DILEMA
(Sequencia
de “As Cartas de Danielle”)
Após
ler e reler o que Danielle havia escrito, ainda incrédulo, Marcelo pôs-se a
pensar em tudo aquilo.
Queria
dar uma resposta a altura do sentimento de Danielle, mas sabia que não seria
capaz disso. Com o coração ferido por ter de dizer não para aquela pessoa a
quem tanto poderia amar, ele começou a pensar em tudo o que havia passado em
sua vida até aquele momento. Todos os sentimentos que experimentara até então,
todos os sorrisos que roubara e dos beijos que provara.
De
fato, de todas às vezes em que foi enganado e magoado, nada se comparava ao que
sentia naquele momento.
Marcelo
estava acostumado a amar demais sem ser amado. Estava costumado a ser ignorado
e desprezado, ser trocado sem muita pena pelas mulheres com quem havia se
relacionado. Aquilo tudo era novo para ele.
O grande
fato era que: Marcelo não estava acostumado a ser amado! E isso doía, porque
ele estava fazendo exatamente o que fizeram com ele até então. Ele se sentia
mal, muito mal com isso tudo.
Não
queria perder Danielle, mas também seria egoísmo demais pensar que ela
aceitaria sua amizade em troca de algumas migalhas de sua presença, o que até
certo ponto poderia machuca-la muito mais.
Vivia
esse dilema infernal!
Era
ele, hoje, o que sempre repudiou: a pessoa incapaz de dar o mesmo o amor que
recebe em troca! Estivera ele sempre do outro lado, experimentando o desprezo
por parte de suas parceiras e hoje, era ele quem agia dessa forma.
Chorou.
Por
um instante, sozinho em seu escritório, foi só o que fez: chorar, pois amava
Danielle, mas queria ama-la de outra forma e sabia que sua presença poderia
machuca-la cada dia mais.
E em
meio àquela tristeza que parecia não ter fim, tentou escrever, mas não
conseguiu. Sua cabeça não funcionava mais e ele tinha tantas duvidas na cabeça
que não conseguia produzir.
Como
chegar até aquele momento?
Comparava
sua história a dos filmes, onde a melhor amiga do cara o ajuda o tempo todo sem
o cara saber que ela é apaixonada por ele. Mas essa história não teria o final
feliz que todos esperavam. Ele queria sentir-se diferente, mas não conseguia.
Ele
lembrou que, em seu encontro conversara com Danielle sobre os mais diversos
assuntos, inclusive seus relacionamentos e sobre a mulher que ele amava, aqui
no Brasil e das que não o amaram. E Danielle ouvira tudo pacientemente,
demonstrando um enorme interesse no assunto, dando até conselhos a ele.
Sentiu
vergonha ao lembrar disso. Pois não conseguira mensurar o quanto Danielle
sofrera com tudo aquilo.
Algum
tempo depois ele descobriu o quanto Danielle gostava dele. Em uma das cartas
ela relatou que acompanhava toda a sua carreira e seus livros, colocando-se
como uma personagem de sua mais bela história, com o final mais feliz do mundo,
onde os dois ficavam juntos.
Cogitara,
inclusive, largar tudo na França e vir para o Brasil procurar pelo homem que
tanto amou ao longo desses anos e, de fato, ainda amava.
Tudo
tomava uma proporção tão absurda que Marcelo sentia-se envergonhado de tudo o
que dissera para Danielle e, em meio a esse surto, resolver escrever mais uma
carta:
“Querida Danielle... Ponderei um pouco para
tecer mais essas palavras a você, minha querida amiga... isso mesmo, querida
amiga. Infelizmente não consigo passar desse patamar, muito embora meu coração
até diga o contrário. De fato, eu não estava acostumado a receber amor de
ninguém, o que ainda é muito difícil pra mim. Sempre estive na sua situação,
amando sem ser correspondido. Hoje não sei como estar do outro lado. Não sei
como agir em relação a isso. Por consequência eu entendo o seu sofrimento e sei
que não posso pedir por sua amizade, o que seria um ato de extremo egoísmo da
minha parte. Eu a amo sim, mas de uma forma diferente da que eu gostaria e da
que você merece. Não sei até que ponto nosso contato pode ser saudável para
você. Eu adoro conversar contigo e saber que tenho você em minha vida, mas
estou disposto a me acostumar com a ideia contrária, caso você assim deseje. Um
dia desses tive um pesadelo... nós dois almoçávamos juntos e eu vi você
chorando, por minha causa. A lágrima que você derramava era como uma adaga
direto no meu peito, perfurando meu coração e arrancando meu espírito. Acordei
ensopado de suor e com um terror nos olhos. De todas as mulheres do mundo, porque
logo você, minha amada Danielle? Logo você! A mais apaixonada e sincera das
mulheres! Apaixonada pelo mais inútil dos homens! Aquele que não é capaz de
devolver tão sincero sentimento. Com qualquer outra seria mais fácil, mas não
com você. Por essa razão, minha amiga, não deixo a você essa escolha! Tomei
minha decisão e estou saindo de vez da sua vida! Muito difícil dizer adeus para
quem poderia ser o amor da nossa vida, mas é preciso. Com todo o amor que você
merece, Marcelo”
E
foi assim, que com lágrimas nos olhos, Marcelo encerrou sua última carta a
Danielle. Determinado a esquece-la a qualquer preço, seguiu sua vida. Mas era
tudo muito difícil, pois a via no rosto de todas as mulheres. Estava
enlouquecendo, não conseguia mais produzir, não conseguia escrever.
Queria
embarcar correndo para a França, mas sabia que não seria o melhor a fazer.
Decidiu
então que sairia daquele luto e manteria a cabeça erguida, pondo um fim em tudo
aquilo, afinal, já haviam se passado três meses desde que a carta fora postada.
Na
manhã seguinte ao dia em que tomara a decisão, Marcelo, ao sair para o
trabalho, checou mais uma vez a caixa de correio, sem pensar em Danielle, por incrível
que pareça. E, como o improvável sempre acontece nessas horas, lá estava uma
carta dela.
Mais
uma vez Marcelo se surpreendeu com as palavras de Danielle, as quais mostravam
o quanto realmente a presença dele importava em sua vida:
“Meu caro e bobo Marcelo. Demorei um
pouco para responder sua carta porque queria que você entendesse bem o que vou
dizer. De onde você tirou que sua ausência faria com que eu melhorasse? Claro
que eu queria estar com você, ao seu lado, dando todo o amor que eu nutro por
você todo esse tempo. Você faz com que eu me sinta uma adolescente, que tem
calafrios quando vê o garoto que gosta. Fazia anos que eu não sentia isso. Mas
entendo perfeitamente seus motivos e sei que talvez nossos destinos tenham sido
traçados de maneiras diferentes, com lápis diferentes. Mas de certa forma eles
estão entrelaçados por uma força maior que qualquer um de nós dois pode
explicar. Agora, você acha que é justo ignorar essas evidências? Óbvio que não!
Gosto sim de você e não conseguiria superar isso sem a sua presença.
Continuarei gostando de você, é bem verdade. Mas preciso de você do meu lado.
Apesar de tudo você é a única pessoa em quem confio. Por essa razão meu caro,
não saia da minha vida, rogo-lhe! Sinto tanto a sua falta sabendo que você está
na minha vida que, caso você saia dela, não sei se suportaria. Entendo seus
pensamentos e acredito eu que, no seu caso pensaria o mesmo, mas eu Danielle,
digo que não quero que você se vá. Na atual conjuntura, sua presença é tudo que
eu preciso e sua ausência doeria muito mais do que saber da sua vida, dos seus
amores, ainda que eu não seja um deles. Não acho que você seja egoísta por
querer minha amizade, apenas. Sinal de que eu toquei seu coração de alguma
maneira e é essa a forma que eu encontrei para ter você do meu lado. Entenda,
eu preciso de você meu amigo, não me deixe. Com amor, Danielle”
E
Danielle, mais uma vez, conseguira deixar Marcelo sem palavras. Mas de tudo
isso conseguira ouvir em sua cabeça uma frase de uma música que gostava muito, “Through
her eyes” de uma banda chamada Dream Theater. Na música, diz-se a seguinte
frase: “eu estou aprendendo muito sobre a minha vida, olhando através dos olhos
dela”.
Desse
momento em diante Marcelo pode entender o significado daquela mulher em sua
vida. Sabia bem que ela não havia aparecido por mero acaso e que, de fato, o
destino havia feito com que ela estivesse naquele cyber café, lendo seu livro.
Sorriu,
enfim.
Pode
perceber que se afastar de Danielle era a maior bobagem que poderia fazer em
sua vida, pois a amava e tinha muito a oferecer, ainda que como um amigo, um
ombro, uma palavra.
E,
mais uma vez, ele viu que não conhecia, de fato, o amor.
Aprendera
com Danielle o verdadeiro significado dessa palavrinha de quatro letras! Muito
embora ele soubesse que ela chorava por ele e que ele ainda sentia isso em seu
coração, quando acontecia. E uma tristeza cobria seu coração, mas ele sabia,
também, que sua imagem era muito importante para ela, assim como ela era para
ele.
Pararam
então de se comunicar por carta. Falavam-se todos os dias, por telefone e
visitavam um ao outro, ela vinha para o Brasil e ele ia à França, com certa
frequência, eis que agora era um escritor de certo renome.
Por
que?
Ah
meus amigos, ele decidiu escrever uma história que fez um certo sucesso e agora
estava ele no aeroporto, com o livro em mãos, autografado, pronto para entregar
a sua mais célebre fã.
Sua
obra prima, premiada, estava a caminho da França para chegar ás mãos de quem o
havia inspirado.
Após
tudo isso, Danielle ganhou sua própria história.
O
nome do livro que ele escreveu? Ah, você ainda não descobriu? Caro leitor,
tentei ser o mais óbvio possível, mas vamos lá.
Após
todo o acontecido, despretensiosamente Marcelo resolveu escrever um livro que
não sabia que seria tão bem aceito: “As Cartas de Danielle”.
Aquela
menina de olhos marcantes ganhara seu próprio livro e mais que isso,
conquistara de vez um lugar no coração de Marcelo.
Por que será que sempre esperamos ler um final mais passional, mais sonhador? Talvez por conta de estarmos sempre mergulhados na vida cotidiana, que na maior parte das vezes é cheia de desencontros e sonhos perdidos. Talvez porque queiramos encontrar na ficção aquilo que nos falta na realidade, como uma espécie de compensação, um faz-de-conta para nos servir como bálsamo, para nos fazer refletir o quão bom seria fora das páginas... Mas também é bom ser chamado de volta à realidade. Parabéns pelo texto, Leandro!
ResponderExcluirCaro(a) Amigo(a), em primeiro lugar obrigado pelas palavras. De fato, esperamos sim nos depararmos com um final mais passional, talvez seja isso que todos esperemos para nossa vida. Mas a intenção ao escrever essa estória (para a qual ainda não dei fim e sou sincero em admitir)foi tentar mostrar que existe sim sentimentos muito maiores do que uma paixão voluptuosa que nos toma os sentidos. Veja bem, não estou condenando esse sentimento, pelo contrário! acho mesmo que devamos sentir isso às vezes! A vida precisa mesmo de paixão! Mas quando a gente olha o quão importante algumas coisas são e o quão perigoso são alguns sentimentos a gente aprende a viver com certa cautela. Concordo, ainda, que a ficção serve como contraponto para a realidade e eu sei bem (isso posso dizer de coração aberto) o quanto a realidade pode ser lancinante e a ficção um bálsamo. Mas a idéia é sempre manter o perfeito equilíbrio entre ambas para tentarmos viver o mais próximo do ideal. É bom sims er chamado de volta à realidade, por mais que ela possa doer, mas mantenha sempre uma janela aberta para o mundo dos sonhos, com uma imagem que pode servir de alívio para você! Garanto que a vida passa a ser muito mais fácil de se aceitar. Um grande abraço. Leandro
ExcluirPS: Uma pena que não tenha deixado o nome.
Respeito o primeiro comentário, mas um faz-de-conta, uma alegria na dureza do cotidiano pode realmente fazer muito bem, desde que sem culpa e sem desrespeito!
ResponderExcluirA vida é realidade, é rotina, mas também é emoção e alegria, paixão e descontrole.
Deixe-se levar, Marcelo...
Caro(a) amigo(a)
ExcluirPrimeiramente obrigado pelas lindas palavras!
Permita-me colher um trecho do seu comentário
"A vida é realidade, é rotina, mas também é emoção e alegria, paixão e descontrole"
"Linkando" com o que eu disse acima, de fato a vida pode ser um exercicio constante de sofrimento, mas tem seus momentos de alegria e paixão. Basta encontra-los, ainda que demore e fazer aquele contraponto entre o real e o imaginário.
Mas ambos devem andar em perfeita harmonia para que não haja uma chance inevitável de mágoa ou decepção. Foi como disse no texto "Asas de Cera", onde mencionei a necessidade de termos os pés mais no chão. Mas ter os pés nos chão não nos impede de termos a cabeça na lua! e manter o mais pleno equilíbrio entre ambos!
Obrigado pelo texto e pelo que pude perceber, você espera um final feliz para o dilema de Marcelo, certo? rs
Um grande abraço e uma pena não ter deixado o nome também!
Leandro
Caro Lenadro,
ResponderExcluirgosto muito de seus textos, mas esse é especial, me emociona muito esse sentimento não correspondido.
Marcelo é muito sincero com Danielle. E ela com ele.
A resposta que ela dá às preocupações dele me parece muito sincera e ele deveria levá-la em conta!
Parabéns pelo texto, pelo blog e por Marcelo, seu personagem tão interessante!
Abraços,
E. O.
Caro(a) Amigo(a) E.O.
ExcluirPercebo que és um admirador de vida falada e é por conta de pessoas como você que esse espaço tende a ficar mais fértil cada dia mais.
Obrigado pelas felicitações, mas no concernente à Marcelo e Danielle, acredito que o final da história deve povoar a mente de cada leitor. Esse final fica a cargo não só de você, meu(minha) querido(a) E.O., mas de todos aqueles que estão lendo esse comentário!
Forte abraço.
Leandro