“Para sempre Ana”
(continuação de “Essa não é
mais uma estória de amor")
“Durante esses anos viajando, de todas as
belezas de todos os países e lugares que tive a oportunidade de visitar, os
olhos de Ana foram as únicas coisas inesquecíveis. O único lugar que gostaria
de visitar um dia. Sabe aquele lugar mágico que todos temos? Uma casa na praia,
um campo verdejante, a residência de um parente. Todos temos um lugar mágico
que, mesmo não sendo possível fisicamente, nosso coração sempre dá um jeito de
visitar. Meu lugar mágico são os olhos de Ana. Ainda que eu não possa tê-los,
meu coração sempre vai até o encontro deles.”
E assim começava o livro de Pedro. A estória que o fez
andar o mundo todo agora tinha um tema: “Ana”.
Após o retorno ao país, Pedro, que já havia gastado todas
as reservas da viagem, decidiu que escreveria sobre Ana, pois havia descoberto
que a estória perfeita tinha sido descoberta no final da viagem, no último dia,
“aos 45 do segundo tempo”.
Porém, como todo ser humano vivendo numa metrópole como
São Paulo, viver demanda gastos elevados e ele já não tinha o emprego de quando
decidiu viajar. Era preciso trabalhar.
Ao deixar o país em busca de seu sonho, Pedro abandonou o
emprego de executivo numa grande empresa, pondo-se no mundo atrás de fatos e
pessoas que lhe rendessem um livro memorável.
Evidentemente o emprego não o esperaria no Brasil e ele
sabia muito bem que não poderia ficar sem trabalhar, afinal, as contas não se pagam
sozinhas, como seu pai sempre dizia. Mas voltara com uma cabeça diferente e
mais aberta da viagem. Era um homem mais simples e com olhos para as coisas
mais triviais da vida, que antes não conseguia enxergar.
Após muita procura conseguiu um emprego como atendente
numa loja de eletrônicos. Não era o emprego de sua vida, ganhava cerca de vinte
vezes menos, mas pagaria as contas. Não reclamava disso. Em sua cabeça, o
pedido de demissão da grande empresa em que trabalhava possibilitou que ele
conhecesse seu “lugar mágico”.
Pensava em Ana todos os dias. Não era normal aquilo.
Não tiveram tempo de se apaixonar e a moça ainda deixou
bem claro que sua vida era complicada o suficiente para que isso acontecesse,
ainda que em um futuro remoto. Mas no fundo ele não pensava em outra coisa.
Sabia, também, que se deixasse seu desejo aflorar, perderia Ana para sempre e
isso não poderia sequer ser cogitado.
Porém, Ana e Pedro se correspondiam com uma frequência
avassaladora. Falavam-se todos os dias, conforme haviam prometido durante o
encontro na Europa.
Em segredo, Pedro juntava dinheiro para se mudar para a
Itália. Além do trabalho como vendedor de eletrônicos, ainda desdobrava-se com
aulas particulares de italiano, o que lhe rendia um dinheiro extra. Decidiu que
se mudaria para a Itália sem falar com Ana e talvez nunca contaria, ainda que
lá estivesse. Mas talvez essa saudade avassaladora que sentia pudesse ser um
pouco aliviada pelo simples fato de estar mas próximo dela. Porém, sabia que
não poderia e nem deveria tentar se aproximar de Ana. Não tinha esse direito.
Mas, por mais que ele não quisesse pensar nisso, Ana
apresentava um olhar triste nos últimos dias, o que era denunciado pelas
conversas que tinha via Skype. O brilho dos seus olhos parecia desaparecer e a
moça aparentava ter uma nuvem pairando sobre sua cabeça, como uma dúvida
desleal que a abatia.
Ela respondia às indagações de Pedro sobre isso com um: “Estou
cansada, só isso”, o que causou uma enorme preocupação mas ele não queria ser “o
chato” que insistiria em perguntar algo que a moça não queria conversar. Mas
insistiria de forma sutil até que ela se abrisse.
Percebeu um abatimento maior no rosto de Ana, parecia uma
flor que murchava com o tempo. Aquilo o entristecia. Ana apresentava um
discurso que parecia dar a entender um descontentamento com alguma situação que
Pedro não entendia bem.
Os dias foram passando e Ana parecia mais triste.
Até que Pedro não resistiu e indagou:
- Tenho percebido uma certa tristeza em você nos últimos tempos?
O que está acontecendo?
Ana deixou cair uma lágrima e respondeu apenas:
- Talvez a situação seja muito difícil para que você
consiga aceitar ou entender. Talvez seja apenas uma coisa minha com o que terei
que aprender a lidar sozinha. Não que eu não confie em você, não é isso! Mas
você está envolvido nisso também e eu não quero te machucar. Enfim... falei
demais.
Pedro então, atônito, resolveu indagar com certa veemência:
- Bom, se eu estou envolvido nada mais justo que eu saiba
o que está acontecendo! Agora eu faço questão que você me diga. Eu falei alguma
coisa errada? Fiz alguma coisa errada? Deixei de fazer alguma coisa.
Ana, nesse momento desviou o olhar (estavam conversando
pelo Skype) e respirou fundo fechando os olhos demonstrando uma certa preocupação
como quem diz: “meu Deus, ele quer mesmo saber...”. Olhou para a tela do
computador, baixou os olhos e, levantando a cabeça novamente, encarou Pedro nos
olhos e começou a falar:
- Olha Pedro, você sabe que eu tenho uma família
maravilhosa, que eu amo e jamais faria algo que os magoasse. Mas aí, aparece
você na minha vida, despretensioso e desastrado, atencioso e acolhedor, sendo
simplesmente a pessoa que sempre sonhei ter do meu lado. Eu não sei o que
fazer, não quero te magoar, mas também não consigo lidar com esse sentimento.
Eu estou apaixonada por você e isso vem me consumindo pois nunca senti isso
antes e não acho justo que eu sinta isso, pois existem muitas pessoas
envolvidas que eu amo muito, inclusive você. Não quero te perder mas também não
quero ter esse sentimento no peito.
Pedro deixou escapar um sorriso nesse momento e
interrompeu Ana, que esboçava dizer alguma coisa:
- E se eu disser que sinto o mesmo? Que até agora não te
disse nada por conta da promessa que te fiz de nunca sair do seu lado e ser seu
amigo para sempre? Penso em você todos os dias, do momento que acordo ao
momento em que me deito. Te vejo nas pequenas coisas do meu dia, desde uma
música que ouço até o temporal que cai no final da tarde. Eu estou mais
envolvido nisso do que você pensa e não é de hoje. Mas não disse nada porque
senti que poderia perder você.
Percebeu então que os olhos de Ana mudaram naquele
momento e ele pode ver que por um instante eles pareciam sorrir.
- Por um lado é muito bom saber disso. – disse Ana. Mas
por outro é muito complicado, pois eu temo machucar alguém que amo tanto. Sim,
eu te amo. Mas não posso te dar o amor que eu quero, não nesse momento. Mas sei
também que você não merece esperar por mim, pois eu não sei se terei a resposta
que você quer ouvir. E se eu tiver, quanto tempo levarei para isso. Eu quero te
ver feliz meu amor, sempre. Você não merece esperar por mim, muito embora eu
saiba que a noticia de que você tem alguém destruiria meu coração, por um lado.
Por outro eu ficaria feliz em saber que você está bem. Mas eu te amo demais e
não sei lidar com esse sentimento.
Pedro parou por um instante. Não sabia o que dizer.
Procurou as melhores palavras e disse apenas:
- Eu te espero... O tempo que for preciso. Dias...
meses... anos... o tempo que você precisar!
Ana parecia temer essa resposta e fechou os olhos
deixando cair uma lágrima, dizendo:
- Não desista de mim meu amor, por favor! Por mais que eu
não possa dar o sentimento que nós dois merecemos, tenho medo de te magoar
demais. Minha mente está em conflito. Ao mesmo tempo que eu gostaria que você
seguisse a sua vida, eu não quero que desista de mim... preciso ir, estou muito
confusa, desculpe.
Ficaram se olhando por um tempo e desconectaram.
Pedro ficou esperançoso com aquela conversa pois sabia
que Ana era o que ele mais queria e que se fosse para ficarem juntos, ele esperaria
o tempo que fosse pois sentia por ela algo muito maior do que “esse tal de amor
que os mortais tanto falam”.
Os dias se passaram e Ana parecia meio distante, sempre
ocupada. Pedro imaginou que a moça estava fugindo dele. Tentou contato de todas
as maneiras possíveis até decidir que deixaria Ana ter o tempo que ela
quisesse, por mais que sentisse saudade.
Algum tempo depois, por seu perfil no Facebook pode
perceber que ela esteva adoentada e foi internada por alguns dias, o que fez
com que ele tentasse por todas as formas contato, sem sucesso.
Não conseguia trabalhar direito e a vontade era sair
correndo de onde estava e ir até a Itália atrás de noticias da moça. Porém,
sabia que não poderia fazer aquilo, poia Ana tinha sua família e ele, em algum
momento, sentiu-se um intruso. Estava desesperado até que recebeu uma mensagem
no celular:
“Oi meu amor, desculpe o sumiço. Estive
adoentada esses dias. Quer tomar um café comigo?”
Pedro não notou nada de estranho, pois eles sempre se
falavam dessa forma: “quer tomar um café comigo” foi uma das primeiras coisas
que disseram na Itália quando se conheceram e essa era a senha para começarem a
conversar. Respirou aliviado e quando começou a digitar recebeu outra mensagem:
“olhe para o fundo da loja”
Lá estava ela, radiante. Sorrindo e emanando um brilho
jamais visto naqueles olhos azuis que mais pareciam o mais azul dos mares
iluminado pelo sol do caribe. Pedro, sem muito pensar, pulou o balcão onde
estava e correu para abraça-la. Os dois ficaram presos naquele momento por
quase uma hora, até decidirem ir realmente tomar um café.
Pedro a olhou por um instante. Estava abatida, talvez
pela viagem ou pela indisposição que tivera na Itália. A moça então começou a
falar:
- Você deve estar achando estranho eu aparecer do nada
aqui no Brasil, não é? Bom, eu decidi que visitaria alguns parentes (todos na
verdade) e por último, queria te ver...
Nesse momento Ana fez uma longa pausa e seus olhos azuis brilharam
e ela prosseguiu:
- Não vou entrar muito em detalhes técnicos pois acho
desnecessário, mas a consequência do meu problema de saúde é que tenho apenas
mais 48 horas de vida. Recebi anteontem o diagnóstico e saí direto do hospital
com destino ao Brasil. Na verdade eu tenho mais oito horas só e queria que
essas oito horas fossem passadas do seu lado. Sei que é difícil eu te pedir
isso, mas eu quero que a ultima imagem que eu tenha dessa vida seja seu rosto e
a ultima sensação seja seu abraço...
Pedro ficou atordoado, demais. Não sabia se chorava, se
perguntava se tudo aquilo não passava de uma brincadeira de mal gosto. Mas
ficou apenas paralisado. Olhou a moça e começou a falar:
- Eu poderia perguntar milhares de coisas nesse momento:
por que eu? Por que morrer? Por que Deus faria isso com a gente? Mas acredito
que nosso tempo seja curto para perguntas sem respostas. Eu quero te levar num
lugar onde você poderá passar esse tempo do meu lado vendo a cidade que te
esperou por todos esses anos.
E os dois saíram. Ela segurando o braço dele e sentindo
por fim o carinho do homem que amava. Ele, deixando-se entregar àquele breve
sentimento que, dentro de horas seria extirpado de forma brutal pela finitude
humana. Chegaram, então, a um mirante onde podiam ver toda a cidade. Sentaram e
ela adentrou no abraço de Pedro. Olharam-se nos olhos e deram um longo beijo,
com gosto de primeiro e último. Apaixonado, regado a suspiros e juras
telepáticas de amor eterno.
Depois olhando o por do sol, Pedro, convencido de que
aquele era seu “lugar mágico”, ao lado de Ana, começou a cantar baixinho no
ouvido dela:
“E nossa estória não estará pelo avesso assim
sem final feliz... teremos coisas bonitas pra contar. E até lá, vamos viver,
temos muito ainda por fazer. Não olhe pra trás, apenas começamos. O mundo começa
agora. Apenas começamos”
Encerro por aqui a narrativa do que começou com a
promessa de não se apaixonar. Ana morreu? Pedro morreu junto com ela? Pedro
escreveu seu livro?
Jamais saberemos.
Pois a morte, nesse caso é apenas uma questão secundária.
O amor que prometeram não ter um pelo outro e que acabaram descobrindo não
morreu e jamais morrerá.
Na verdade o que mantém viva a estória desses dois é exatamente
esse amor proibido que, em certo momento da vida se tornou possível e se
prolongou pela eternidade.
Se existirem outras vidas, em todas Pedro caminhará atrás
da alma de Ana, pois a ligação que os dois tiveram transcende a existência
terrena.
Não é hora de escrever “fim”. Pois como dito, essa
estória não acaba, não tem fim. O amor que Pedro sentiu, sente e sentirá por
Ana durará para sempre.
Poderia filosofar, comentar baseado em lógicas ou dizer que você é um illuminati... Mas prefiro resumir com uma palavra: LINDO. Parabéns pela estória de Ana e Pedro. Que não tem fim.
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