quarta-feira, 30 de março de 2016


INSONIA

 

 

 

Passava das quatro da manhã do quinto dia e ele tentava uma tática diferente. Fazia muito calor, quente como o inferno, mas ele precisava tentar.

O desespero o obrigou a ligar o ar condicionado no máximo e cobrir-se com um edredom. Já tinha tentado de tudo: remédios, leitura, televisão... Em vão. O sono não aparecia.

Suas postagens em redes sociais - que oscilavam das 00:00 às 5:30 da manhã - denunciavam a ansiedade por não conseguir dormir. Já era o quinto dia seguido.

Por mais cansativo que tivesse sido o dia ele simplesmente não conseguia dormir. Já havia esgotado todo o limite do cartão de crédito em compras na madrugada, quase sempre coisas inúteis para ele.

Pela manhã os olhos pareciam duas pedras em chamas, demonstrando que a noite não tinha sido fácil.

Mas dessa vez em especial ele havia se superado. Nem ele entendia o motivo de ter se coberto da cabeça aos pés como se estivesse se escondendo de alguém, alguma coisa, algum pensamento.

Porém, sabia que aquela noite seria igual e já esperava pela total ausência de sono.

E não estava errado.

Lá estava ele novamente olhando para o celular em busca do sono perdido.

Durante esse percurso solitário e suntuoso, toda sorte de pensamentos tomava conta de sua mente. Algumas mágoas passadas vinham visita-lo com uma constância assustadora. Sentia-se mal por pessoas que magoou e pelos sorrisos que tirou ao longo de toda sua vida.

O que chamava a atenção era o fato de que esse sentimento estava exacerbado naquele momento sem qualquer explicação. Sentia-se frágil e acuado e a falta de sono parecia ser o castigo para aquele sentimento como se fosse uma forma de expiação de pecados e erros passados.

A cabeça doía. O corpo parecia tomado por uma corrente elétrica que o impedia de se mexer e fechar os olhos. Diante de si parecia enxergar através de uma imensa tela tudo o que havia lhe machucado e tudo que havia feito - ainda que inconscientemente - para machucar os outros durante toda uma vida.

Sentia medo.

Era a primeira vez que conseguia imergir naquele sentimento que roubava seu sono todas as noites e que, até então parecia ser inconsciente. Obviamente não sabia lidar com aquilo tudo e a forma que encontrou foi esconder-se debaixo daquele edredom atrás de uma proteção invisível ou uma fuga momentânea de sua própria mente.

Como nos últimos dias, fazia muito calor, mas ele não queria sair debaixo de sua “capa de indestrutibilidade” e suava como se estivesse debaixo de um sol de 45 graus. Porém, era o melhor que ele conseguia fazer para escapar daqueles demônios que criou durante a vida toda e que, noite após noite, vinham cobrar seus tributos.

Um pensamento em particular chamava sua atenção. Não era culpa. Não era mágoa. Assemelhava-se mais ao arrependimento do que a qualquer outro sentimento.

Em meio a todo aquele caos, lembrou-se dos relacionamentos que estragou por não se achar bom o suficiente para as pessoas que estavam ao seu lado.

Era inseguro. Demais. Não conseguia enxergar que tinha qualidades que chamavam a atenção das pessoas e que poderia sim ser alguém por quem se apaixonar.

Não se achava na altura de quem estava com ele e isso, obviamente, fazia com que as pessoas se afastassem.

Nesse turbilhão de emoções, inevitável não vir à memória a imagem de Patrícia. Amou-a como se fosse o ultimo fio de esperança que restava na sua vida tão maltratada.

Ela também o amava, muito embora ele não se considerasse merecedor de tal sentimento. Não conseguia conceber como alguém como ela poderia se apaixonar por ele a ponto de cogitar dividir uma vida a dois. Mas ele não manifestava essa insegurança tão abertamente, pois sabia que, em seu intimo, aquilo representaria o fim do relacionamento que mais lhe fazia bem em toda sua vida.

 Só que ele não contava com seus “demônios de estimação” que toda noite o procuravam para dizer que mais cedo ou mais tarde ela encontraria alguém melhor e, na sua cabeça, o refrão de “Better Man” do Pearl Jam insistia em dizer que:

“She lies and says she's in love with him, can't find a better man”

Aquele mantra ficou gravado em seu cérebro e toda vez que ela dizia “eu te amo” sua mente respondia “ela não consegue achar alguém melhor” e algum demônio na sua cabeça reverberava um sonoro “Ainda não. Mas vai achar”. Então aquela tríade de ideias que em sua concepção se completavam transformava aquele apaixonado rapaz em um Dom Casmurro contemporâneo, repaginado, imaginando que mais cedo ou mais tarde estaria sozinho, perdendo sua amada para alguém que fosse melhor do que ele. O que, na sua concepção não era algo muito difícil de ocorrer.

Foi o que aconteceu. Patrícia não suportou a neurose que passou de silenciosa a evidente em questão de dias. Não, ela não tinha encontrado alguém melhor. Apenas não era obrigada a suportar aquela atitude de alguém que não enxergava o que estava evidente em seus olhos: ela o amava incondicionalmente.

Após esse episódio, cortou todo e qualquer contado com ela, inclusive em redes sociais. Não suportaria vê-la com outra pessoa e a dor seria maior quando se desse conta que havia perdido Patrícia por culpa exclusiva dele. Era doloroso e constante demais esse sentimento e ele não sabia lidar com isso.

Afastou-se como fazia sempre. Era “pós doutorado” na arte de fugir de problemas que ele mesmo criava.  

Passado todo esse tempo, tinha plena consciência dessas suas manifestações de insensatez e covardia e, naquele momento, esse era o filme que passava diante dos seus olhos e era essa a causa de sua insônia de cinco dias.

Sentia saudade dela e sabia que havia perdido a mulher da sua vida por conta de uma ideia esquizofrênica e inexistente. Era preciso se conformar com isso. Seguir adiante e aceitar que o passado não poderia ser alterado. Não adiantava alimentar uma culpa que não poderia ser desfeita. Patrícia deveria estar feliz com alguém que realmente teria a capacidade de fazê-la sorrir sem se preocupar com mais nada. Que se entregasse por inteiro a ela sem que um perigo inexistente atrapalhasse isso.

Milagrosamente adormeceu em meio a esse pensamento.

No dia seguinte sentia-se leve. Era como se tivesse andado por 80 km com um prego no sapato, espetando o pé e, de repente, estivesse livre dele e pudesse andar normalmente. Estava aliviado por entender que o erro que cometera com a mulher da sua vida não poderia se repetir e que ele precisava superar tudo aquilo. O primeiro passo para a mudança é descobrir o erro e aceitar que falhamos. Corrigir as deficiências e seguir em frente.

Enxergava o mundo de outra forma, mesmo que ainda tivesse um pé naquele passado, pois jamais esqueceria Patrícia. Seu sorriso ainda estava vivido em seus pensamentos e toda vez que ele lembrava do olhar que ela fazia ao dizer que o amava, sorria. Era a melhor lembrança que poderia ter de alguém que tanto amou (e de fato ainda amava).

Após o almoço foi até a cafeteria que ficava no térreo do prédio onde trabalhava. Estava sozinho, acompanhado apenas pela pequena bruma formada pelo calor do café que havia pedido. Por um instante pensou consigo mesmo:

“Se eu tivesse a chance eu seria o ‘cara melhor’ que eu pensava que ela encontraria”.  

- “Se eu tivesse a chance” - disse em voz alta sabendo que essa hipótese não era plausível. Há anos não se falavam, nem por redes sociais.

Inesperadamente sentiu a vibração do celular no bolso e, para sua surpresa tinha acabado de receber uma mensagem de Patrícia.

-“Oi...” – dizia ela. Apenas isso. Nada mais.

Apesar de pouco ele sabia que isso poderia significar a chance que sempre quis, mas nunca achou que teria. No fundo sentia que poderia e deveria ser diferente e que, por mais que os demônios ainda permanecessem atormentando suas ideias teria totais condições de ser mais forte e ditar sua vontade sobre eles.

Não passavam de suposições que, apesar de fortes, não serviam para dar aquela forma de “certeza” que toda mudança exige.

Apenas uma coisa ele tinha como certa: conseguiria dormir naquela noite. Finalmente.

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