“ESSA NÃO É MAIS UMA ESTÓRIA DE
AMOR”
Pedro
um belo dia, por volta de seus trinta e poucos anos resolveu abandonar carreira
e tudo o mais e sair pelo mundo em busca de estórias interessantes e que
pudessem, um dia, render um bom livro ou, apenas algo que valesse a pena perder
alguns minutos de leitura sem pensar que tudo aquilo poderia ser um grande
desperdício de tempo.
Nunca
na vida tinha pensado em ser escritor. Aliás nem se achava capacitado para
tanto. Porém, alguns rabiscos sem conexão e uma vida profissional extremamente
atribulada e sem qualidade nenhuma o fizeram repensar todo o seu caminho.
Portanto,
lá estava ele: com uma mochila nas costas, o notebook na mão e um mundo inteiro
pela frente.
Na
verdade decidiu unir o útil ao agradável: a paixão pelas letras e a vontade de
conhecer lugares novos e pessoas novas, com suas próprias trajetórias de vida e
com momentos memoráveis que valessem ser registrados. Vendeu o carro, seus
instrumentos musicais e sacou o dinheiro que tinha guardado por um longo
período (um bom dinheiro) e decidiu fazer seu próprio “Caminho de Santiago”.
E,
dessa maneira, ganhou o mundo, levando poucas coisas e muitas expectativas.
Durante
três anos pouco conseguiu fazer a não ser gastar o dinheiro que havia levado e
conhecer lugares muito bonitos, porém pessoas pouco interessantes.
Com
o dinheiro perto do fim, resolveu voltar para casa, já não havia muito sentido
naquilo tudo. Não poderia mais ter gastos, afinal de contas o dinheiro que
ainda tinha daria apenas para a hospedagem da próxima semana e para a viagem de
volta.
Não
havia muito escolha para ele, naquele momento não queria e nem poderia começar
a trabalhar no exterior.
Descendente
de Italianos, deixou o país de seus ancestrais por ultimo. Lá estava há quase
uma semana e não conseguira nada além de visitar os pontos turísticos de Roma,
o que, naquela altura dos fatos, não lhe ajudaria muito em seu propósito de
encontrar “a estória perfeita”.
Já
no dia seguinte à decisão de ir embora, como fazia todos os dias, dirigiu-se ao
café em que estava acostumado a ir, tomar seu café da manhã e olhar as pessoas
passarem pela rua. Adorava fazer isso. Ficar perdido com seus pensamentos
enquanto observava a vida agitada passando na sua frente.
Naquele
dia, porém, foi diferente. Um vazamento d’água fez com que o café ficasse
fechado pela manhã. Como não queria perder seu ultimo dia de viagem comendo em
qualquer lugar, resolveu ir em outro café do outro lado da rua, com o mesmo
“display”: mesas do lado de fora, o que possibilitaria que enxergasse os
romanos em sua pressa descoordenada. Entretanto, por alguma grande “sacanagem”
do destino, todas as mesas estavam ocupadas, de modo que só restavam as mesas
do interior, sem vista para a rua e algumas poltronas, com alguns livros.
“Quer
saber? Que se dane!” disse ele em um sonoro português que não foi compreendido
por ninguém (por sorte). Procurou uma poltrona e dirigiu-se a ela. Pegou seu
Ipod na bolsa e, enquanto caminhava deixou que ele caísse ao chão, juntamente
com diversas outras coisas, uns livros e uns CDs que sempre carregava consigo.
Isso tudo acidentalmente (estava nervoso com toda aquela situação). Fechou os
olhos e soltou um “que merda! Isso só pode ser brincadeira!!!”
Naquele
momento ao se abaixar para pegar o aparelho que caíra, viu uma mão chegando
antes dele às suas coisas e ouviu uma voz dizendo: “Ah, só poderia ser brasileiro”
Quando
se levantou, deparou-se com os olhos mais lindos que vira até então: eram de um
azul tão diferente de qualquer coisa já vista por ele em seus trinta e poucos
anos de vida. Porém, a primeira vista algo lhe chamara a atenção: na mesma
proporção que os olhos eram lindos também eram profundos. Pareciam dois lagos
ocultos dentro de uma caverna. Lindos, porém profundos e misteriosos demais.
Pois
naquele momento sua viagem começava a mudar: conheceu Ana, uma brasileira há
anos morando em Roma. Muito simpática e compreendendo a cara de otário do
rapaz, sentou-se ao seu lado e começou a conversar com ele.
Dizia
ela que sentia saudades do Brasil e de sua família aqui, mas havia constituído
família também na Itália. Perguntava a Pedro, em todos os momentos sobre seu
país natal e coisas que lhe causavam saudades. Nesses momentos o rapaz pode
perceber que por trás daqueles belíssimos olhos azuis alguma coisa mais
profunda se escondia e que não deixava a moça viver uma vida em toda sua
plenitude.
Poderia
estar errado mas não conseguira descobrir naquele momento, pois Ana estava
atrasada para o trabalho. Decidiram trocar mensagens depois que o rapaz voltasse
ao Brasil.
E
Pedro precisava voltar. Por mais que quisesse ficar e que entendesse que de
alguma forma suas vidas estavam ligadas, seu dinheiro não era suficiente para
mais de uma semana.
Mas
saiu de lá com um sentimento estranho. Era normal sentir uma atração inicial
por mulheres como Ana, seja de ordem passional ou sexual. Eram muito parecidos
em um primeiro momento, tinham muitas afinidades. As mesmas músicas, os mesmos
filmes, os mesmos livros, o mesmo esporte preferido.
Mas
com ela era diferente. Por mais que Ana fosse extremamente atraente (e de fato
era e muito) não tinha esse sentimento atração carnal por ela.
A
atração que sentia vinha muito mais da necessidade de tê-la por perto do que de
qualquer outra coisa. Tinha plenamente em seus pensamentos que, caso
confundisse esses sentimentos perderia Ana para sempre.
Mas
espere um momento, passaram-se poucos instantes desde que haviam se conhecido,
como já pensar nisso logo de cara?
Pois
é amigos, existem coisas na nossa vida que não demandam explicação. E as vezes
nem tem explicação.
Julgando
sua missão cumprida, Pedro decidiu partir naquele dia mesmo rumo ao Brasil e,
para sua surpresa, naquele mesmo dia recebeu uma mensagem de Ana, dizendo que
queria se despedir e que iria até o aeroporto para dar um abraço em Pedro.
Como
seu voo estava em cima para sair, não houve muito tempo para nada além de um
abraço breve e a promessa do contato mantido. Ao virar-se para embarcar Ana
puxou Pedro pelo braço e lhe deu um envelope com um cartão dentro, onde dizia:
“abra no avião”.
-
Aqui terminamos apenas uma etapa da nossa vida, ou começamos uma vida nova,
você escolhe a melhor definição. Porém, eu prefiro pensar que é apenas um
começo! Ligue assim que chegar ao Brasil.
E,
da janela do avião Pedro pode ver Ana olhando para ele com os olhos marejados
e, ao abrir o cartão foi isso que leu:
“Ali – Nando Reis
Ela entrou e eu estava ali
Ou será que fui eu que ali entrei
Sem sequer pedir a menor licença?
Ela de batom caqui
Com os olhos olhava o quê? Eu não sei
Olhos de águas vindas
De outros oceanos
Ou será que fui eu que ali entrei
Sem sequer pedir a menor licença?
Ela de batom caqui
Com os olhos olhava o quê? Eu não sei
Olhos de águas vindas
De outros oceanos
Ela me olhou - Quem?
Quem sabe com ela
Eu teria as tardes
Que sempre me passaram
Como miragens, como invenção!
Quem sabe com ela
Eu teria as tardes
Que sempre me passaram
Como miragens, como invenção!
Se eu não posso ter
Fico imaginando
Eu fico imaginando
Fico imaginando
Eu fico imaginando
Virá com ela que entrega
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali
Ela amou o que estava ali
Ou será que foi dela o que eu já amei
Como os laços fixos de uma residência?
Ou será que foi dela o que eu já amei
Como os laços fixos de uma residência?
Ela: Alô!? E eu não reagi
Com os olhos olhava o que eu lembrei
Quando andava indo
Em outra direção
Com os olhos olhava o que eu lembrei
Quando andava indo
Em outra direção
Ela me olhou - Vem!
Quem sabe com ela
Eu veria as tardes
Que sempre me faltaram
Como miragens, como ilusão!
Quem sabe com ela
Eu veria as tardes
Que sempre me faltaram
Como miragens, como ilusão!
Se eu não posso ver
Fico imaginando
Eu fico imaginando
Fico imaginando
Eu fico imaginando
Virá com ela que entrega
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali
Ela andou e eu fiquei ali
Ou será que fui eu que dali mudei
Com uns passos mudos
De uma reticência?
Ou será que fui eu que dali mudei
Com uns passos mudos
De uma reticência?
Ela me olhou bem
Quem sabe com ela
Eu teria achado
O que sempre me faltava
Cores, colagens, sons, emoção!
Quem sabe com ela
Eu teria achado
O que sempre me faltava
Cores, colagens, sons, emoção!
Se eu não posso ser
Fico imaginando
Eu fico imaginando
Fico imaginando
Eu fico imaginando
Virá com ela que entrega
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali”
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali”
Apenas essas
palavras, mais nada. Enquanto refletia, olhava pela janela e para a moça, cujos
olhos azuis iluminavam todo o saguão do aeroporto naquele dia frio em Roma.
Por um instante
Pedro chorou. Viajou três anos e no ultimo momento toda aquela experiência
valeu a pena!
Entretanto, mal
podia esperar para chegar ao Brasil e ligar para Ana para saber o que queriam
dizer aquelas palavras naquele cartão. As horas de viagem pareciam
intermináveis. Durante aquele tempo, abriu o notebook e esboçou algumas
palavras mas não conseguia parar de pensar em Ana. Mas de um modo estranho. Não
pensava nela como alguém com quem quisesse ter um relacionamento. Apesar de que
Ana preenchia todos os requisitos para tanto, mas ele sabia que aqueles
acontecimentos revelavam algo muito mais profundo do que uma história de amor
ou apenas tesão.
Não pregou os
olhos durante a viagem que, após longas horas chegava ao vim, desembarcando em
São Paulo.
No taxi Pedro
releu o cartão. Não entendia muito aquelas palavras pois conviveu com Ana
apenas um dia e algumas horas de conversa.
Pois tão logo
chegou em casa ligou para Ana. Após as perguntas sobre a viagem e o tempo em São
Paulo, Pedro a interrompeu e perguntou:
- O que você quis
me dizer com aquele cartão? Eu adorei, não me entenda mal, mas não consegui
compreender o significado daquelas palavras e tenho medo de estar errado a
respeito do que pensar sobre isso.
Ana, após uma
breve pausa disse:
- Talvez você não
tenha percebido, mas aquele, antes de nos conhecermos, eu havia tomado a
decisão de acabar com a minha vida. Já não aguentava mais as pessoas me
julgando pela vida “estável” que levo, pela família maravilhosa que tenho e por
minha aparência perfeita. Venho sofrendo anos a fio com essa sensação. E o pior
de tudo, ainda me culpo por me sentir assim. Sinto um peso maior por ter esse
sentimento do que por querer a morte muitas vezes. Mas ninguém sabe disso, eu
saí totalmente sem rumo naquele dia. Amo minha família, meus filhos, meu
marido, mas não queria que eles sofressem se soubessem que eu penso dessa forma
e eu simplesmente não conseguia mais não pensar. Pois aquele dia havia decidido
que tudo teria um fim. Foi nesse momento, quando eu tinha ido tomar o último
café no lugar que eu mais amava naquela cidade que eu vi alguém desajeitado
entrar por aquela porta, derrubando tudo e deixando cair o encarte, juntamente
com o Ipod, de uma banda que adoro. Você lembra que deixou cair o encarte do CD
do Candlebox? Provavelmente não. Pois procure na sua bolsa. Você não achará. Eu
simplesmente me recusei a devolver e nem me esforcei para provar o contrário
pois eu não acho que aquilo foi um mero acaso do destino. Deveríamos estar
naquele lugar, naquela hora e você, como todo esse seu jeito desastrado e os
mesmos gostos que eu conseguiu me mostrar que existem mais pessoas nesse mundo
pelas quais vale a pena continuar. Somos, no fim das contas, um apoio para
outras almas perdidas que precisam apenas de algo em que se apegar para
continuar essa loucura que se chama vida. Eu percebi em você que eu poderei
contar sempre, em qualquer situação sem que você me julgue, julgue meus
sentimentos e atitudes, minhas vontades e meus momentos de desespero. Apenas
estará ali e pronto. A vida vale a pena? Não posso te dizer isso. Mas daquele
dia em diante eu percebi que morrer vale muito menos.
Por um instante
Pedro ficou mudo. Pois sentira o mesmo naquele dia: abandonara tudo em busca de
um sonho, perambulando pelo mundo por três anos sem nem chegar perto do seu
objetivo. Até que uma das muitas ironias do destino colocara no seu caminho
aquilo que tanto esperou: a história perfeita.
Não se trata de
amor. Ou melhor, até se trata de amor, mas em uma de suas tantas vertentes, uma
vertente menos carnal e mais espiritual. Duas almas perdidas que se encontram e
podem desfrutar dos percalços do caminho, sempre levantando a outra quando essa
não suportar e cair.
Mal sabia Pedro
que, encontrando Ana, estaria prestes de escrever a sua obra prima. Sua viagem
passara a ser seu maior acontecimento. O que até então parecia uma perda de
tempo, passou a ser o momento de sua vida.
Pois, como dito,
encontrando Ana, Pedro pode entender escrever sua própria história.
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