitude intempestiva. Nesse momento minha caixa de e-mails deve estar lotada de mensagens preocupadas. Meu celular abarrotado de “SMSs” do tipo “O que aconteceu?”.

Pois bem meus amigos, esse texto serve para explicar o que é um dia de crise (UM DIA!). De fato é fácil descobrir quando a crise vai começar e para isso temos um tempo para nos prevenir a traçar o plano diário.

Por essa razão pouca gente conhece esse lado não só meu mas de inúmeras outras pessoas.

A gente aprende a conviver com isso!

Eu mesmo aprendi a conviver com essas crises, por mais fortes que possam parecer e nunca pensei nada de pior para fazer em relação a mim, minha integridade física, enfim. Sou bem resolvido quanto a isso.

Sou um “depressivo vegetariano”. O que seria isso? Não tenho intuitos suicidas ou autodestrutivos.

Apenas momentos de pura reflexão onde procuro, sempre que possível escrever.

Assim vou levando a minha vida, entre um tropeço e outro, uma lágrima e outra, um sorriso, uma piada.

Faço da tragédia um palco e da tristeza uma peça.

Apresento-lhes, sempre que posso, pequenos atos dessa peça, escritos ao longo dos meus dias. Reitero que, quando disse que muita gente não entenderia (e sei que não entende apesar de tudo o que eu disse), eu quis dizer que apesar de tudo o que sinto não me entreguei e não penso nisso.

Sigo lutando, cada dia mais. Escrevendo cada dia mais.

Estou bem, sigo bem e ficarei bem.

Vivendo, na medida do possível e convivendo com os meus fantasmas e monstros que insistem em morar debaixo da minha cama. Mas nem por essa razão eu deixo de dormir na minha cama. Eles que fiquem lá! Eu estou cansado demais para pedir que eles saiam de lá. Deixe que eles se cansem e vão embora! Mas quando forem, que não voltem mais!

Pois eu já sou grande o bastante e está mais do que na hora de deixar de ter medo de fantasmas e monstros debaixo da cama.

6 comentários:

  1. Caro Leandro,
    verdadeiramente um dos melhores textos que você já postou. Sincero, maduro, profundo. Revela sua dor, mas também a luta pra sempre se superar. Valeu a espera! Parabéns!
    Um abraço,
    E.O.

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  2. Meu(minha) mais assiduo(a) leitor(a)!
    Cá estamos nós de novo! Obrigado pelas palavras. De fato conviver com todos esse problemas não é tarefa fácil, mas só nos resta lutar não é verdade? Evito reclamar ou mostrar descontentamento, até porque isso não adiante. Mas achei que aqui no "meu (nosso)" espaço eu poderia mostrar o quão diferente eu sou por dentro e nem por essa razão sou tão desagradável assim. Tenho meus momentos de crise e seu quando eles vão durar, mas fico no meu canto, até que passe. E assim a vida segue. Um grande abraço. Obrigado pelo apoio!

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  3. Eu entendo... São coisas que nós vamos aceitando porque são inevitaveis.
    O medo, a afalta de confiança... de vez enquando vem como avalanche. Eu tento mudar, olhar em volta e ver que não há motivos, mas meu cérebro sempre rejeita transplante de atitude. Ás vezes, eu não entendo.

    Chorei.

    ps. "Muro de Roger Waters" é bem pior quando é contruido por dentro. Acredite.
    .
    ~dub.

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    1. Caro(a) Amigo(a).
      De fato vamos aceitando o inevitável em doses homeopáticas ou, nem tato. Mas às vezes é bem dificil simplesmente agir como se nada tivesse acontecido. Por mais que a gente olhe em volta e, de fato, aparentemente não existam motivos para mudar, nunca deixemos de tentar, por nós mesmos. Existe aquela frase que diz "apesar de não poder mudar o mundo eu sempre posso mudar a mim mesmo". Meu cérebro também rejeita um caminhão de coisas e eu sigo não entendendo outra porção delas. como disse, às vezes simplesmente choro, agarrado a uma toalha perguntando "por que comigo meu Deus?". Nesse momento o Sr. Roger Waters põe mais um tijolo no meu muro. e assim ele vai crescendo, mas a gente sabe que ta chegando a hora de derrubar esse muro quando não conseguimos mais ver o outro lado. Obrigado pelas palavras, que valorizam em muito minhas singelas palavras. Pena, mais uma vez, não ter deixado o nome e o contato! Da próxima vez deixe, please. Abraço e pode parecer meio chulo ou de certa forma populista demais mas, "tamo junto"! Abraço. Leandro

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  4. Eu senti muita falta das suas palavras. Todos têm esses dias, mas realmente, se encondem atras de mascaras, eu sou uma delas. Mas fica em paz. Como você mesmo disse, é só mais um dia ruim. A forma como você lida com ele é que faz toda a diferença. Beijão

    Jaqueline Raminelli

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    1. Querida Jaque!!!! Muito bom te ver por aqui! de fato eu demorei um pouco pra escrever, mas não por falta de ideias, aliás, isso é o que mais tem na minha cabeça - rs.
      Mas to de volta com a corda toda!
      Você disse uma coisa que eu reputo de suma importância: "é só mais um dia ruim, a forma como voê lida com ele é que faz toda a diferença". O que dizer depois de um comentário desse? Mais uma vez não só o seu, mas todos os comentários enriquecem cada vez mais as singelas palavras que escrevo aqui. Muito obrigado mais uma vez! Grande abraço

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