quinta-feira, 31 de março de 2016


BARCELONA

 

 

 

Essa poderia ser mais uma estória com o selo de qualidade “Almodovar” ou “Woody Allen”, mas não tenho tanta pretensão assim.

Mas importante que fique registrado: poderia.

Estou prestes a contar como a vida de uma pessoa pode sofrer uma reviravolta impressionante em questão de dias. Como um furacão que tira o trem de sua rota e o coloca em outra direção.

A vida de Luciano estava uma bagunça só, tanto profissional, quanto pessoal e amorosa. Lutava constantemente com o sentimento de desesperança e a falta de animo para as tarefas mais corriqueiras. Queria mudar. Precisava mudar.

Havia passado por relacionamentos que sugaram dele o que tinha de melhor, tornando-o irreconhecível e de certa forma “estranho”. Estava cansado das mesmas cabeçadas que vinha dando ano após ano sem mudar o enfoque de seus objetivos. Mas era hora de virar esse jogo.

Estava sozinho há alguns meses, após mais uma de suas desilusões e entregas mal sucedidas que sempre deixavam alguma marca indesejada no seu coração. Estava farto daquilo.

Era publicitário e tinha uma pequena agencia em sociedade com outros três amigos, de longa data. Porém, as ideias estavam fugindo cada dia mais e ele via que não pertencia àquele lugar. Sentia-se abarrotado e sem espaço para novos pensamentos, precisando urgente de uma reciclagem de ideias.

Em uma terça feira qualquer, pegou seu carro como sempre fazia e foi em direção ao trabalho, perdido em seus inúmeros pensamentos que sempre vinham acompanhados de uma trilha sonora quase sempre não muito convencional. Olhava as pessoas na rua e pensava: “quantas delas anseiam por uma mudança assim como eu? Quantas estão cheias dessa vida que levam?”. Após quase atropelar um motoqueiro – e ser espancado por ele - teve a grande ideia de sua vida: “iniciaria um ano sabático e viajaria para algum lugar aleatório atrás do melhor momento de sua vida”.

Obviamente não sabia qual seria esse momento ou o que faria, ou mesmo para onde iria, mas estava disposto a abraçar o desconhecido e as possibilidades que com ele viriam.

Ansioso, chegou à agencia e comunicou a decisão aos sócios. Por cerca de uma hora e meia teve de conter os ânimos dos amigos que queriam de todas as formas dissuadi-lo dessa ideia (ameaçando-o fisicamente inclusive). Mas ele se manteve firme e assumiu todos os riscos de uma empreitada dessa magnitude.

Eram amigos de infância e a ideia de Luciano não abalaria tal relação. Tanto é que tiveram a brilhante ideia de ajuda-lo a escolher o destino da viagem: pegaram um velho “mapa mundi” que guardavam da época de escola e, vendando os olhos de Luciano, fizeram com que ele espetasse aleatoriamente algum lugar naquele vasto mundo.

Nessas horas o destino costuma agir de formas inimagináveis. Ao retirar a venda Luciano assustou-se em saber que deveria se preparar para conhecer Barcelona.

- Mas como assim? Eu nem falo espanhol!!! – pensou consigo mesmo. Porém, logo em seguida refletiu e rebateu: “Se eu estou atrás do grande momento da minha vida que seja em grande estilo e com a cara e a coragem!”  

E, com a ajuda dos amigos partiu rumo a Barcelona levando meia dúzia de sonhos e expectativas e um portunhol sofrível.

Luciano era um ser humano peculiar. Não levava as coisas muito a sério e adorava colecionar camisetas com frases engraçadas. Era um eterno adolescente. Obviamente aquilo não lhe atribuía muita credibilidade, mas ele não se importava muito com isso. Preferia levar a vida de forma leve e bem humorada, mesmo sem saber que as frases eram ridículas demais e eram capazes de despertar a vergonha alheia em qualquer um que o visse usando aquelas camisetas.

E, com a frase: “Picolé Trevoso” estampada em uma camiseta  - ele não tinha a noção exata do ridículo - embarcou em São Paulo com destino a Barcelona sem saber uma palavra em espanhol.  

Enrolando um “portunhol” asqueroso conseguiu chegar até o hotel onde, ainda no hall, com a mochila nas costas e aquela camiseta ridícula percebeu que sua vida estava por mudar. Ainda na fila do “check in”, notou a presença de alguém, rodeada de pessoas, parecendo bem conhecida por aqueles lados.

Era linda. Alta. Olhos claros, loira e obviamente jamais olharia pra um cara que mais parecia ter chegado de um acampamento de sete dias e sete noites em Machu Picchu, com a barba por fazer e, com uma camiseta horrorosa daquelas, tudo ficava ainda mais impossível.

Mas ele não conseguia parar de olhar para ela. Ela estava cercada de pessoas, falando com todos, requisitada e, naquele mesmo momento, Luciano ouviu uma voz que dizia ao som de Capital Inicial: “você é tão articulada, quando fala não pede atenção”. Sabe aquelas cenas de filme em que a moça parece ter um ventilador no rosto, os cabelos ao vento e o sujeito com a maior cara de apaixonado? Então me ajudem e construam essa cena por favor!

De repente, acordou daquele transe momentâneo. Era sua vez de fazer o “check in” e arranhando aquele portunhol sofrível perguntou ao gerente do hotel quem era aquela moça que tanto chamava sua atenção. Tratava-se de uma jornalista esportiva, brasileira, que estava em Barcelona para cobrir “El clasico” que aconteceria naquele final de semana no Camp Nou, estádio do Barcelona.

Luciano adorava futebol, mas conhecia pouco dos campeonatos europeus, muito embora já tivesse reservado seu ingresso para aquele jogo que era o mais esperado daquele período em todo o mundo. Estaria lá e ela também, mas tinha a total convicção que não a encontraria no dia do jogo.

Naquele momento ela virou e deu de cara com ele. Olhou direto para a camiseta e sorriu. Encabulado, Luciano sorriu de volta, mas a moça seguiu seu caminho sem muito alarde e ele foi para o quarto tentar descansar um pouco da viagem. Em vão.

Ela não saia da cabeça dele. Aquele sorriso penetrou direto em sua alma e ele parecia não acreditar que era pra ele que ela havia sorrido. Em meio a toda essa emoção adormeceu e, no dia seguinte iniciou os preparativos para o jogo.

O portunhol falhava, mas ele se virava da maneira que conseguia e assim foi até chegar ao estádio onde a torcida já estava se aglomerando. Mas uma coisa não falhava: o péssimo gosto por camisetas. Escolheu uma para o jogo que era tão vergonhosa quanto incompreensível. Tinha apenas a inscrição “Mah oehhhhhhh”, fazendo uma referencia ao famoso bordão utilizado por Silvio Santos em seu programa de domingo. Evidentemente havia falhado na missão de ser uma pessoa normal.

Ninguém na Espanha saberia o que significava aquilo e ele assim se lançou em direção à entrada do estádio. Ainda perdido ouviu uma voz que dizia: “mah oehhhhhhh foi de matar hein”.

Por mais obvia que seja essa parte do conto é necessário digredir um pouco amigos com o objetivo de imprimir certa dramaticidade ao relato:

Primeiro: quem reconheceria a camiseta? Segundo: quem falaria português naquele lugar?

Adivinharam? Sim. Ela se lembrou dele e por coincidência o encontrou na entrada do jogo.

- Eu jamais imaginaria que encontraria você por aqui. Aliás, desculpe a falta de educação, eu nem seu sei nome. – disse Luciano sorrindo encabuladamente.

- Meu nome é Paloma e você só está perdoado porque eu gostei da sua camiseta. – disse ela sorrindo e fazendo todo aquele gelo que tomava conta do encontro inesperado derreter em um instante.

- Bom, eu me chamo Luciano e confesso que minha mãe sempre me disse que minhas camisetas serviriam para alguma coisa algum dia. Mentira ela nunca falou isso. – Disse ele já arrancando alguns sorrisos dela. Luciano tinha um problema sério (mais um): quando estava nervoso sempre fazia alguma piadinha. Quase nunca dava certo. Mas quando dava amigo...

Lembram quando eu disse que o destino costuma agir das maneiras mais improváveis? Então. Dessa vez ele conseguiu colocar os dois lado a lado no estádio, onde assistiram ao jogo juntos.

Conversaram muito durante todo o tempo e Paloma disse que voltaria ao Brasil no dia seguinte. Luciano, por sua vez, voltaria uma semana depois e quando aqui chegasse planejaria qual seria seu próximo destino. Mas, de qualquer forma, sabia que seu ano sabático havia começado da melhor maneira possível.

Ele ainda não havia percebido a empatia que desenvolvera com Paloma e só desejava que o tempo não passasse jamais, pois a companhia era, além de agradável, um balsamo naquela terra tão distante e que mal tinha conhecimento além de algumas pesquisas feitas antes da viagem. O jogo acabou e Paloma teria uma longa jornada cobrindo os bastidores e, portanto se despediram (contra sua vontade obviamente). Trocaram telefones, mas Luciano tinha a impressão de que jamais veria a moça, seja na Espanha, em Marte, Beverly Hills ou no Brasil, quando voltasse.

Porém, era tarde demais. Estava apaixonado e dificilmente se esqueceria daquela voz “articulada falando sem pedir atenção”.

Durante o tempo que ficou na Espanha não conseguiu pensar em outra coisa que não fosse o sorriso de Paloma. Sequer se lembrava do resultado do jogo, ou do trajeto hotel/estádio. Só conseguia pensar em Paloma, em seu olhar, sua voz.

No fim de sua jornada embarcou de volta ao Brasil com a certeza de que poderia abreviar seu ano sabático, pois encontrara em Paloma o momento de sua vida, apesar de sentir que dificilmente se falariam novamente.

Já em terras tupiniquins, pensou em ligar para Paloma, mas faltou coragem. Tudo foi tão perfeito que ele ainda sentia como se estivesse dentro de um sonho e que esse era o plano do universo: que apenas ficassem nesse encontro e nada mais.

Fazia um mês que tinha voltado para casa e a coragem para procura-la ainda não tinha aparecido. Já tinha decidido voltar ao trabalho, focar em seus projetos e tentar encarar a realidade como a única coisa a se fazer. Assim estava seguindo, mas com o coração ainda em Barcelona, ainda em Paloma.

Em toda a sua vida jamais havia se deparado com uma paixão tão avassaladora e incontrolável a ponto de paralisar seus sentidos e retirar toda a coragem de procurar a causadora de todo aquele frisson que tomou conta dele.

Paloma era linda, inteligente, culta, completa e diferente de todas as pessoas com as quais Luciano havia se deparado ao longo de sua vida. Ela poderia ser a mudança de vida que ele sempre esperou, mas ele era covarde demais para se lançar atrás dela. Poderia assusta-la, poderia dar a entender algo que deixasse a moça constrangida. Poderia parecer ansioso e inconveniente. Poderia parecer um maníaco, enfim... a cabeça daquele homem era negativamente fértil.

Era um completo covarde. Sabia disso, mas estava paralisado.

Até que um dia, notou que uma mensagem chegou ao celular:

“Por onde anda o maluco mais adorável que já pisou em Barcelona? Senti falta das suas travessuras”

Sim, ela sentiu falta dele. Se ela soubesse o quanto de sono ele perdeu pensando nela... A partir dali conversavam como se não houvesse amanhã. Sobre todos os assuntos possíveis e imagináveis. A conversa fluía. Riam juntos. Luciano, pela primeira vez na vida, sentia-se bem por estar perto de alguém, mas ainda tinha medo de demonstrar que estava apaixonado.

Mas estava. Perdidamente. Incontrolavelmente. Irremediavelmente.

Queria vê-la, ouvir sua voz, sentir seu perfume, olhar no fundo dos seus olhos. Nesse momento a coragem voltou e ele propôs que se encontrassem para um café. Ambos tinham o mesmo prazer pelo café. Nada melhor do que começar por um café não é verdade?

E se encontraram numa tarde de sábado, em São Paulo. Luciano ainda não conseguia acreditar que ela estaria ali, novamente, diante dele.

Paloma era tão madura e Luciano tão “moleque”. Eram como se fossem “Eduardo e Monica” da vida real e como diz a musica: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?” O destino se incumbiu de aproxima-los, tão diferentes, tão perfeitos. O resto o coração faria sozinho.

Completavam-se na medida em que não eram parecidos. Ela dizia que ele tinha o bom humor que lhe cativava e ele encontrava nela a maturidade que tanto havia procurado em uma companheira. Paloma dava a Luciano a tranquilidade que nenhuma outra mulher havia dado em sua vida. Aquele lance da “sorte de um amor tranquilo” (que Luciano achava tão piegas) estava finalmente acontecendo com ele.

Tudo começou em Barcelona, tudo começou com futebol, tudo começou com uma mudança. A mudança que Luciano sempre procurou para si mesmo encontrou em Paloma que, com apenas um sorriso, fez reviver um coração tão machucado pelos percalços que a vida lhe impôs ao longo de todos esses anos.

Com um olhar ela foi capaz de acender a chama da vida havia se apagado há muito em sua alma. Ao permitir que Luciano seguisse ao seu lado, Paloma despertou o melhor dele e fez com que procurasse ser melhor ainda a cada dia.

Nitzsche disse certa vez que: “A vida sem musica seria um erro.” Pois Paloma devolveu a Luciano a musicalidade que havia se perdido de sua vida. E em grande estilo, pois não existe canção mais perfeita para descrever esse conto do que essa:

“Forever - Kiss

Eu tenho que dizer o que estou sentindo por dentro
Eu poderia mentir para mim mesmo, mas é verdade
Não há como negar quando olho em seus olhos
Garota, eu estou perdendo a cabeça por você

Eu vivi tanto tempo acreditando que todo amor é cego
Mas tudo em você
Está me dizendo que desta vez é

Pra sempre, desta vez eu sei
E não há nenhuma dúvida em minha mente
Pra sempre, até que minha vida termine
Garota, eu vou te amar pra sempre

Eu ouço o eco da promessa que eu fiz
"Quando você é forte, pode seguir sozinho"
Mas estas palavras soam distante quando olho pra você
Não, eu não quero seguir sozinho.

Nunca pensei que colocaria meu coração na linha
Mas tudo sobre você
Está me dizendo que agora é

Pra sempre, desta vez eu sei
E não há nenhuma dúvida em minha mente
Pra sempre, até que minha vida termine
Garota, eu vou te amar pra sempre

Sim!

Eu vejo meu futuro quando olho em seus olhos
O seu amor fez meu coração viver
Porque eu vivi minha vida acreditando que todo amor é cego
Mas tudo em você, está me dizendo desta vez

É pra sempre, desta vez eu sei
E não há nenhuma dúvida em minha mente
Pra sempre, até que minha vida termine
Garota, eu vou te amar pra sempre

Oh!

Pra sempre, desta vez eu sei
E não há nenhuma dúvida em minha mente
Pra sempre, até que minha vida termine
Garota, eu vou te amar pra sempre

Luciano tinha a mais absoluta convicção que Paloma era a mulher de sua vida.

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