“Os olhos não traem”
Sou
contra o uso clichês, seja no começo, no meio ou para encerrar meus textos. Acredito
que uma ideia boa pode ficar ofuscada pela utilização de algo às vezes tão
simples.
Mas
não dessa vez.
Por
muito tempo eu neguei o que todos diziam, ou seja, que “os olhos são a janela
da alma”.
Todos
esses anos convivendo com uma doença que consegue corroer os sentidos e acabar
com a sanidade aos poucos fez perceber o quanto os olhos revelam do interior da
pessoa.
Eu
explico!
Certo
dia decidi começar uma pesquisa de campo, por conta própria e sem nenhum
fundamento lucrativo ou científico, apenas por curiosidade, pois peguei-me
pensando que, assim como uma seita secreta os deprimidos se reconhecem pelo
olhar.
Para
tanto, esperei um dia em que estivesse em total estado de desolação (os quais
eram até comuns) e saí às ruas. Reparei que algumas pessoas me encaravam,
algumas com certa piedade, outras com desprezo e algumas outras com
solidariedade.
Essas
últimas chamaram minha atenção.
Tentei
traçar um padrão entre os olhares e percebi que as características se repetiam.
O olhar do deprimido acompanha seu andar até certo ponto. Quando se sente
ameaçado é desviado. Mas, quando percebe que se deparou com alguém que sofre a
mesma dor o olhar muda. Parece que algum tipo de alegria aponta naqueles olhos,
como quem tenta dizer: “que bom que não estou sozinho. Você também não está!”.
Porém,
por mais que seja uma constatação, isso é muito triste e conseguiu me deixar
bem triste também.
Durante
algum tempo fiquei dominado por essas constatações, tentando descobrir pelo
olhar quem também sentia uma tristeza interna quase invencível. Isso me fez
muito mal, pois percebi que muita gente se sentia assim, o que não era justo.
Como,
em um mundo tão grande e cheio de maravilhas, as pessoas conseguem se sentir
tão tristes?
O
que mais me chamava a atenção era a divisão daqueles rostos em duas partes: o
sorriso, que dizia uma coisa e o olhar, que dizia outra, geralmente a verdade.
Recordei-me
de quantas vezes eu sorri e fiz os outros sorrirem, tentando dizer com meu
olhar que tudo o que eu desejava era sumir daquele lugar, ter um pouco de paz,
ficar sozinho.
Por
mais que tenhamos a boa vontade de manter o sorriso, os olhos não mentem. Os
olhos não traem.
Descobri
a importância do olhar. É possível saber a vida de uma pessoa apenas olhando em
seus olhos e, tenha certeza meu caro amigo leitor que, caso você aprenda a
descobrir essa peculiaridade, terás um amigo para o resto da vida.
Ainda
que estejamos aparentemente bem, os olhos insistirão em dizer o contrário e não
é por mal. Eles tem vida própria, não conseguimos controlar essa autonomia que
eles fazem questão de dizer que tem.
Já
pedi socorro com os olhos, mas sem saber que nem todos poderiam enxergar minha
alma como eu conseguia enxergar a dos outros.
Esse
é um dom maldito que só os deprimidos tem: enxergar a tristeza oculta no olhar do
outro.
Eu
trocaria esse dom por qualquer outro, de verdade. Até pelos mais fúteis. Na
verdade eu trocaria meu cérebro pelo mais fútil dos cérebros, se houvesse a
garantia de que ele viria sem esse “defeito infernal” que me acompanha há 34
anos.
Porém
aprendi a tirar um lado bom (se é que é possível) disso tudo: tento ajudar na
medida do possível, utilizando esse dom desgraçado que me foi conferido. Tento
ouvir, compreender, aconselhar.
Tenham certeza que minha vida se tornou muito menos
indesejável depois que aprendi a ajudar.
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