domingo, 16 de novembro de 2014

“ESSA NÃO É MAIS UMA ESTÓRIA DE AMOR”



Pedro um belo dia, por volta de seus trinta e poucos anos resolveu abandonar carreira e tudo o mais e sair pelo mundo em busca de estórias interessantes e que pudessem, um dia, render um bom livro ou, apenas algo que valesse a pena perder alguns minutos de leitura sem pensar que tudo aquilo poderia ser um grande desperdício de tempo.
Nunca na vida tinha pensado em ser escritor. Aliás nem se achava capacitado para tanto. Porém, alguns rabiscos sem conexão e uma vida profissional extremamente atribulada e sem qualidade nenhuma o fizeram repensar todo o seu caminho.
Portanto, lá estava ele: com uma mochila nas costas, o notebook na mão e um mundo inteiro pela frente.
Na verdade decidiu unir o útil ao agradável: a paixão pelas letras e a vontade de conhecer lugares novos e pessoas novas, com suas próprias trajetórias de vida e com momentos memoráveis que valessem ser registrados. Vendeu o carro, seus instrumentos musicais e sacou o dinheiro que tinha guardado por um longo período (um bom dinheiro) e decidiu fazer seu próprio “Caminho de Santiago”.
E, dessa maneira, ganhou o mundo, levando poucas coisas e muitas expectativas.
Durante três anos pouco conseguiu fazer a não ser gastar o dinheiro que havia levado e conhecer lugares muito bonitos, porém pessoas pouco interessantes.
Com o dinheiro perto do fim, resolveu voltar para casa, já não havia muito sentido naquilo tudo. Não poderia mais ter gastos, afinal de contas o dinheiro que ainda tinha daria apenas para a hospedagem da próxima semana e para a viagem de volta.
Não havia muito escolha para ele, naquele momento não queria e nem poderia começar a trabalhar no exterior.
Descendente de Italianos, deixou o país de seus ancestrais por ultimo. Lá estava há quase uma semana e não conseguira nada além de visitar os pontos turísticos de Roma, o que, naquela altura dos fatos, não lhe ajudaria muito em seu propósito de encontrar “a estória perfeita”.
Já no dia seguinte à decisão de ir embora, como fazia todos os dias, dirigiu-se ao café em que estava acostumado a ir, tomar seu café da manhã e olhar as pessoas passarem pela rua. Adorava fazer isso. Ficar perdido com seus pensamentos enquanto observava a vida agitada passando na sua frente.
Naquele dia, porém, foi diferente. Um vazamento d’água fez com que o café ficasse fechado pela manhã. Como não queria perder seu ultimo dia de viagem comendo em qualquer lugar, resolveu ir em outro café do outro lado da rua, com o mesmo “display”: mesas do lado de fora, o que possibilitaria que enxergasse os romanos em sua pressa descoordenada. Entretanto, por alguma grande “sacanagem” do destino, todas as mesas estavam ocupadas, de modo que só restavam as mesas do interior, sem vista para a rua e algumas poltronas, com alguns livros.
“Quer saber? Que se dane!” disse ele em um sonoro português que não foi compreendido por ninguém (por sorte). Procurou uma poltrona e dirigiu-se a ela. Pegou seu Ipod na bolsa e, enquanto caminhava deixou que ele caísse ao chão, juntamente com diversas outras coisas, uns livros e uns CDs que sempre carregava consigo. Isso tudo acidentalmente (estava nervoso com toda aquela situação). Fechou os olhos e soltou um “que merda! Isso só pode ser brincadeira!!!”
Naquele momento ao se abaixar para pegar o aparelho que caíra, viu uma mão chegando antes dele às suas coisas e ouviu uma voz dizendo: “Ah, só poderia ser brasileiro”
Quando se levantou, deparou-se com os olhos mais lindos que vira até então: eram de um azul tão diferente de qualquer coisa já vista por ele em seus trinta e poucos anos de vida. Porém, a primeira vista algo lhe chamara a atenção: na mesma proporção que os olhos eram lindos também eram profundos. Pareciam dois lagos ocultos dentro de uma caverna. Lindos, porém profundos e misteriosos demais.
Pois naquele momento sua viagem começava a mudar: conheceu Ana, uma brasileira há anos morando em Roma. Muito simpática e compreendendo a cara de otário do rapaz, sentou-se ao seu lado e começou a conversar com ele.
Dizia ela que sentia saudades do Brasil e de sua família aqui, mas havia constituído família também na Itália. Perguntava a Pedro, em todos os momentos sobre seu país natal e coisas que lhe causavam saudades. Nesses momentos o rapaz pode perceber que por trás daqueles belíssimos olhos azuis alguma coisa mais profunda se escondia e que não deixava a moça viver uma vida em toda sua plenitude.
Poderia estar errado mas não conseguira descobrir naquele momento, pois Ana estava atrasada para o trabalho. Decidiram trocar mensagens depois que o rapaz voltasse ao Brasil.
E Pedro precisava voltar. Por mais que quisesse ficar e que entendesse que de alguma forma suas vidas estavam ligadas, seu dinheiro não era suficiente para mais de uma semana.
Mas saiu de lá com um sentimento estranho. Era normal sentir uma atração inicial por mulheres como Ana, seja de ordem passional ou sexual. Eram muito parecidos em um primeiro momento, tinham muitas afinidades. As mesmas músicas, os mesmos filmes, os mesmos livros, o mesmo esporte preferido.
Mas com ela era diferente. Por mais que Ana fosse extremamente atraente (e de fato era e muito) não tinha esse sentimento atração carnal por ela.
A atração que sentia vinha muito mais da necessidade de tê-la por perto do que de qualquer outra coisa. Tinha plenamente em seus pensamentos que, caso confundisse esses sentimentos perderia Ana para sempre.
Mas espere um momento, passaram-se poucos instantes desde que haviam se conhecido, como já pensar nisso logo de cara?
Pois é amigos, existem coisas na nossa vida que não demandam explicação. E as vezes nem tem explicação.
Julgando sua missão cumprida, Pedro decidiu partir naquele dia mesmo rumo ao Brasil e, para sua surpresa, naquele mesmo dia recebeu uma mensagem de Ana, dizendo que queria se despedir e que iria até o aeroporto para dar um abraço em Pedro.
Como seu voo estava em cima para sair, não houve muito tempo para nada além de um abraço breve e a promessa do contato mantido. Ao virar-se para embarcar Ana puxou Pedro pelo braço e lhe deu um envelope com um cartão dentro, onde dizia: “abra no avião”.
- Aqui terminamos apenas uma etapa da nossa vida, ou começamos uma vida nova, você escolhe a melhor definição. Porém, eu prefiro pensar que é apenas um começo! Ligue assim que chegar ao Brasil.
E, da janela do avião Pedro pode ver Ana olhando para ele com os olhos marejados e, ao abrir o cartão foi isso que leu:
Ali – Nando Reis
Ela entrou e eu estava ali
Ou será que fui eu que ali entrei
Sem sequer pedir a menor licença?
Ela de batom caqui
Com os olhos olhava o quê? Eu não sei
Olhos de águas vindas
De outros oceanos
Ela me olhou - Quem?
Quem sabe com ela
Eu teria as tardes
Que sempre me passaram
Como miragens, como invenção!
Se eu não posso ter
Fico imaginando
Eu fico imaginando
Virá com ela que entrega
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali
Ela amou o que estava ali
Ou será que foi dela o que eu já amei
Como os laços fixos de uma residência?
Ela: Alô!? E eu não reagi
Com os olhos olhava o que eu lembrei
Quando andava indo
Em outra direção
Ela me olhou - Vem!
Quem sabe com ela
Eu veria as tardes
Que sempre me faltaram
Como miragens, como ilusão!
Se eu não posso ver
Fico imaginando
Eu fico imaginando
Virá com ela que entrega
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali
Ela andou e eu fiquei ali
Ou será que fui eu que dali mudei
Com uns passos mudos
De uma reticência?
Ela me olhou bem
Quem sabe com ela
Eu teria achado
O que sempre me faltava
Cores, colagens, sons, emoção!
Se eu não posso ser
Fico imaginando
Eu fico imaginando
Virá com ela que entrega
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali”
Apenas essas palavras, mais nada. Enquanto refletia, olhava pela janela e para a moça, cujos olhos azuis iluminavam todo o saguão do aeroporto naquele dia frio em Roma.
Por um instante Pedro chorou. Viajou três anos e no ultimo momento toda aquela experiência valeu a pena!
Entretanto, mal podia esperar para chegar ao Brasil e ligar para Ana para saber o que queriam dizer aquelas palavras naquele cartão. As horas de viagem pareciam intermináveis. Durante aquele tempo, abriu o notebook e esboçou algumas palavras mas não conseguia parar de pensar em Ana. Mas de um modo estranho. Não pensava nela como alguém com quem quisesse ter um relacionamento. Apesar de que Ana preenchia todos os requisitos para tanto, mas ele sabia que aqueles acontecimentos revelavam algo muito mais profundo do que uma história de amor ou apenas tesão.
Não pregou os olhos durante a viagem que, após longas horas chegava ao vim, desembarcando em São Paulo.
No taxi Pedro releu o cartão. Não entendia muito aquelas palavras pois conviveu com Ana apenas um dia e algumas horas de conversa.
Pois tão logo chegou em casa ligou para Ana. Após as perguntas sobre a viagem e o tempo em São Paulo, Pedro a interrompeu e perguntou:
- O que você quis me dizer com aquele cartão? Eu adorei, não me entenda mal, mas não consegui compreender o significado daquelas palavras e tenho medo de estar errado a respeito do que pensar sobre isso.
Ana, após uma breve pausa disse:
- Talvez você não tenha percebido, mas aquele, antes de nos conhecermos, eu havia tomado a decisão de acabar com a minha vida. Já não aguentava mais as pessoas me julgando pela vida “estável” que levo, pela família maravilhosa que tenho e por minha aparência perfeita. Venho sofrendo anos a fio com essa sensação. E o pior de tudo, ainda me culpo por me sentir assim. Sinto um peso maior por ter esse sentimento do que por querer a morte muitas vezes. Mas ninguém sabe disso, eu saí totalmente sem rumo naquele dia. Amo minha família, meus filhos, meu marido, mas não queria que eles sofressem se soubessem que eu penso dessa forma e eu simplesmente não conseguia mais não pensar. Pois aquele dia havia decidido que tudo teria um fim. Foi nesse momento, quando eu tinha ido tomar o último café no lugar que eu mais amava naquela cidade que eu vi alguém desajeitado entrar por aquela porta, derrubando tudo e deixando cair o encarte, juntamente com o Ipod, de uma banda que adoro. Você lembra que deixou cair o encarte do CD do Candlebox? Provavelmente não. Pois procure na sua bolsa. Você não achará. Eu simplesmente me recusei a devolver e nem me esforcei para provar o contrário pois eu não acho que aquilo foi um mero acaso do destino. Deveríamos estar naquele lugar, naquela hora e você, como todo esse seu jeito desastrado e os mesmos gostos que eu conseguiu me mostrar que existem mais pessoas nesse mundo pelas quais vale a pena continuar. Somos, no fim das contas, um apoio para outras almas perdidas que precisam apenas de algo em que se apegar para continuar essa loucura que se chama vida. Eu percebi em você que eu poderei contar sempre, em qualquer situação sem que você me julgue, julgue meus sentimentos e atitudes, minhas vontades e meus momentos de desespero. Apenas estará ali e pronto. A vida vale a pena? Não posso te dizer isso. Mas daquele dia em diante eu percebi que morrer vale muito menos.
Por um instante Pedro ficou mudo. Pois sentira o mesmo naquele dia: abandonara tudo em busca de um sonho, perambulando pelo mundo por três anos sem nem chegar perto do seu objetivo. Até que uma das muitas ironias do destino colocara no seu caminho aquilo que tanto esperou: a história perfeita.
Não se trata de amor. Ou melhor, até se trata de amor, mas em uma de suas tantas vertentes, uma vertente menos carnal e mais espiritual. Duas almas perdidas que se encontram e podem desfrutar dos percalços do caminho, sempre levantando a outra quando essa não suportar e cair.
Mal sabia Pedro que, encontrando Ana, estaria prestes de escrever a sua obra prima. Sua viagem passara a ser seu maior acontecimento. O que até então parecia uma perda de tempo, passou a ser o momento de sua vida.
Pois, como dito, encontrando Ana, Pedro pode entender escrever sua própria história.  

  

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