segunda-feira, 4 de abril de 2016


QUERO APENAS QUE OS DIAS PASSEM

 

 

 

Se um dia alguém me perguntar qual o meu signo eu ousaria ser diferente dos demais e responderia: sou de Hamlet, com ascendente em Macbeth e lua em Othello.

Sou um Shakespereano inveterado. Desde muito pequeno dava aos meus infortúnios certa dose de tragédia que faria o grande mestre orgulhoso. Hamlet foi meu livro de cabeceira durante muito tempo e ainda me desperta as melhores ideias quando abro o notebook para escrever algo novo.

Perto de completar 36 anos, ponho-me a pensar constantemente no que fiz da minha vida até aqui.

A conclusão a que cheguei foi que estou encerrando um ciclo, que ousei chamar de segunda adolescência.

Eu explico: a primeira adolescência termina aos 18 anos, quando “lançamo-nos no mar de infortúnios” – entenderam a referencia descarada né - da vida adulta tentando deixar para trás os sentimentos pueris que até então eram permitidos. Faculdade, trabalho, casamento, filhos, viagens, carreira consolidada, status. Tudo isso começa quando acaba a primeira adolescência e, dada correria que empreendemos, não temos muito tempo nem condições de pensar muito na vida.

Apenas vivemos.

Durante esse período nos permitimos errar. Pois para muitos a vida começa ali, naquela transição entre o jovem e o adulto. Ledo engano, no entanto.

Quando passamos dos 30 – e no meu caso foi assim – começa uma nova fase de reflexão.

Hoje eu perco muito tempo pensando no que fiz da minha vida até então. Vivo coberto por um eterno antagonismo que me consome a cada novo dia: “mas eu SÓ tenho 35 anos” e “mas eu JÁ tenho 35 anos”. Se pararmos para pensar somos jovens, “pero no mucho”. Muita coisa se passou ou passamos por muita coisa ou, ainda, a vida passou e nós ficamos olhando.

Vai me dizer que você nunca se pegou pensando nesses dilemas?

Eu por exemplo carrego o pesado fardo de não ter nenhuma estória interessante sobre minha vida, nenhum grande feito, nada notável que me faria ser o centro das atenções numa roda de amigos. Não me considero uma pessoa interessante. Ainda que muita gente esteja me xingando agora eu precisava dizer isso.

Pelo contrário! Nessas reuniões sou mero expectador, calado e pensando: “poxa, poderia ser eu ali”. Mas não era eu ali e isso me frustra.

Não coleciono grandes viagens nem feitos memoráveis, pelo contrário. Apenas relatos de uma vida que foi pautada pelo metódico e milimétrico jogo do planejamento. Sou um cara estranho nesse sentido, pois qualquer acontecimento que me desvie da rota traçada anteriormente já é capaz de me levar ao desespero.

Por exemplo, quando eu estava na faculdade planejei minha vida perfeita: formado, casado, juiz. De tudo, só consegui a graduação em direito, ao resto tive que me adaptar.

E isso tudo fez com que eu sofresse, pois planejei tanto e tudo saiu do controle. Sempre achei que ter o controle da minha vida era a melhor e mais segura forma de se viver. Eu sempre tive pavor do eventual, do “deixa a vida me levar”. Juro que sempre tentei entender onde as pessoas encontravam felicidade nisso, em navegar no mar da incerteza.

Eu, ao contrário, como dizia aquela famosa musica, sempre “torci pelo melhor esperando o pior”. E isso a base de muito planejamento, sem saber que, por trás estava uma alta dose de “eventualidade”. Mas eu não conseguia enxergar e, quando sentia esses sinais repelia logo de uma vez, pois tinha pavor disso.

Ainda hoje sou assim, mas estou me desapegando.

A vida é mais curta do que imaginamos meus amigos e de uma hora para outra deixamos de existir nesse plano. O que fica? Nada.

Mas o que Shakespeare tem a ver com todo esse papo furado Leandro?

Vamos lá!

Em uma das inúmeras noites em claro que dominaram minha vida, “sapeando” bobagens na internet me deparei com uma frase que não conhecia e que é atribuída a ele:

“Não quero pensar, não quero fazer planos, não quero criar expectativas. Quero apenas que os dias passem”  

Planejei uma carreira promissora como Juiz. Planejei amores, planejei ter uma família enorme, com filhos por toda casa. Planejei ser a referencia para as pessoas e, de tudo isso, pouco consegui.

Aliás, só ficou o amargo vazio que a sensação de ter falhado deixa conosco. De tudo, acredito que a ausência de paternidade me doa mais. Sempre quis ser pai, aquele paizão babaca que os filhos fazem de gato e sapato. Que é amigo dos amigos dos filhos.

Mas ainda não aconteceu.

Deixei de viver o sonho perfeito e passei a enxergar o que é viável. Só isso fez com que eu não enlouquecesse de vez e acabasse desistindo de tudo.

Pois quem planeja muito perde o sentido da vida na medida em que nenhum plano se concretiza.

Por essa razão hoje:

1 – Não quero pensar: abstraio todas as ideias, tiro-as de minha cabeça para não enlouquecer;

2 – Não quero fazer planos: meu coração não tem mais espaço nem força para aguentar as decepções que minhas expectativas frustradas causaram esse tempo todo;

3 – Não quero criar expectativas: pois isso significaria uma regressão nesse processo de cura que desenvolvi para mim mesmo e que, honestamente ainda não sei se funcionará. Mas eu preciso tentar.

O que mais quero nesse momento é que os dias passem e que os momentos bons venham cada vez mais na minha vida e que por aqui fiquem, mas sem cobrança, sem pressão.

Apenas vivendo.

Após chegar a essas conclusões eu parei mais um instante para pensar e descobri o que talvez seja o maior dos meus feitos nessa vida: ensinei minhas sobrinhas a cantarem “Yellow Submarine” dos Beatles.

Quando via aquelas mãozinhas tão pequenas batendo no ritmo da musica eu me dei conta de que a vida vale a pena. Minha vida valeu a pena e eu, naquele breve instante, senti uma realização que nunca havia sentido antes.

Com lagrimas nos olhos exclamei: “minha vida está completa! Já posso morrer agora!”.

Mesmo sabendo o quanto ainda posso realizar nessa vida e todo o potencial que tenho para fazer alguém feliz – e tantos outros não tão felizes assim – eu vou deixar que os dias passem e que o futuro me diga se eu estava certo ou não.

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