sexta-feira, 25 de março de 2016


A VERDADEIRA SOLIDÃO

 

 

 

“como eu posso me sentir abandonado mesmo quando o mundo me rodeia? – Misunderstood – Dream Theater

 

Há alguns anos venho querendo escrever esse texto, mas alguns fatores serviram de elementos intimidadores e impediram que eu, ao menos, começasse as primeiras linhas.

Porém, com meus 36 anos batendo à porta nada mais salutar que eu compartilhe mais uma das minhas ideias com as pessoas que perdem alguns preciosos minutos para ler o que escrevo.

Como todos estão cansados de saber, a temática desse blog alterna entre alguns contos sobre o cotidiano, uma pitada de suspense e, como carro chefe, a depressão.

Vocês também já sabem que eu convivo com esse  - como prefiro chamar atualmente – “acidente de percurso” há mais de vinte anos e esse blog me ensinou a superar os inúmeros momentos de crise, compartilhando publicamente o que, na maioria das vezes eu não tinha coragem de falar para aqueles que convivem comigo.

Mas, muitos de vocês podem se perguntar: “por qual razão uma pessoa não compartilharia suas tristezas e angustias com aqueles que convivem com ele?”

Eu poderia listar uma série de motivos aqui, mas direcionarei as ideias a apenas alguns.

Em primeiro lugar é importante reforçar a ideia de que a depressão é uma doença como qualquer outra com sintomas e especificidades próprios e não uma escolha de quem a tem ou, ainda, uma simples questão de “frescura” ou falta de “Deus” no coração. Veja, eu sou católico praticante e não acredito que a falta de Deus possa me elevar a este patamar. Portanto, devemos abandonar esses mitos, se é que eles ainda existem.

O deprimido leva uma vida de provações e privações, vendo-se muitas vezes sozinho diante de sua doença, o que é um sentimento muito comum. Eu diria que, ao lado da eterna culpa por coisas que fogem do nosso controle, o sentimento de solidão é o sintoma mais presente.

Particularmente falando sobre mim (sim, isso é sobre mim também, não acham?) posso dizer que desenvolvi alguns sintomas diferenciados que me fazem enxergar de forma aguçada a vida ao meu redor.

Em uma conversa com uma antiga terapeuta, questionei se é comum reconhecermos outro deprimido apenas pelo olhar, pois isso me atormentava demais e eu não conseguia conviver com essa situação. Inclusive eu já escrevi sobre essa minha capacidade (que se tornou um certo tipo de maldição).

Ela não soube me responder. Sigo sem resposta, apenas com esse sentimento e a tristeza por reconhecer outro deprimido no meu dia a dia.

Mas eu consigo tirar algumas lições boas de todos esses anos. Posso me considerar um “deprimido premium” na escala de depressão, dados os anos e as experiências que a doença me impôs. Outras lições são mais duras e levam um pouco mais da nossa saúde e sanidade com elas, mas é preciso que seja assim.

Como disse, a beira de completar 36 anos eu percebo que a jornada da pessoa que tem depressão é, muitas vezes, solitária.

Eu perdi pessoas que gostava por conta das crises que tive. Quando digo crise não é nada muito chocante, apenas momentos de imersão e melancolia profundos que duram de um dia até uma semana, melhorando gradativamente.

Procurei ajuda, muitas vezes. Fui tratado como alguém que não quisesse ser ajudado, o que dificultou muito o quadro da crise, fazendo com que o que era apenas um momento de desabafo virasse um inferno total, duplicando o período de “trevas”.

Há uma dificuldade imensa em se entender o que acontece num momento desses. As pessoas acham que todos os deprimidos tem tendências suicidas. Nem sempre. Nem todos.

Eu já tive os meus, já tentei. Mas hoje sei que errei profundamente e, como um “deprimido premium” convivo com a tristeza como quem convive com aquele vizinho chato e indesejado que sempre vem visitar mas que, uma hora volta pra casa.

Temos que aceitar por ser um vizinho, por educação, mas temos que conviver silenciosamente pelo mesmo motivo.

Hoje, eu tenho minhas crises. Sim. Mas quase ninguém sabe quando as tenho. Perdi pessoas demais nesses 36 anos de vida e não tenho mais tempo, disposição ou coração para seguir perdendo pra esse mal que de certa forma é só meu.

Portanto assumi essa verdadeira solidão, lutando incessantemente com essa desgraça que me acompanhará até o fim dos meus dias.

Não posso mais exigir que as pessoas entendam ou esperem tudo isso “passar”.

Talvez essa seja a saída que tanto procurei ao exigir de muitos que entendessem essa minha fragilidade. Mesmo eu explicando que consigo levar uma vida perto do normal, não era o suficiente.

É difícil de entender o que não podemos ver, tocar, mensurar. Não posso culpar as pessoas por agirem assim, posso apenas entender, na medida do possível.

Posso também cuidar de mim e isso tenho feito. Vivo, trabalho, ocupo minha mente.

As crises sempre existirão e enquanto eu estiver por aqui combaterei o “bom combate”, não deixando que elas façam o que a depressão quer: expor toda minha fragilidade para aqueles que eu tanto amo.

A depressão é ciumenta meus amigos. Ela não permite que você socialize, que tenha amigos, namore, tenha uma família unida, trabalhe.

Ela quer você só pra ela para que possa te destruir a cada dia mais.

Mas comigo ela não tem essa “vida boa”. Não mesmo!

Quem manda aqui sou eu e não essa doença maldita e, ainda que eu siga como aquela musica “The Show Must Go On” do Queen, jamais me entregarei.

Para finalizar vou contar uma pequena estória dobre o Rá, o Deus do Sol na mitologia egípcia. Rá era o criador dos deuses e da ordem divina que tinha uma missão peculiar, além das demais: era responsável por combater todas as noites “Apep”, uma serpente devoradora de mundos e que tentava incessantemente espalhar o caos de forma avassaladora.

Porém, encontrava em Rá um inimigo poderoso que impedia seu intento. Noite após noite lá estava Apep sendo enxotada por Rá. Nenhum dos dois desistia.

Essa parábola nada mais é do que o cotidiano de uma pessoa com depressão que deve impedir o caos na sua vida de forma constante.

O papel mais difícil é aceitar essa missão solitária como Rá aceitou.

Pois eu aceitei a minha e assim sigo vivendo e combatendo o “bom combate” e enxotando o caos quando ele aparece por aqui.

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