INSONIA
Passava
das quatro da manhã do quinto dia e ele tentava uma tática diferente. Fazia muito
calor, quente como o inferno, mas ele precisava tentar.
O
desespero o obrigou a ligar o ar condicionado no máximo e cobrir-se com um
edredom. Já tinha tentado de tudo: remédios, leitura, televisão... Em vão. O
sono não aparecia.
Suas
postagens em redes sociais - que oscilavam das 00:00 às 5:30 da manhã - denunciavam
a ansiedade por não conseguir dormir. Já era o quinto dia seguido.
Por
mais cansativo que tivesse sido o dia ele simplesmente não conseguia dormir. Já
havia esgotado todo o limite do cartão de crédito em compras na madrugada,
quase sempre coisas inúteis para ele.
Pela
manhã os olhos pareciam duas pedras em chamas, demonstrando que a noite não tinha
sido fácil.
Mas
dessa vez em especial ele havia se superado. Nem ele entendia o motivo de ter
se coberto da cabeça aos pés como se estivesse se escondendo de alguém, alguma
coisa, algum pensamento.
Porém,
sabia que aquela noite seria igual e já esperava pela total ausência de sono.
E
não estava errado.
Lá
estava ele novamente olhando para o celular em busca do sono perdido.
Durante
esse percurso solitário e suntuoso, toda sorte de pensamentos tomava conta de
sua mente. Algumas mágoas passadas vinham visita-lo com uma constância assustadora.
Sentia-se mal por pessoas que magoou e pelos sorrisos que tirou ao longo de
toda sua vida.
O
que chamava a atenção era o fato de que esse sentimento estava exacerbado
naquele momento sem qualquer explicação. Sentia-se frágil e acuado e a falta de
sono parecia ser o castigo para aquele sentimento como se fosse uma forma de
expiação de pecados e erros passados.
A
cabeça doía. O corpo parecia tomado por uma corrente elétrica que o impedia de
se mexer e fechar os olhos. Diante de si parecia enxergar através de uma imensa
tela tudo o que havia lhe machucado e tudo que havia feito - ainda que
inconscientemente - para machucar os outros durante toda uma vida.
Sentia
medo.
Era
a primeira vez que conseguia imergir naquele sentimento que roubava seu sono
todas as noites e que, até então parecia ser inconsciente. Obviamente não sabia
lidar com aquilo tudo e a forma que encontrou foi esconder-se debaixo daquele
edredom atrás de uma proteção invisível ou uma fuga momentânea de sua própria mente.
Como
nos últimos dias, fazia muito calor, mas ele não queria sair debaixo de sua “capa
de indestrutibilidade” e suava como se estivesse debaixo de um sol de 45 graus.
Porém, era o melhor que ele conseguia fazer para escapar daqueles demônios que
criou durante a vida toda e que, noite após noite, vinham cobrar seus tributos.
Um
pensamento em particular chamava sua atenção. Não era culpa. Não era mágoa. Assemelhava-se
mais ao arrependimento do que a qualquer outro sentimento.
Em
meio a todo aquele caos, lembrou-se dos relacionamentos que estragou por não se
achar bom o suficiente para as pessoas que estavam ao seu lado.
Era
inseguro. Demais. Não conseguia enxergar que tinha qualidades que chamavam a
atenção das pessoas e que poderia sim ser alguém por quem se apaixonar.
Não
se achava na altura de quem estava com ele e isso, obviamente, fazia com que as
pessoas se afastassem.
Nesse
turbilhão de emoções, inevitável não vir à memória a imagem de Patrícia. Amou-a
como se fosse o ultimo fio de esperança que restava na sua vida tão maltratada.
Ela
também o amava, muito embora ele não se considerasse merecedor de tal
sentimento. Não conseguia conceber como alguém como ela poderia se apaixonar
por ele a ponto de cogitar dividir uma vida a dois. Mas ele não manifestava
essa insegurança tão abertamente, pois sabia que, em seu intimo, aquilo
representaria o fim do relacionamento que mais lhe fazia bem em toda sua vida.
Só que ele não contava com seus “demônios de
estimação” que toda noite o procuravam para dizer que mais cedo ou mais tarde
ela encontraria alguém melhor e, na sua cabeça, o refrão de “Better Man” do
Pearl Jam insistia em dizer que:
“She lies and says she's in love with him,
can't find a better man”
Aquele
mantra ficou gravado em seu cérebro e toda vez que ela dizia “eu te amo” sua
mente respondia “ela não consegue achar alguém melhor” e algum demônio na sua
cabeça reverberava um sonoro “Ainda não. Mas vai achar”. Então aquela tríade de
ideias que em sua concepção se completavam transformava aquele apaixonado rapaz
em um Dom Casmurro contemporâneo, repaginado, imaginando que mais cedo ou mais
tarde estaria sozinho, perdendo sua amada para alguém que fosse melhor do que
ele. O que, na sua concepção não era algo muito difícil de ocorrer.
Foi
o que aconteceu. Patrícia não suportou a neurose que passou de silenciosa a evidente
em questão de dias. Não, ela não tinha encontrado alguém melhor. Apenas não era
obrigada a suportar aquela atitude de alguém que não enxergava o que estava
evidente em seus olhos: ela o amava incondicionalmente.
Após
esse episódio, cortou todo e qualquer contado com ela, inclusive em redes
sociais. Não suportaria vê-la com outra pessoa e a dor seria maior quando se
desse conta que havia perdido Patrícia por culpa exclusiva dele. Era doloroso e
constante demais esse sentimento e ele não sabia lidar com isso.
Afastou-se
como fazia sempre. Era “pós doutorado” na arte de fugir de problemas que ele
mesmo criava.
Passado
todo esse tempo, tinha plena consciência dessas suas manifestações de insensatez
e covardia e, naquele momento, esse era o filme que passava diante dos seus
olhos e era essa a causa de sua insônia de cinco dias.
Sentia
saudade dela e sabia que havia perdido a mulher da sua vida por conta de uma ideia
esquizofrênica e inexistente. Era preciso se conformar com isso. Seguir adiante
e aceitar que o passado não poderia ser alterado. Não adiantava alimentar uma culpa
que não poderia ser desfeita. Patrícia deveria estar feliz com alguém que realmente
teria a capacidade de fazê-la sorrir sem se preocupar com mais nada. Que se
entregasse por inteiro a ela sem que um perigo inexistente atrapalhasse isso.
Milagrosamente
adormeceu em meio a esse pensamento.
No
dia seguinte sentia-se leve. Era como se tivesse andado por 80 km com um prego
no sapato, espetando o pé e, de repente, estivesse livre dele e pudesse andar
normalmente. Estava aliviado por entender que o erro que cometera com a mulher
da sua vida não poderia se repetir e que ele precisava superar tudo aquilo. O
primeiro passo para a mudança é descobrir o erro e aceitar que falhamos.
Corrigir as deficiências e seguir em frente.
Enxergava
o mundo de outra forma, mesmo que ainda tivesse um pé naquele passado, pois
jamais esqueceria Patrícia. Seu sorriso ainda estava vivido em seus pensamentos
e toda vez que ele lembrava do olhar que ela fazia ao dizer que o amava,
sorria. Era a melhor lembrança que poderia ter de alguém que tanto amou (e de
fato ainda amava).
Após
o almoço foi até a cafeteria que ficava no térreo do prédio onde trabalhava. Estava
sozinho, acompanhado apenas pela pequena bruma formada pelo calor do café que
havia pedido. Por um instante pensou consigo mesmo:
“Se eu tivesse a
chance eu seria o ‘cara melhor’ que eu pensava que ela encontraria”.
-
“Se eu tivesse a chance” - disse em voz alta sabendo que essa hipótese não era plausível.
Há anos não se falavam, nem por redes sociais.
Inesperadamente
sentiu a vibração do celular no bolso e, para sua surpresa tinha acabado de
receber uma mensagem de Patrícia.
-“Oi...”
– dizia ela. Apenas isso. Nada mais.
Apesar
de pouco ele sabia que isso poderia significar a chance que sempre quis, mas
nunca achou que teria. No fundo sentia que poderia e deveria ser diferente e
que, por mais que os demônios ainda permanecessem atormentando suas ideias
teria totais condições de ser mais forte e ditar sua vontade sobre eles.
Não
passavam de suposições que, apesar de fortes, não serviam para dar aquela forma
de “certeza” que toda mudança exige.
Apenas
uma coisa ele tinha como certa: conseguiria dormir naquela noite. Finalmente.
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