A
VERDADEIRA SOLIDÃO
“como eu posso me sentir
abandonado mesmo quando o mundo me rodeia? –
Misunderstood – Dream Theater
Há
alguns anos venho querendo escrever esse texto, mas alguns fatores serviram de
elementos intimidadores e impediram que eu, ao menos, começasse as primeiras
linhas.
Porém,
com meus 36 anos batendo à porta nada mais salutar que eu compartilhe mais uma
das minhas ideias com as pessoas que perdem alguns preciosos minutos para ler o
que escrevo.
Como
todos estão cansados de saber, a temática desse blog alterna entre alguns
contos sobre o cotidiano, uma pitada de suspense e, como carro chefe, a
depressão.
Vocês
também já sabem que eu convivo com esse
- como prefiro chamar atualmente – “acidente de percurso” há mais de
vinte anos e esse blog me ensinou a superar os inúmeros momentos de crise,
compartilhando publicamente o que, na maioria das vezes eu não tinha coragem de
falar para aqueles que convivem comigo.
Mas,
muitos de vocês podem se perguntar: “por qual razão uma pessoa não
compartilharia suas tristezas e angustias com aqueles que convivem com ele?”
Eu
poderia listar uma série de motivos aqui, mas direcionarei as ideias a apenas
alguns.
Em
primeiro lugar é importante reforçar a ideia de que a depressão é uma doença como
qualquer outra com sintomas e especificidades próprios e não uma escolha de
quem a tem ou, ainda, uma simples questão de “frescura” ou falta de “Deus” no
coração. Veja, eu sou católico praticante e não acredito que a falta de Deus
possa me elevar a este patamar. Portanto, devemos abandonar esses mitos, se é
que eles ainda existem.
O
deprimido leva uma vida de provações e privações, vendo-se muitas vezes sozinho
diante de sua doença, o que é um sentimento muito comum. Eu diria que, ao lado
da eterna culpa por coisas que fogem do nosso controle, o sentimento de solidão
é o sintoma mais presente.
Particularmente
falando sobre mim (sim, isso é sobre mim também, não acham?) posso dizer que
desenvolvi alguns sintomas diferenciados que me fazem enxergar de forma aguçada
a vida ao meu redor.
Em
uma conversa com uma antiga terapeuta, questionei se é comum reconhecermos
outro deprimido apenas pelo olhar, pois isso me atormentava demais e eu não
conseguia conviver com essa situação. Inclusive eu já escrevi sobre essa minha
capacidade (que se tornou um certo tipo de maldição).
Ela
não soube me responder. Sigo sem resposta, apenas com esse sentimento e a
tristeza por reconhecer outro deprimido no meu dia a dia.
Mas
eu consigo tirar algumas lições boas de todos esses anos. Posso me considerar
um “deprimido premium” na escala de depressão, dados os anos e as experiências que
a doença me impôs. Outras lições são mais duras e levam um pouco mais da nossa saúde
e sanidade com elas, mas é preciso que seja assim.
Como
disse, a beira de completar 36 anos eu percebo que a jornada da pessoa que tem
depressão é, muitas vezes, solitária.
Eu
perdi pessoas que gostava por conta das crises que tive. Quando digo crise não
é nada muito chocante, apenas momentos de imersão e melancolia profundos que
duram de um dia até uma semana, melhorando gradativamente.
Procurei
ajuda, muitas vezes. Fui tratado como alguém que não quisesse ser ajudado, o
que dificultou muito o quadro da crise, fazendo com que o que era apenas um
momento de desabafo virasse um inferno total, duplicando o período de “trevas”.
Há
uma dificuldade imensa em se entender o que acontece num momento desses. As pessoas
acham que todos os deprimidos tem tendências suicidas. Nem sempre. Nem todos.
Eu
já tive os meus, já tentei. Mas hoje sei que errei profundamente e, como um “deprimido
premium” convivo com a tristeza como quem convive com aquele vizinho chato e indesejado
que sempre vem visitar mas que, uma hora volta pra casa.
Temos
que aceitar por ser um vizinho, por educação, mas temos que conviver
silenciosamente pelo mesmo motivo.
Hoje,
eu tenho minhas crises. Sim. Mas quase ninguém sabe quando as tenho. Perdi
pessoas demais nesses 36 anos de vida e não tenho mais tempo, disposição ou coração
para seguir perdendo pra esse mal que de certa forma é só meu.
Portanto
assumi essa verdadeira solidão, lutando incessantemente com essa desgraça que
me acompanhará até o fim dos meus dias.
Não
posso mais exigir que as pessoas entendam ou esperem tudo isso “passar”.
Talvez
essa seja a saída que tanto procurei ao exigir de muitos que entendessem essa
minha fragilidade. Mesmo eu explicando que consigo levar uma vida perto do
normal, não era o suficiente.
É
difícil de entender o que não podemos ver, tocar, mensurar. Não posso culpar as
pessoas por agirem assim, posso apenas entender, na medida do possível.
Posso
também cuidar de mim e isso tenho feito. Vivo, trabalho, ocupo minha mente.
As
crises sempre existirão e enquanto eu estiver por aqui combaterei o “bom
combate”, não deixando que elas façam o que a depressão quer: expor toda minha
fragilidade para aqueles que eu tanto amo.
A
depressão é ciumenta meus amigos. Ela não permite que você socialize, que tenha
amigos, namore, tenha uma família unida, trabalhe.
Ela
quer você só pra ela para que possa te destruir a cada dia mais.
Mas
comigo ela não tem essa “vida boa”. Não mesmo!
Quem
manda aqui sou eu e não essa doença maldita e, ainda que eu siga como aquela
musica “The Show Must Go On” do Queen, jamais me entregarei.
Para
finalizar vou contar uma pequena estória dobre o Rá, o Deus do Sol na mitologia
egípcia. Rá era o criador dos deuses e da ordem divina que tinha uma missão peculiar,
além das demais: era responsável por combater todas as noites “Apep”, uma
serpente devoradora de mundos e que tentava incessantemente espalhar o caos de
forma avassaladora.
Porém,
encontrava em Rá um inimigo poderoso que impedia seu intento. Noite após noite
lá estava Apep sendo enxotada por Rá. Nenhum dos dois desistia.
Essa
parábola nada mais é do que o cotidiano de uma pessoa com depressão que deve
impedir o caos na sua vida de forma constante.
O
papel mais difícil é aceitar essa missão solitária como Rá aceitou.
Pois
eu aceitei a minha e assim sigo vivendo e combatendo o “bom combate” e
enxotando o caos quando ele aparece por aqui.
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